Para Amalia
Pereira, dirigente da Central Unitária de Trabalhadores, o “Aprovo” no
plebiscito de 4 de setembro corresponde à expectativa do levante popular em que
milhões se manifestaram por um novo Chile.
Após um ano de
intensos debates, a proposta de Nova Constituição será entregue ao presidente
do Chile, Gabriel Boric, na próxima segunda-feira (4). Em entrevista, a
dirigente da CUT Chile, Amalia Pereira diz que aprovação da nova constituição
virá “a fim de construir um país novo, que enterre a herança neoliberal do
ditador Augusto Pinochet (1973-1990)”.
Qual a importância
da Nova Constituição para o presente e o futuro do Chile?
Em primeiro lugar
precisamos reconhecer que esta é uma Nova Constituição em direitos, que vem
para abolir a Constituição da ditadura de Pinochet, feita por meia dúzia de
pessoas. Agora teremos uma nova Carta Magna baseada nos direitos humanos e
ambientais, nos direitos de todos e todas, dos povos originários. Para isso foi
importante a participação paritária de 155 trabalhadores, intelectuais, sendo
ampla em todos os sentidos da palavra.
Mas temos problemas
desde há muito tempo, abusos de desamparo e desproteção do Estado: na saúde, na
educação, bem graves no âmbito ambiental e de moradia. As grandes empresas e os
poderes econômicos se apropriam dos territórios, acabam ocupando terreno e
levando problemas às comunidades. Isso temos mais fortemente na fundição da
cidade de Puchuncavi, na região central de Valparaíso, onde passaram mais de 30
anos e ninguém havia se preocupado. Enquanto isso, continuaram morrendo e
adoecendo crianças, adultos e idosos devido à contaminação. E não somente ali,
mas em muitos locais onde não se deu atenção ao meio ambiente. Houve a
privatização da água e somos o único país em que a água é vendida, o que
agravou os problemas ambientais graves. Acreditamos que a Nova Constituição vem
para sanar isso.
Leia também: Chile vai retomar controle sobre cobre, água e
recursos naturais
Vale lembrar que é
uma Constituição que aflorou após um estalido social [levante
popular que ocorreu com força entre outubro de 2019 e março de 2020] em que
milhões tomaram as ruas pela construção de um novo Chile. Depois do levante
queremos educação gratuita, saúde gratuita, moradia e dignidade para nosso
povo.
Acreditamos que do
ponto de vista interno da Assembleia ocorreram alguns desacertos mais de
caráter administrativo, já que do ponto de vista da jornada todos os
constituintes trabalharam 24 horas, de segunda a domingo, para fazer com que
todos sejamos sujeitos plenos de direitos, como foi reivindicado pela sociedade
em seu conjunto nas grandes manifestações.
Em relação ao mundo
do trabalho, o que é necessário resolver?
A ditadura nos
tirou inúmeros artigos do Código do Trabalho, tivemos um Tribunal Constitucional
que nos castigou nos direitos fundamentais, suprimiu o diálogo social, o
tripartismo, as relações empresa-trabalhador-Estado. O Estado punitivo passou a
dar mais direitos a empresas que aos próprios trabalhadores, que ficaram
vulneráveis. Ficamos fragilizados ao sermos colocados bem distante da
negociação coletiva, do direito à sindicalização automática e à agrupação
formal.
Tudo isso faz com
que haja uma problemática apresentada nas últimas eleições parlamentares em que
a direita fez a sua bancada e o presidente Gabriel Boric não tem o apoio
irrestrito que necessita para caminhar. Sendo assim precisa andar com cuidado,
porque a reação continua tendo muito poder, a direita com o poder econômico e
da mídia. A reação também se aproveita do descrédito dos partidos políticos,
das Forças Armadas, da Igreja e de todas as organizações mais antigas da nossa
sociedade.
Manifestação no Chile, em 2020
O que ocorreu no
levante impactou muito fortemente a todos. Estamos diante de um cenário
complicado em todos os sentidos da palavra: político, social, administrativo. E
isso incide sobre o governo do companheiro Boric. Vivemos um problema de
tributação muito grave em que os ricos pagam menos e nós, pobres, pagamos mais.
O Chile tem uma desigualdade muito grande. Em relação a isso nos governos dos
presidentes Salvador Allende e Michele Bachelet também se tentou fazer uma Nova
Constituição, mas sempre houve uma oposição muito forte da direita, que é quem
tem mais presente o seu sentido de classe. Buscam de todas as formas manter
seus privilégios.
Leia também: Ministra chilena diz que governo vai restabelecer
confiança do povo
Para alterar esta
realidade será apresentada a proposta da Nova Constituinte na próxima
segunda-feira (4) e já podemos iniciar na quarta-feira (6) a campanha pela sua
aprovação.
Os movimentos
sociais estão indo à luta pelo Aprovo, mas a reação tem o controle absoluto dos
meios de comunicação pelo Não. O que fazer?
Eles vêm com força.
Não será fácil para reverter toda essa campanha que, sorrateiramente, vieram
impregnando, contaminando, envolvendo com seus tentáculos uma parcela da
sociedade. Some-se a isso como a mídia se aproveita de problemas como o do
narcotráfico, que atinge nosso país e aflige nossa juventude, com todos os dias
tendo pessoas mortas, tanto chilenos como estrangeiros, seja nos bairros
populares ou nos mais ricos, e o crescente roubo de veículos. Tudo isso tem se
transformado em discurso, com muita gente se tornando presa fácil para a
direita. Inclusive problemas internos da Constituinte – como o comportamento de
um que precisou retirar-se por mentir que tinha câncer – que é repetido à
exaustão acaba influindo na conduta dos seres humanos. O objetivo é baixar a
autoestima, vendendo a imagem do chileno como sendo sempre mais do mesmo,
condenado à repetição de erros.
Com a desinformação
há um controle das notícias, que não chegam a todos. Para que queremos uma Nova
Constituição, para que serve? Por que poderá durar 50 ou 100 anos? Os poderes
econômicos têm a mídia e os recursos que lutam para nos manter sob pressão,
coagidos. Por isso é preciso ir às ruas para romper as amarras.
A
convocação de uma nova Constituição foi tema da campanha que elegeu Gabriel
Boric presidente do Chile
E isso vale para o
discurso desta mídia em função dos interesses do capital financeiro e das
transnacionais, que fica mais evidente na questão das Administradoras de Fundos
de Pensão (AFP).
Exatamente. Os que
querem que tudo se mantenha como está vem com o discurso de que a Nova
Constituinte irá prejudicar o país, para roubar o dinheiro das aposentadorias.
Virá um corralito [restrição de sacar dinheiro] como o da Argentina em 2001.
Espalham incertezas, temor e a cultura do terror: vão retirar minha
propriedade, retirar meu automóvel, vou perder um terreno, vão me expropriar.
Há uma manipulação psicológica para que as pessoas reajam com medo a tudo isso.
É um verdadeiro filme de terror.
Daí a importância
que os jovens compareçam às urnas. Há em nosso favor o fato de que a votação
tem caráter obrigatório e uma grande potência no voto feminino. As mulheres vêm
ocupando um espaço importante no processo, o que tem feito a diferença.
Qual a sua
expectativa em relação ao plebiscito?
Acredito na vitória
do “Aprovo”. Com a compreensão de que esta votação não é para mim, é para meus
filhos, minhas netas, minhas bisnetas. Mas a disputa é difícil porque os
avanços concretos não ganham espaço, não são divulgados amplamente, como faz a
grande mídia quando trata dos seus interesses, isso simplesmente não é
informado. Ao contrário, a direita mente de forma incisiva, categórica e
irreversível em função dos seus interesses.
Leia também: CUT-Chile: “Mobilizados pela vitória na Constituinte”
Por isso há muita
gente que pode não querer votar, dizendo que vai ser mais do mesmo, e isso nos
preocupa. Há um discurso midiático de que o reconhecimento de direitos
aumentará o desemprego, quando é o oposto. Some-se a isso o fato de os meios de
comunicação serem potentes e estarem nas mãos de poucas famílias [há um
duopólio com o El Mercurio Sociedade Anónima Periodística (SAP) e o Consorcio
Periodístico de Chile (COPESA) concentram 82% dos leitores e mais de 84% da
publicidade no setor], em conluio com as empresas transnacionais.
Muita gente ainda
não sabe que precisa ir votar em 4 de setembro ou não tem a dimensão da
relevância da Nova Constituição. A ditadura de Pinochet nos deixou infiltrado o
vírus do neoliberalismo e está nos custando caro expulsá-lo.
Infelizmente, a
mídia busca impregnar massivamente uma situação conformista, contra a qual
estamos combatendo fortemente. Daí a nossa luta contra o divisionismo e a
fragmentação, para que não sejamos presa fácil, para não ficarmos
invisibilizados, durante quatro anos, como no último governo de Sebastián
Piñera (2018-2022). Do ponto de vista das centrais sindicais, precisamos buscar
a unidade, necessitamos estar unidos em um ponto de convergência, em um ponto
comum.
O princípio que
teremos agora é a Nova Constituição, a construção de um Estado social,
democrático, igualitário, participativo, que se preocupa com os povos
originários, com o cidadão sujeito de direitos, que investe na ciência e na
tecnologia, com o futuro de todos e todas. Acreditamos que o Aprovo vai ganhar
porque o povo está pedindo, porque é uma reivindicação da nossa gente.
Portal VERMELHO
Nenhum comentário:
Postar um comentário