Por Raphael Silva Fagundes |
Os eleitores de Bolsonaro sentem prazer com o que ele diz, exultam-se com palavras que emanam de um campo que atualmente vem despertando fúria e fascínio.
Se o poder fosse somente repressivo, se não fizesse outra coisa a não ser dizer não você acredita que seria obedecido?
Essa pergunta, feita por Michel Foucault, é imprescindível para que possamos compreender a ascensão do deputado federal Jair Bolsonaro. O poder, para o filósofo francês, “não pesa só como uma força que diz não, mas que de fato permeia, produz coisas, induz ao prazer, forma saber, produz discurso”.1 Os eleitores do pré-candidato à presidência, sentem prazer com o que ele diz, exultam-se com palavras que emanam de um campo (o político) que atualmente vem despertando fúria e fascínio.
Em uma entrevista, Bolsonaro mostra no que se diferencia de seu companheiro de direita, João Doria:
“Agora eu tenho uma coisa importantíssima ao meu lado: eu tenho o povo ao meu lado e tenho propostas que, se o Doria for assumir em nome do PSDB, ele será impedido. Como a questão do desarmamento, o tratamento a ser dado ao encarcerado, a questão de família e ideologia de gênero. Em algumas questões nós não estaremos alinhados, infelizmente, porque eu o considero um bom nome para o futuro do Brasil”.2
Ou seja, quatro pontos o diferencia do candidato ao governo estadual de São Paulo: a questão do desarmamento, o tratamento a ser dado ao encarcerado, a questão da família e a ideologia de gênero. No entanto, em um vídeo em que rebate o prefeito por chamá-lo de extrema direita, diz: “se ser de extrema direita for defender o livre mercado, eu sou de extrema direita”, dentre os outros pontos citados acima. Esta é justamente a questão que faz com que Bolsonaro tenha mais popularidade entre as classes populares que o seu estimado companheiro do PSDB.
O livre mercado é o ponto de confluência entre os dois, no entanto, este assunto só é de interesse para a burguesia. Os trabalhadores (os enriquecidos, que costumeiramente chamamos de classe média, e os pobres de uma maneira geral) não se veem tão atraídos por esse setor. Eles nunca terão posse sobre o mercado, e convencidos disto estão. Nunca irão usufruir dos lucros e dividendos. Mas Bolsonaro oferece ao cidadão comum algo supostamente tangível. Um poder que pode ser real, que pode produzir nesse indivíduo despossuído de fortuna, prazer, dando a ele um discurso plausível que supostamente entende (saber), além de, forçosamente fazer crer que foram as suas próprias proposições que o fizeram chegar a determinadas conclusões e não uma condução de premissas estipulada pelo orador.
Ele se sentirá poderoso por poder portar uma arma em um país com um alto índice de violência e criminalidade. Sentir-se-á realizado ao ver o encarcerado sofrer na cadeia, pois justiça é, para muitos, sinônimo de vingança como era no Antigo Regime.3 Esse cidadão de bem, que vive em uma segunda modernidade, onde a mulher se liberta cada vez mais das estruturas industriais alimentadas pela divisão de gênero4, passa a acreditar que a razão da “pós-modernização” da família (a qual é contra) é mais simples. Daí surgirá o prazer em ver sua identidade heterossexual como a dominante, assim como demanda os mandamentos da fé que o conduz em contradição aos seus atos. É difícil disputar com esse discurso populista em meio a uma população que não se vê como produtora de poder.
A retórica consiste em casar os interesses do falante com os do ouvinte. O objetivo do político é chegar ao poder, e o que Bolsonaro faz é saciar a fome de poder de uma sociedade que, por excesso de opção (igualmente de problemas), se encontra angustiada. É a crise existencial que Sartre explicita em A Náusea. É o retorno a um passado distorcido pelo presente, usado simplesmente para manter tudo no lugar. O trabalhador, inebriado pelo aroma sedutor da alienação, não está interessado nas relações do mercado, ou se está sendo usado para combater grupos políticos (Bolsonaro é um personagem extremamente útil para o governo golpista e para o mercado, pois usa os seus seguidores para “criminalizar” e estigmatizar toda a esquerda e transformar, por conseguinte, a luta por liberdade e justiça social uma falácia), ou se as privatizações são boas ou ruins para a sua relação familiar, ele quer algo que lhe dê poder, assim como os que o dominam.
O poder sobre o corpo do detento, sobre o corpo do homossexual, sobre o corpo da mulher e dos filhos. Tudo para um bem maior. O moralismo clássico. O saber produzido por esse poder é igual a todos os outros saberes. No entanto, parece ser mais popular, pois sua aparência, sua maneira de dar nome às coisas, fascina. Seu objetivo é somente fazer funcionar a sociedade burguesa através das mesmas tecnologias que reproduzem as relações de poder.
Há nisso tudo uma apropriação do gozo típico da cultura da punição, uma necessidade de punir aqueles que acreditamos possuir em extremo todo o mal que achamos não ter.5 É preciso que uns sofram para que eu goze. Algumas pessoas não devem ter direito ao gozo. Transferimos a razão de todo o mal para os sujeitos supostamente saqueadores e os colocamos fora do muro, como os zumbis do filme Guerra Mundial Z estrelado por Brad Pitt.
O mesmo pode se dizer sobre os partidos de esquerda, como o PSOL que pretende garantir poder às minorias? Talvez, embora, nesse caso, o poder está em relação ao próprio corpo e não ao corpo alheio. Mas a partir do momento em que a discussão não parte da questão da classe, do conflito entre operários e burgueses, e se prende apenas à liberdade de usufruir os produtos do capital, o PSOL acaba por prometer poder àqueles que (socialmente falando) não o tem. Por isso, as questões que a esquerda levanta devem estar atreladas a uma transformação da lógica do poder, e não da sua distribuição. Logo, as condições materiais de existência não devem ser excluídas do debate, pelo contrário, delas deve partir todo o clamor das massas que, embora não queiram somente pão, terra e trabalho, não poderão viver sem eles.
4 BECK, Ulrick. Sociedade de risco: rumo a uma outra modernidade. Trad: Sebastião Nascimento. São Paulo: Editora 34, 2011. p. 166.
5 AMARAL, Augusto Jobim do. A cultura da punição: estética da “mais-valia” penal. In: PINTO, Luciano Rocha. (org.). Histórias Revistas: sobre instituições, corpos e “almas”. Rio de Janeiro: Multifoco, 2013. p. 308.
Fonte: Revista Fórum
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