quinta-feira, 3 de janeiro de 2019

ECONOMIA - COAF no MF está no lugar certo, por Wilson Luiz Müller

COAF no MF está no lugar certo
por Wilson Luiz Müller 
 
O Conselho de Controle de Atividades Financeiras - COAF - foi criado pela Lei 9.613/98.
O artigo 17-B dispõe que a autoridade policial e o Ministério Público terão acesso exclusivamente aos dados cadastrais do investigado, tendo acesso aos dados protegidos pelo sigilo somente com autorização judicial.  O acesso restritivo aos dados para autoridades policiais e Ministério Público é confirmado em jurisprudência do STJ: “o conhecimento integral dos dados que subsidiaram a produção do relatório (COAF) depende da autorização judicial”.
Com a transferência do COAF para o Ministério da Justiça - MJ, abrem-se brechas para que as informações do COAF sejam submetidas a filtros políticos  para fins de escolha dos alvos a serem investigados ou fiscalizados. No formato atual, a análise dos dados do COAF está em estrita conformidade com a legislação que trata da guarda dos sigilos bancário e fiscal. 
 
Estando sob o guarda-chuva do Ministério da Fazenda - MF, o COAF compartilha os relatórios com a Receita Federal, sem necessidade de autorização judicial. Por tratar-se de informações protegidas pelo sigilo bancário e fiscal, os Auditores Fiscais são as autoridades competentes para o acesso aos dados e a sua análise,  conforme definido no Código Tributário Nacional - CTN e em leis específicas. A análise é feita por especialistas em seleção. 
 
A segurança das informações protegidas pelo sigilo bancário e fiscal representa a credibilidade do sistema. Não há histórico de  vazamento de dados sigilosos sob a guarda da Receita Federal no atual modelo. Fossem comuns os vazamentos ou notícias indicando manipulação ou uso indevido das informações sigilosas, o sistema entraria em colapso. Não tendo confiança no sistema, as pessoas deixariam de prestar informações confiáveis.
 
Órgãos que detém o poder de polícia, de controle e de fiscalização devem estar submetidos estritamente ao império da lei, com garantia do princípio da impessoalidade.
 
Nas grandes democracias do mundo ocidental, a atividade de seleção de pessoas e empresas a serem investigadas está separada das atividades operacionais de investigação. Tal separação ocorre justamente para evitar que o Estado se transforme num grande aparelho policial.
 
Nos Estados onde as atividades de seleção se misturam  com as de investigação, todos os cidadãos e empresas passam a ser alvos em potencial. Um jornalista, advogado,  empresário, político, pode virar alvo preferencial pelo simples fato de exercer a crítica das escolhas e métodos utilizados pelos investigadores. 
 
O modelo atual, com o COAF no MF, não foi obstáculo para o grande avanço ocorrido nos últimos anos no combate a fraudes, corrupção e lavagem de dinheiro. O modelo está estruturado de uma forma lógica para que as medidas de cunho administrativo sejam efetivadas antes de acionar o aparato repressivo/punitivo. Não tem lógica começar a tratar todas as irregularidades ou fraudes como se fossem caso de polícia.
 
 Em entrevista à FSP, o presidente do COAF, para justificar a transferência do órgão para o MJ, disse que “apesar de o DNA do órgão estar ligado à área econômica, o destinatário final é a parte penal”. Ou seja, pretende-se inverter a lógica do atual sistema, com prevalência da parte penal em detrimento da administração tributária, que  é outro destinatário importante das atividades do COAF.
 
Sob o manto do discurso da prioridade absoluta do combate à corrupção há um mal disfarçado desprezo pelas outras responsabilidades estatais. O Estado precisa arrecadar para cumprir com seus deveres constitucionais. Fiscalizar, arrecadar e combater a sonegação fiscal é tão importante quanto prender corruptos.
 
Um modelo que privilegia as ações de persecução penal, desprestigiando as ações dos órgãos responsáveis pela fiscalização e arrecadação, é um modelo que se volta contra os interesses coletivos da sociedade, na medida em que não supre o Estado dos recursos necessários para resolver os problemas concretos da população e não garante os seus direitos.
 
A localização do COAF no âmbito do MF, pela Lei 9.613/98, não foi uma escolha aleatória do legislador. Em quase todas as grandes democracias, órgãos como o COAF  estão localizados na Fazenda ou Economia. O COAF dialoga com órgãos semelhantes de outros países. Isso ocorre por meio do Ministério da Fazenda, porque se trata de operações financeiras,  não tendo nenhuma relação com o MJ. Está baseado numa premissa elementar: TODO o dinheiro da lavagem e corrupção, ou tem  origem na atividade econômica, ou circula por ela, ou termina nela. 
 
Os padrões de atipicidade de transações financeiras só podem ser encontrados se as operações forem avaliadas dentro da teia de relações econômicas. O MF é a pasta que monitora a economia, contém as bases de dados, os sistemas, a tecnologia de informação profissionalizada, as ferramentas de cruzamento de dados e de pesquisa avançadas. E tem também os servidores legalmente competentes para as análises e tratamento dos dados. 
 
O COAF dentro do MJ ficará cego   em relação a tudo isso, sem enxergar os efeitos econômicos globais causados pelas fraudes e esquemas de corrupção. Além disso, dependerá obrigatoriamente do trabalho dos servidores de outros Ministérios, pois  será ilegal a transferência, para outros, das prerrogativas legais hoje exclusivas dos Auditores Fiscais da Receita Federal. 
 
A transferência do COAF para o MJ não apresenta vantagens nem ganhos. Pelo contrário, criam-se problemas novos de difícil solução. O mais grave é a fragilização da segurança da guarda e tratamento das informações sigilosas, o aumento potencial de vazamentos e a escolha não técnica de alvos a serem investigados.
 
 Wilson Luiz Müller - Auditor Fiscal da Receita Federal aposentado.

Fonte: jornalggn.com.br

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