Uma das melhores
cabeças pensantes com que o petismo ainda conta, o jornalista, professor e
cientista político André Singer foi porta-voz da Presidência da República no
primeiro governo do Lula e agora está lançando o livro O lulismo em
crise: um quebra-cabeça do período Dilma (2011-2016).
Entrevistado pela Folha de S. Paulo,
deu algumas respostas interessantes, que vale a pena reproduzirmos e
discutirmos. (Celso Lungaretti)
"Em suas grandes
linhas, a política econômica de Dilma beneficiava a todos. Qualquer investidor
se beneficia de juros mais baixos, e isso sempre foi uma reivindicação básica
de todo o setor produtivo. Assim como a desvalorização do câmbio, em 2012, e a
redução do custo da energia depois. Essas políticas atendiam a reivindicações
do conjunto da indústria. Por isso é surpreendente que ela tenha sido depois a
ponta de lança do impeachment.
É um paradoxo. Minha hipótese é que isso tem a ver
com as mesmas características identificadas pelo ex-presidente Fernando
Henrique Cardoso na burguesia industrial em 1964, ainda que as conjunturas
sejam diferentes e muita coisa tenha mudado.
Essa burguesia depende do Estado para se alavancar
e alcançar os países desenvolvidos, mas ao mesmo tempo ela teme que o
fortalecimento do Estado leve as camadas populares a uma situação de tal
hegemonia que prejudique a dominação burguesa. Então, nessa hora ela se desloca
para deter esse processo."(André
Singer)
(TROCANDO EM MIÚDOS, Dilma quebrou a cara, entre
outros motivos, por ter exumado o nacional-desenvolvimentismo que a esquerda
deveria ter apagado definitivamente do seu cardápio de opções econômicas a partir
do golpe de 1964.
Caio Prado Jr., no livro que escreveu em
1966, A revolução
brasileira, já desconstruíra o que ele chamava de capitalismo
burocrático, com o PCB e seus aliados querendo a todo custo acreditarem que
existiria uma burguesia nacional progressista e anti-imperialista.
Tratava-se e até hoje se trata, isto sim, de uma
fração da burguesia que se apoia na apropriação privada dos recursos públicos e
se faz passar por aliada dos movimentos populares, no afã de cooptá-los para
seus objetivos.
Em 1968 a esquerda consciente e consequente já não
tinha as mais remotas ilusões a respeito dessa corja empresarial que implora a
proteção do Estado mas, na hora da onça beber água, se alinha sempre com a
reação.
Dilma quis reeditar o que deu errado em meados do
século passado e colheu o mesmíssimo resultado, sendo derrubada como João
Goulart o fora (só que sem sequer necessidade de o inimigo colocar tanques e
tropas nas ruas, de tão decepcionante que estava sendo seu governo). Nas duas
ocasiões tal burguesia industrial, como a chama Singer, engrossava
as fileiras opostas.)
* * *
"Parte da esquerda
entende que foi naquele momento [nos protestos de 2013] que o lulismo começou a
se despedaçar. Outros acham que ele representou a emergência de novas forças
sociais, de caráter progressista. Acho que as duas coisas aconteceram, ao mesmo
tempo.
Esse movimento também criou oportunidade para
setores de classe média que até então não tinham conseguido se mobilizar contra
o lulismo e de repente surgiram com força extraordinária. As manifestações
desses grupos foram decisivas para o impeachment mais tarde, em 2016."
(TROCANDO EM MIÚDOS, Singer reconhece que havia um
componente progressista nos protestos iniciados pelo Movimento Passe
Livre, mas omite que o governo do PT cruzou os braços enquanto governadores
autoritários desencadeavam uma bestial repressão sobre os manifestantes e os
profissionais de imprensa que estavam nas ruas a serviço.
A partir daí, claro, tal componente progressista,
fortemente intimidado, foi se dispersando e perdendo influência, enquanto a
direita a ganhava. O que mais se poderia esperar, depois de a Dilma se
solidarizar a um oficial da Polícia Militar paulista levemente ferido no meio
da pancadaria e não mostrar idêntico pesar por dezenas de estudantes e
jornalistas barbarizados pela PM?)
* * *
"Na campanha de 2014,
ela [Dilma] mostrou que havia uma ameaça de ajuste econômico ortodoxo que
colocaria a perder os avanços e era necessário impedir isso. Foi assim que se
reelegeu, embora com uma vantagem pequena.
Uma vez reeleita, ela se encontrou diante de uma
situação econômica bastante difícil. Dilma teria que encontrar uma saída que
mantivesse a mobilização construída na campanha, mas optou pelo pior caminho ao
adotar a política econômica oposta sem dar satisfação para o eleitorado."
(TROCANDO EM MIÚDOS, foi um dos piores estelionatos
eleitorais da História brasileira. Quem votou em Dilma para evitar a imposição
da ortodoxia neoliberal e a viu empossar como mandachuva da economia o
neoliberal com carteirinha assinada Joaquim Levy, deve ter-se sentido um
perfeito otário. Daí a indiferença generalizada com que foi recebido seu
impeachment.)
* * *
"Esta [a falta de uma
autocrítica sobre seu envolvimento com a corrupção] é uma crítica que faço a
todo o sistema partidário e especificamente aos três principais partidos, PT,
PSDB e MDB. Nenhum deles respondeu a contento ao que foi levantado pela
Operação Lava Jato.
Ela tem um lado faccioso, mas é também republicana,
e revelou ações que precisam ser esclarecidas. É muito importante para a
sociedade brasileira que esses partidos sobrevivam, mas eles precisam dar uma
resposta positiva, explicar o que aconteceu e o que deve ser feito para que
essas coisas não voltem a ocorrer.
O PT e o PSDB fizeram alguns movimentos no sentido
de reconhecer que houve problemas. Mas nenhum deles deu explicações
suficientes."
(TROCANDO EM MIÚDOS, ele coloca no mesmo saco o PT,
a centro-direita e o partido da fisiologia. Mas, PSDB e MDB não se arvoram em
representantes dos explorados. O PT, teoricamente, sim, embora se proponha
apenas a mitigar seu sofrimento por meio de políticas reformistas ao invés de
dar-lhe fim com uma revolução.
A credibilidade é imensamente mais importante para
a esquerda (com a qual o PT se identifica, pelo menos aos olhos dos cidadãos
comuns) do que para os partidos do sistema. A autocrítica era, portanto,
fundamental para o PT dar a volta por cima. Não a fez e se direciona a passos
largos para a irrelevância.
...assim como
encontraram ouvidos moucos outros que tentaram abrir a discussão.
...assim como encontraram ouvidos moucos outros que tentaram abrir a discussão.
Então, a condescendência com o desvirtuamento do PT
e a relativização dos erros terríveis que o partido cometeu no período Dilma,
constatáveis na entrevista de Singer e que devem ter dado a tônica do seu
livro, são nocivas neste instante.
O PT desceu fundo demais em sua queda e já deixou
ir embora o momento de iniciar a volta para a superfície; pelo contrário,
insiste em continuar errando, ao colocar a eleição presidencial no centro de
suas preocupações, ao invés de priorizar a organização das massas para
enfrentarem o ascenso da direita nas praças, ruas e locais de trabalho.
A esquerda brasileira tem de decidir se acompanha o
PT em sua marcha para a irrelevância ou vai reconstruir-se com perspectivas bem
diferentes, voltando a empunhar as bandeiras combativas de outrora, que estão
fazendo imensa falta agora.)
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