segunda-feira, 17 de dezembro de 2018

LAVA-JATO - “Bolsonaro é resultado da operação Lava-Jato”, avalia jornalista

Durante o lançamento, no Armazém do Campo do Rio de Janeiro, Daniel falou sobre o livro e também fez avaliações sobre o próximo período - Créditos: Flora Castro

Durante o lançamento, no Armazém do Campo do Rio de Janeiro, Daniel falou sobre o livro e também fez avaliações sobre o próximo período / Flora Castro


Flora Castro e Mariana Pitasse - BRASIL DE FATO

Para Daniel Giovanaz, autor de “Dossiê Lava-Jato”, eleição de Bolsonaro é a consolidação do projeto político da operação,

O jornalista Daniel Giovanaz, lançou o livro “Dossiê Lava-Jato: Um ano de cobertura crítica” no Rio de Janeiro na última quinta-feira (13), publicado pela editora Outras Expressões neste ano. No livro, que traz uma seleção de reportagens publicadas pelo jornal Brasil de Fato, entre fevereiro de 2017 e fevereiro de 2018, ele apresenta os resultados da investigação, discute sobre o papel da grande mídia em todo o processo e também o impacto que a operação teve na democracia e na economia brasileira. Durante o lançamento, que aconteceu no Armazém do Campo do Rio de Janeiro, Daniel falou sobre o livro e também fez avaliações sobre o próximo período, apontando a eleição de Bolsonaro como a consolidação do projeto político expresso pela operação. “Tanto é que logo após eleito ele chama o Sérgio Moro, símbolo dessa operação, para fazer parte do governo, assumindo um cargo político no Ministério da Justiça”, explica.
Confira a entrevista na íntegra:
Brasil de Fato: Do que trata o livro “Dossiê Lava-Jato”?
Daniel Giovanaz: O livro é resultado de um ano de produção de reportagens semanais, em Curitiba (PR), que é chamada de capital da operação Lava-Jato. Durante o ano de 2017 até janeiro de 2018, eu estive dedicado a acompanhar o passo a passo da operação. Conforme iam acontecendo as violações a gente usava o espaço do jornal impresso, o Brasil de Fato Paraná, para fazer às denúncias das violações constitucionais da Lava Jato, violações à presunção de inocência, ao direito de defesa. Também, ao mesmo tempo, tentamos ir mostrando os impactos econômicos dessa forma de se combater a corrupção que traz consigo um projeto político, um projeto econômico muito bem determinado que, na minha avaliação, se consolidou agora no final de 2018 com a eleição de Jair Bolsonaro. Tanto é que logo após eleito ele chama o Sérgio Moro, símbolo dessa operação, para fazer parte do governo, assumindo um cargo político no Ministério da Justiça.
Por que foi tão necessário acompanhar essa operação de perto?
O livro parte de uma concepção de que combate à corrupção obviamente é necessário, nós vivemos um momento no Brasil em que as instituições precisam retomar sua credibilidade e, de fato, com transparência, com combate à corrupção efetivo, isso tem muito mais condições de dá certo. O que se questiona nessas reportagens é a maneira com que se faz combate à corrupção. Porque houve sim processos sistemáticos de combate aos desvios de dinheiro, ao superfaturamento, a esquemas criminosos, aos crimes contra o patrimônio em outros países, mas em moldes totalmente diferentes do que foi a operação Lava-Jato. A gente percebe que na Lava-Jato não havia nenhum cuidado por parte dos operadores em não comprometer a economia do país, em não gerar desemprego com a interrupção dos contratos com a Petrobras, por exemplo. E se você olhar para a trajetória acadêmica do juiz Sérgio Moro, por exemplo, ele em 2014 estava olhando para o exemplo da Itália, da “Operação Mãos Limpas”, e acaba reproduzindo esse modelo de cooperação com a mídia comercial aqui no Brasil, de modo a legitimar a operação e deslegitimar o direito de defesa e argumentação dos réus. Então, claro, ele se utiliza de meios de comunicação da mídia comercial que tem um projeto político e econômico para criar essa grande simbiose e legitimar toda e qualquer ação da operação Lava-Jato. Tanto que quem acompanhou a Lava-Jato pelos grandes meios de comunicação, por exemplo, pela Folha de São Paulo, pelo Estadão ou pela Rede Globo, tinha uma visão muito positiva sobre a operação. Então houve um esforço da nossa parte lá em Curitiba em desvendar, fazer cair as máscaras, digamos assim, por trás das pessoas que estavam comandando essa operação.
Como foi o processo de seleção do material que entrou na obra?
A gente produziu quase 80 reportagens durante 13 meses, lá em Curitiba e o esforço de seleção foi basicamente pinçar aquelas reportagens que não são apenas factuais ou que com o tempo poderiam perder o sentido. Foi realmente um esforço de selecionar as reportagens que mesmo lidas depois de um ano, dois, três anos, não perderiam sua validade, não seriam perecíveis digamos assim, porque contém elementos que são conjunturais para além da Lava-Jato. Elas refletem uma conjuntura de avanço do autoritarismo, de avanço inclusive de um pensamento da extrema-direita que, como eu disse, se consolidou com a eleição do Jair Bolsonaro nesse ano. Então o livro é uma síntese de vários elementos, impactos econômicos, como se dão as relações constitucionais da Lava-Jato, e claro, ele adquire esse caráter de denúncia além de algo didático sobre a operação, mas um caráter de denúncia porque não é esse tipo de combate à corrupção que a gente imagina, espera para o Brasil.
Por que acredita que eleição de Bolsonaro foi resultado da Lava-Jato?
Quando eu digo que o Bolsonaro foi resultado do que foi a Lava Jato é porque o Bolsonaro representa tudo de mais superficial, as soluções mais fáceis para os problemas, ele sempre localiza um bode expiatório, um adversário, uma lógica adversarial que se cria sem informação, sem base em dados, mas somente no ódio na vontade de enfrentar aquilo que eu não gosto, com base no medo. E a Lava-Jato, sustentada pela grande mídia que fez esse trabalho de enaltecimento da operação, acabou permitindo que surgisse essa figura.
Qual a importância que a grande mídia tem dentro desse fenômeno?
Eu acho interessante a gente pensar esse aspecto da mídia e da Lava-Jato como um jogo de interesses. Primeiro o interesse mais básico, esse que nós do jornalismo temos sempre de dar o furo, de dar a notícia primeiro. Então a Lava Jato permitia isso a certos meios de comunicação e criava uma relação e eles ficavam amarrados. Por exemplo, o Sérgio Moro vazava áudios de delações ou mesmo de grampos telefônicos ilegais para determinados jornalistas, determinados veículos. Em troca eles beneficiavam o Moro, falando bem da operação, enaltecendo o trabalho da operação, dando visibilidade, divulgando esse trabalho e também através de relações públicas que é conferir ao Moro, por exemplo, o prêmio Brasileiro do Ano ou Homem do Ano, isso quem fez foi a revista Veja por exemplo, a Rede Globo, a Istoé. Foram criando essa grande figura que aos poucos foi sendo construída junto ao imaginário popular como um herói, como alguém que poderia salvar o Brasil da corrupção. Então sempre simplificando esses temas.
Agora para além desse interesse mais raso, dos furos jornalísticos, existe claro um projeto político e econômico por trás dessa escolha por enaltecer a Lava-Jato. E aí existem várias hipóteses, mas é claro que existe um interesse internacional sobre o Brasil, que é um país estratégico nesse sentido. E a Rede Globo como a gente sabe, desde o golpe de 64 sempre esteve alinhada a determinado setores empresariais, setores muitas vezes radicalmente contra tudo que a gente acredita de democracia. Só que aos poucos tiveram que se adaptar e de alguma forma cumpriu um papel dúbio na história recente do Brasil diante dos governos do PT. E é muito difícil localizar esses interesses, mas a gente segue a pista do dinheiro, do petróleo, do pré-sal e você percebe que o Brasil era sim um país estratégico e que é fácil tecer os vínculos entre essas figuras e o interesse, por exemplo, dos Estados Unidos, do Departamento de Estado Norte-Americano sob o pretexto de fiscalizar as contas públicas, a transparência, o pretexto de combater o terrorismo, acabou formando juristas para esses grandes casos.
Então são vários níveis nesse jogo de interesse e o livro tenta passar por todos eles, trazer a mentalidade autoritária que vem dessas famílias desde a época da ditadura, passando por esses vários temas para localizar onde está de fato o motivador o fato motivador para que isso pudesse tomar a proporção que tomou. Imagine que uma operação da polícia federal, algo muito específico, algo muito técnico que hoje você fala pra qualquer pessoa “Lava-Jato”, a pessoa sabe a que você está se referindo.
Dada a questão do futuro Ministro da Justiça e também as denúncias sobre corrupção da família Bolsonaro e de seus assessores, como você acha que isso pode refletir no próximo ano?
O Jair Bolsonaro, sua família, não são personagens desse livro, porque eles estavam fora desse circuito. A relação mais direta entre Bolsonaro e a operação Lava Jato se dá de fato depois que o livro está publicado, depois da eleição do próprio Jair Bolsonaro, quando ele faz o convite ao Sério Moro para assumir o Ministério da Justiça e, o mais espantoso, é que o Moro aceita imediatamente. Em relação ao que está por vir em 2019, a gente pode constatar já de início é que as máscaras já caíram. Ou seja, está muito claro que a ideia de combate à corrupção ou de defesa da moralidade era algo que estava apenas na aparência, foi usado eleitoralmente em vários momentos para localizar toda a corrupção da história do Brasil em um único partido, utilizando a figura do ex-presidente Lula do que teriam sido anos terríveis para o Brasil.
Eu pessoalmente acredito que o combate à corrupção ficou pelo caminho, era uma estratégia eleitoral, vai continuar sendo um estratégia discursiva, mas na prática eu imagino que os escândalos de corrupção vão diminuir, não no sentido de que vão deixar de existir, mas de que as condições para que se investiguem esse tipo de escândalo vão ser muito dificultadas. Eles vão tentar aparelhar, instrumentalizar esse Estado, para evitar que os seus parceiros e que “os amigos do rei”, digamos assim, sejam afetados pela lei. A lei vai continuar pesada para os adversários desse campo político, que são os movimentos populares, os partidos políticos progressistas, do campo democrático popular. Então a gente pode esperar um ano duríssimo pela frente, mas que essa galera via continuar mergulhada em casos de corrupção e infelizmente o Estado não sei se terá preparo ou se terá condições de investigá-los da forma como fez nos últimos governos.
Edição: Mariana Pitasse

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