domingo, 9 de julho de 2017

Contra o golpe: Unidade estratégica e liberdade tática, por Ion de Andrade

Foto: Agência Brasil
A inviabilidade do governo Michel Temer está escancarada. Pouco há por ser feito porque a derrocada parece ter sido metodicamente construída por atores internos e externos ao governo golpista.
Enxergando os fatos retrospectivamente o contraparentesco entre Moreira Franco e Rodrigo Maia, preenche de maus presságios a barca furada comandada por Temer. Uma pergunta guia para entendermos a profundidade da conspiração é: - Por que Moreira Franco seria contra a acessão do seu genro à Presidência da República? Moreira é o articulador político de quem, além de si mesmo? Nesse cenário de mudança de hegemonia no comando do golpe, Moreira Franco é, surpreendentemente, o eixo estável e fixo em torno do qual gira a roda da política.
A outra variável que merece atenção é a da articulação da candidatura de Rodrigo Maia à presidência da câmara no correr do ano passado. Multipartidária resultou de leque de forças que abrangeu do PCdoB ao DEM. A mídia sublinhou o protagonismo do deputado Orlando Silva na articulação do nome de Maia e Aldo Rebelo foi, para a surpresa de muitos, um dos políticos elogiados no discurso de posse do presidente da Câmara. É fácil hoje criticar o PCdoB, porém vale ressaltar: (1) que o partido foi aliado intransigente dos governos Lula e Dilma, sendo aliás provavelmente mais estável nessa tarefa que o PT (2) foi fiel e leal ao governo Dilma nos duríssimos enfrentamentos que marcaram as jornadas do golpe e (3) dada a sua definição ideológica clara (é e se denomina comunista) e ao seu tamanho reduzido sabe muito bem que pode ser alvo de golpes ainda mais duros do que os que poderiam atingir o PT (há, por exemplo, na Câmara Federal projeto que prevê a sua extinção). O PCdoB entendeu muito rápido, portanto, que entre ele e um governo Temer sustentado por um Centrão protofascista estava dada uma luta de vida e morte. Submetido, portanto, a uma realidade diferente da experimentada pelo PT, o PCdoB enxergou em Maia a velha direita tradicional e laica, em contraposição a um Centrão potencialmente fascista e neopentecostal. Nesse verdadeiro naufrágio em que nos encontramos o PCdoB construiu, para sobreviver, o único bote possível para fazer a travessia. Naturalmente que o PT vivendo outra circunstância não pode se furtar a desempenhar papel de polo opositor ao do golpismo, não sendo legítima sob qualquer hipótese uma atuação sua que se assemelhe àquela que no PCdoB tem legítimidade.
Por tudo isso é justo imaginar que Temer estivesse sendo cozido em fogo baixo desde a posse de Maia, através de um protagonismo oligárquico do DEM e outro de sobrevivência do PCdoB. A essa configuração se acrescentou, com o crescente entreguismo desse regime de exceção um componente nacionalista de cunho militar e outro de cunho econômico, conforme podemos depreender do Manifesto de Aldo Rebelo.
Ora, a missão da esquerda, de enfrentar e vencer o golpe, não pode preferir nenhuma arena. Todas as alternativas à mesa para a recuperação da democracia são válidas e cada força luta como pode, com as suas forças e fragilidades, num conflito onde devem também zelar por sua segurança e sobrevivência.
Há muita poeira no ar para entendermos realmente os movimentos que parecem fazer convergir o manifesto nacionalista de Aldo Rebelo e essa evolução interna no comando do golpe, se são sinérgicos ou se são apenas contemporâneos um do outro.
O que importa, nesse cenário em que, como na Copa, vale sim fazer gol com a mão, é entendermos até que ponto essas estratégias, filhas mais das necessidades do que das virtudes, poderiam nos reaproximar ou nos afastar do retorno à normalidade e, sem visão a priori, avaliar até que ponto esse manifesto nacionalista poderia exprimir uma chance real de enfraquecimento do entreguismo e de recuperação da indústria naval, de defesa, etc, convergindo para a democracia ou se apenas fortaleceria o golpe dando-lhe renovada legitimidade.
No polo com que me identifico mais, o da construção da superação do golpe de fora para dentro, a agenda continua viva, contra as Reformas, pela volta à democracia e pela soberania nacional. Essa agenda, cujo protagonista central é o PT é a que permite transcender o golpismo e retomar a construção da democracia participativa e da justiça social. Ela estabelece uma importante linha de resistência sem a qual regridiríamos ao trabalho escravo. Nessa resistência é crucial a mobilização das massas, a resiliência, o trabalho, o foco estratégico e a visão longa.
Entretanto, nunca esqueçamos que derrotamos a ditadura na arena ilegítima do Colégio Eleitoral. Polo alternativo e transcendental a tudo aquilo, o PT não participou da eleição de Tancredo Neves, mas o PCdoB participou. A análise retrospectiva demonstra que provavelmente os dois partidos fizeram a coisa certa.
A verdade é que se não tivéssemos derrotado a ditadura no Colégio Eleitoral estariam também ameaçados a Constituição de 88 e o ciclo trabalhista de Lula e Dilma. Por outro lado, se o PT tivesse participado talvez tivesse perdido a “juventude” que lhe permitiu encarnar a ideia do novo.
Não interessa fazermos juízos moralistas sobre a ação política de tal ou qual força política ou lideranças, principalmente se são estrategicamente aliadas e se a lealdade foi testada no fogo da ação.
Não sabemos ainda como cada força se posicionará nesse novo cenário. O que interessa, porém, é aproveitarmos todos os espaços disponíveis para devolver, o quanto antes, o Brasil à normalidade e à democracia.
E desejar sorte às fileiras que explorarão penhascos.
Fonte: http://jornalggn.com.br

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