Os mesmos 48 seringais que, há quatro décadas, colocaram no mapa do mundo a pequena Xapuri, região amazônica no Acre, continuam ativos. Essas árvores que produzem látex deram evidência a Chico Mendes, que buscava proteção para os seringais, para a Floresta Amazônica e populações que dependiam dela.
“Para nós, hoje, os seringais têm um peso ainda maior. Nesses anos todos, eles trouxeram melhora de vida, proteção ambiental e do território”, afirma Julio Barbosa, da Amoprex (Associação dos Moradores e Produtores da Reserva Extrativista Chico Mendes em Xapuri).
Barbosa era vice-presidente do sindicato dos trabalhadores rurais quando Chico Mendes, que o chefiava, foi assassinado. O seringalista não resistiu aos tiros de espingarda disparados a mando do fazendeiro Darly Alves em 22 de dezembro de 1988, há 30 anos.
Pouco antes de sua morte, Chico Mendes havia ganhado prêmios internacionais pela ideia que tentava dar vida: a criação de áreas para proteger a floresta e suas populações tradicionais.
Na sequência do assassinato, o governo brasileiro criava as primeiras Reservas Extrativistas (Resex). A que leva o nome de Chico Mendes e fica no território onde ele atuou foi reconhecida em 1990.
Trinta anos depois da morte do ambientalista, o seu maior legado está em risco.
“É a maior ameaça de todos os tempos”, avalia Barbosa. “Estamos muito preocupados com essa conjuntura nacional. Não podemos deixar nossas conquistas desapareçam”, pontua ao mencionar o governo Jair Bolsonaro, que critica o número de áreas protegidas dizendo que elas atrapalham o desenvolvimento do País.
Marina Silva, ex-ministra de Meio Ambiente que conviveu com Chico Mendes e participou do processo de criação das reservas, vê um cenário apreensivo: “No momento em que você sinaliza que pode mudar o marco regulatório para que tenha mineração ou para que se possa virar fazendeiro dentro das reservas, os conflitos aumentam”.
As disputas são causadas não apenas por quem quer invadir as terras, mas também por rachas internos, complementa Marina. “É um momento perigoso não só para extrativistas, mas para outras comunidades, como indígenas e quilombolas”.
Dentro dos quase mil hectares da Resex Chico Mendes, mais de duas mil famílias geram renda com o que coletam da mata. Atualmente, o látex é retirado de aproximadamente 60 mil seringueiras, que rendem 1 milhão de reais por ano aos extrativistas, revela Tião Aquino, da Cooperacre (Cooperativa Central de Comercialização do Acre).
O gado invade
Por outro lado, os pastos para pecuária cresceram nas últimas décadas. E o desmatamento também: chega a quase 7% da área.
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“O desmatamento ocorre muito perto de uma rodovia, que é o principal eixo do desenvolvimento agropecuário no Acre. Mais para dentro da reserva, isso não acontece”, afirma Cláudio Maretti, diretor de Ações Socioambientais do Icmbio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), órgão responsável pela gestão das unidades de conservação no país.
Segundo Julio Barbosa, da Amoprex, a criação de gado é um complemento para as famílias. Mas a pressão para que a floresta seja derrubada aumenta. “Como os fazendeiros já desmataram o que podiam, eles pressionam o seringueiro para desmatar e colocar gado no pasto dentro da Resex”, admite.
Em todo o País, 86 reservas de uso sustentável foram criadas desde Chico Mendes, por demanda das populações locais. A maioria delas, 58, está na Amazônia e as demais, 28, na zona costeira. Estima-se que 70 mil famílias dependam desse modelo.
“As reservas são excelentes para conservar a natureza e preservar o modo de vida que essas populações querem manter. O desmatamento nessas áreas é baixíssimo: 1%”, avalia Maretti. O caso da Chico Mendes, diz ele, foge à regra.
Ainda assim, a gestão esbarra em dificuldades conhecidas. “O número de servidores e o orçamento colocado à disposição é inferior ao necessário”, afirma o representante do Icmbio. “Muitas vezes, há apenas um servidor pra cobrir uma área enorme na Amazônia”.
A situação atual já era prevista por Chico Mendes há décadas, afirma Barbosa. “Ele tinha absoluta certeza de que, se a gente não lutasse pelas florestas, o clima iria mudar, a desigualdade social iria aumentar. É por isso que ele defendia as reservas como forma de manter o equilíbrio. Para ele, valorizar o meio ambiente e a biodiversidade era cuidar das pessoas”.
Por motivos semelhantes aos que motivaram o assassinato de Chico Mendes, 57 ambientalistas foram mortos no Brasil em 2017. O país lidera o ranking internacional, segundo levantamento da ONG Global Witness.
Fonte: CARTA CAPITAL
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