O
fascismo como forma de governo nasce nas primeiras décadas do século 20. E o
seu contexto geográfico é a Europa. Os motivos para o seu nascimento, portanto,
devem ser buscados nesse tempo/espaço. Num primeiro momento, o fascismo é fruto
da crise das correlações de forças políticas entre as potências imperialistas.
A tentativa tardia de países como a Alemanha e a Itália de invadir e dominar
outras nações na África e na Ásia levou a um profundo conflito de interesses
entre as nações imperialistas da Europa. A Primeira Guerra Mundial é o
resultado mais dramático desse conflito. E o fascismo, o desdobramento
político-social desse drama.
No
caso italiano, considerado a formação clássica do fascismo, defendeu-se o
nacionalismo e o retorno imaginário ao Império Romano; o combate às concepções
que indicavam a existência da luta de classes; o enfrentamento aos diversos
setores organizados, ligados ao movimento operário; a estandardização da sociedade
e o culto à liderança autoritária.
Como
movimento político-social, o fascismo, antes mesmo de assumir o poder do
Estado, já difundia pela sociedade seus ideais. Antes de assumir o controle do
aparelho estatal, conseguiu atrair para sua órbita multidões de descontentes.
Assim, o partido fascista, em pouco tempo, tornou-se o mais forte da Itália.
Com
a entrada e a derrota na Segunda Guerra Mundial, o fascismo italiano é
desmontado, mas não totalmente eliminado como possibilidade histórica, sempre
viva, de saída para as crises orgânicas do capitalismo.
Na
sociedade brasileira contemporânea, há um entendimento, não consensual, mas
bastante sólido de que em vários episódios sociais e políticos recentes é
possível identificar claras manifestações fascistas.
As
posições críticas, em geral, pecam ao desconsiderarem as suas particularidades
assumidas quando sai da Itália. Acreditam que a única forma de identificar a
existência de forças fascistas é a partir dos elementos característicos das
primeiras décadas do século 20. Obviamente que, se os parâmetros forem somente
estes, o fascismo dificilmente poderá ser encontrado na realidade
contemporânea, principalmente em países como o Brasil. O que deve ser
entendido, porém, é o fato de que o movimento e regime fascistas, assim como
qualquer outra experiência político-social, ao se expandirem pelos diversos
países, passam, necessariamente, por processos de adaptações históricas.
Assim
se deu com as experiências socialistas, com o liberalismo e com as formas de
democracia. Todas essas experiências que nascem em determinadas formações
nacionais, ao se internacionalizarem passam por transformações importantes, de
acordo com cada realidade particular.
Desse
modo, quando se defende a existência de movimentos fascistas no Brasil,
fundamentalmente nos últimos anos, não se está querendo encaixar a realidade
italiana do início do século 20, na atual sociedade brasileira. Busca-se, ao
contrário, identificar o seu caráter específico encontrado no contexto
brasileiro.
Talvez,
o grande elemento característico do fascismo no Brasil seja o fato de ele se
assentar numa história de 300 anos de escravidão do povo negro, retirado à
força da África, e das populações indígenas originárias.
No
Brasil, a escravidão de grande parte da população gerou um solo nacional
específico para as manifestações fascistas. E aqui é importante ressaltar que
elas são formas específicas de autoritarismo e de ditadura, ou seja, não é
sinônimo de qualquer governo, ou movimento, repressor. Afinal, nem todo regime
fundado predominantemente na violência necessita do apoio da massa social para
se consolidar. É perfeitamente possível construir um aparelho estatal baseado
apenas na coerção, sem ter o consenso das amplas multidões.
A
história brasileira do século 20 apresenta justamente esse aspecto, isto é, a
forte presença de ditaduras no âmbito do Estado, mas sem um amplo movimento
social de massas apoiando. O que ocorreu foi a dominação por meio do aparato
repressivo, gerando o medo e o controle das poucas instituições ligadas a
grupos e classes sociais potencialmente antagônicos.
Para
haver fascismo é preciso existir uma sociedade civil fascista. Esse é um dado
universal deste movimento. E, mais ainda, é preciso que a sociedade civil
apresente um alcance nacional. Tais elementos somente aparecem no Brasil nas
últimas décadas, quando se verificou o maior período de liberdades políticas,
de organização social e de opinião.
É
nesse período que a sociedade civil brasileira consegue se tornar complexa, com
inúmeras formas de organização política, social e cultural, nos âmbitos
institucionais ou não. E é também somente após a redemocratização dos anos 1980
que a sociedade civil se nacionaliza. É, por exemplo, somente neste período que
surgem os primeiros partidos políticos de alcance nacional, não restritos às
capitais da faixa litorânea.
Do
mesmo modo, é nesse momento que surge uma opinião pública nacional, em grande
medida, impulsionada pela expansão dos meios de comunicação – mesmo sendo
controlados por pequeno número de famílias, representantes das classes
dominantes.
Portanto,
falar em fascismo no Brasil é se referir a um momento histórico muitíssimo
recente e que não pode ser entendido fora da tradição de séculos de escravidão.
O peso da escravidão e do autoritarismo estatal asseguram as condições
favoráveis para a disseminação de movimentos fascistas no Brasil. Entretanto,
ambos possuem as suas particularidades.
Aquilo
que ocorreu na Itália, somente hoje surge como possibilidade real no Brasil.
Somente após quase 100 anos da experiência italiana é que o Brasil criou as
condições concretas para sua efetivação, por meio da constituição de laços
políticos, culturais e econômicos, envolvendo praticamente todo o país. Por sua
pobreza secular, aliada à sua gelatinosa sociedade civil e ao seu tamanho
continental, existir uma concepção do mundo de dimensões nacionais não ocorre
nem rápida, nem facilmente.
A
Constituição de 1988, apesar de seus limites, deu a possibilidade de um
rompimento fundamental não à sociedade burguesa, mas à nossa herança
histórico-nacional escravista. Direitos fundamentais e universais, contemplando
uma massa de indivíduos nunca antes inserida no principal documento organizador
do Estado brasileiro, interrompeu, ainda que momentaneamente, a continuidade
das forças políticas reacionárias escravistas.
Diferentemente
das ditaduras já ocorridas no Brasil, fundadas predominantemente na ação das
forças armadas, o fascismo é demasiado capilar. Assim, a sua organização social
e política cria dificuldades maiores para os setores de oposição.
As
consequências da luta político-social, no atual cenário histórico brasileiro,
não estão definidas. A luta de classes hoje no país, politicamente traduzida
entre uma frágil democracia contra um fascismo em formação, abre possibilidades
e caminhos diversos para um futuro não muito distante.
Cláudio
Reis, É professor de teoria política
da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD)
Do Brasil Debate
No Blog do Miro
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