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A norma aprovada pelos senadores
determina que o teletrabalho — definido como a prestação de serviço fora das
dependências da empresa, de maneira preponderante ou híbrida, que não configure
labor externo — deve constar expressamente no contrato individual de trabalho.
O documento poderá prever horários e meios de comunicação entre empregado e
empregador, desde que garantidos os repousos.
Empresários e trabalhadores esperavam
que a transformação da MP em lei cobrisse as várias lacunas legais que
assombravam o teletrabalho, tipo de labuta que ganhou enorme projeção por causa
da covid-19, e desse segurança jurídica ao tema. No entanto, isso não ocorreu,
ao menos não para os advogados trabalhistas convocados pela ConJur para
refletir sobre o assunto.
Ricardo Calcini, professor e
coordenador editorial trabalhista, foi direto ao ponto: “A aprovação da MP mais
prejudica o sistema do trabalho a distância do que o beneficia”. A explicação:
agora, as empresas são obrigadas a dar aos empregados que atuam de maneira
remota o mesmo tratamento dos que trabalham presencialmente, o que inclui o
controle de jornada. Para Calcini, isso vai desestimular os empresários a
adotar o teletrabalho.
"A reforma trabalhista (de 2017)
permitia que o teletrabalho não tivesse controle de jornada, o que dava
flexibilidade às empresas para as contratações”, disse o professor. “Além
disso, várias outras questões do teletrabalho não foram regulamentadas. Por
isso eu penso que a aprovação da MP vai trazer pouca ou nenhuma efetividade
para incentivar o trabalho a distância”.
Muitos furos
Quando Calcini, que é colunista da
ConJur, diz que vários outros pontos do teletrabalho não foram devidamente
regulamentados pelo novo texto, ele não está exagerando. Até mesmo os
especialistas que se mostraram satisfeitos com o resultado do trabalho dos
parlamentares admitem que tem falhas. É o caso de Fernanda Garcez, sócia e
responsável pela área trabalhista do escritório Abe Advogados.
Na avaliação dela, a novidade legislativa
não esclarece quem deve bancar os custos do teletrabalho — energia elétrica,
internet, equipamentos e por aí vai. “A reforma trabalhista dizia que o
contrato deveria dispor sobre os custos de infraestrutura do empregado. Como a
Justiça trabalhista é muito protecionista, podem surgir dúvidas se a empresa
deve ou não pagar uma ajuda de custo mensal para cobrir as despesas do home
office”, afirmou ela. “No meu entendimento, careceu um pouco de o legislador
entrar nessa matéria. Deixar isso para a esfera contratual, como foi feito em
2017, pode gerar discussão”.
Fernanda também menciona dúvida que
ficou no ar sobre o uso de meios digitais (como aplicativos de troca de
mensagens) fora da jornada de trabalho. Segundo a advogada, a lei não deixa
suficientemente claro se o empregado tem direito a horas extras — ela defende
que sim. Por sua vez, Karoline Carvalho de Souza, profissional da área
trabalhista da banca SGMP Advogados, alertou para a falta de uma melhor solução
para um tema importante: o acidente de trabalho em home office.
“Haverá dificuldade para averiguar de
quem é a culpa em um possível caso de acidente ou doença ocupacional: se é do
empregador, que não instruiu o trabalhador de forma contundente e não
fiscalizou o cumprimento das normas de saúde e segurança de forma efetiva, ou
do trabalhador, que foi negligente e descumpriu as orientações recebidas. Não
parece razoável responsabilizar o empregador por situações que fogem ao seu
controle, tampouco há na legislação parâmetro balizador”, comentou a causídica.
Guilherme Macedo Silva, advogado da
área trabalhista do escritório Greco, Canedo e Costa Advogados, também se
decepcionou com a ausência de mais clareza sobre o tema no texto legal.
“Esperava-se que o texto do projeto de lei regulamentasse situações de saúde e
segurança do trabalho no regime de teletrabalho”, afirmou ele. “Também se
destaca o fato de que a preferência pela adoção do teletrabalho por empregados
portadores de deficiência, com filhos ou guarda de crianças menores de quatro
anos tampouco foi regulamentada”.
Na opinião de Rodrigo Marques,
coordenador do núcleo trabalhista do Nelson Wilians Advogados, essas várias
lacunas legais obrigarão as empresas a serem muito cuidadosas na elaboração do
contrato de trabalho, que, por exemplo, deverá deixar claro quem paga as
despesas do home office.
“O texto é integralmente omisso
quanto à responsabilidade efetiva ou não do empregador sobre o fornecimento da
infraestrutura básica e de ajuda de custo para a atividade regular do empregado
em regime de teletrabalho”, lamentou ele.
Como se nota, a MP transformada em
lei ainda deixa muitas dúvidas sobre o teletrabalho. Mas de uma coisa os
especialistas consultados pela ConJur não duvidam: no fim das contas, essas
lacunas da legislação terão de ser cobertas, como sempre, pelo Poder
Judiciário.
Fonte: Força Sindical