Em interessante reportagem publicada no Valor Econômico desta segunda feira, 25, a jornalista Andréa Jubé, aborda a possibilidade de que o PT reedite a estratégia do líder argentino Juan Domingo Perón para voltar ao poder em 1973, 18 anos após o golpe que o derrubou da presidência de seu país.
Impedido de concorrer à eleição que marcou o fim da ditadura encabeçada pelo general Alejandro Lanusse, por um casuísmo que vetava candidaturas de pessoas que não tivessem domicílio no país até 1972, o velho caudilho deu um golpe de mestre: escolheu para encabeçar a chapa de seu Partido Justicialista, um antigo companheiro de luta, o dentista Héctor Campora, que chegara a presidir a Câmara dos Deputados da Argentina, antes de Perón ser apeado do governo por um golpe militar e partir para o exílio.
Amparada no slogan “Campora no governo, Perón no Poder”, a vitória do candidato peronista, um precursor dos “postes” de atualmente, foi consagradora, obtendo 49,5% dos votos válidos, derrotando o veterano Ricardo Balbin, da conservadora União Cívica Radical, que desistiu de concorrer ao segundo turno da eleição.
No entanto, Campora durou pouco na presidência: apenas 49 dias, mas o suficiente para indultar os presos políticos da ditadura e o próprio Perón, que recuperou seus direitos políticos, retornou definitivamente do exílio e exigiu a renúncia do companheiro, acusado de uma proximidade excessiva com a esquerda o movimento peronista, em particular com o grupo guerrilheiro Montoneros.
Ao mesmo tempo, Campora conseguira celebrar um Pacto Social, com a participação das entidades sindicais e patronais, pelo qual os trabalhadores se absteriam de reivindicar aumentos salariais por dois anos, em troca do congelamento de preços pelo mesmo.
Convocada nova eleição pelo vice-presidente de Campora, Vicente Solano Lima, a chapa encabeçada por Perón, que tinha sua terceira mulher, Isabelita, como vice, recebeu 62% das preferências dos eleitores. Já com a saúde deteriorada, Perón, então com 78 anos de idade, permaneceu menos de um ano no comando da Casa Rosada, o palácio presidencial argentino, falecendo no cargo, no dia primeiro de julho de 1974.
Isabelita, que estava longe de ter o carisma de Evita, a segunda mulher de Perón, assumiu a presidência, onde permaneceu até 1976, deposta por um novo golpe militar, o mais sanguinário já implantado na terra do Papa Francisco. O retorno do peronismo ao poder, portanto, durou pouco mais de três anos.
Em termos meramente eleitorais, a experiência peronista na década de 1970 não deixa de ser algo que poderá ser replicada pelo PT, caso a candidatura de Lula seja invalidada pela Justiça Eleitoral, combinada com as maquinações da Lava Jato.
“No Brasil, com Lula detido, o partido quer tentar reproduzir a façanha com um nome ungido por ele, proclamando “eu sou o Lula” nos comícios país afora”, escreveu Andréa Jubé. “Parafraseando a campanha argentina, o grupo formula slogans como “PT no governo, Lula no poder”, considerando os 30% dos brasileiros que declaram intenção de voto no ex-mandatário, segundo o último Datafolha.”
Trata-se, sem dúvida, uma estratégia exequível. Afinal de contas, como demonstra não apenas o Datafolha, mas a maioria das pesquisas eleitorais, a parcela de eleitores que se declara inclinada a votar num candidato indicado pelo ex-presidente é significativa e tem condições de guindá-lo ao segundo turno no próximo pleito.
Para sustentar essa possibilidade, não faltam antecedentes, como o da vitória, em 2010, de Dilma Rousseff, Chefe da Casa Civil de Lula,até então desconhecida pela imensa maioria do eleitorado brasileiro. Sem nunca ter participado de uma eleição em qualquer nível, Dilma foi rotulada como sendo um “poste”, por muita gente boa, mesmo apelido dispensado a Fernando Haddad, na eleição para a prefeitura de São Paulo, em 2012.
Daí, a correção da decisão de sustentar até os 45 minutos do segundo tempo a candidatura de Lula, mantendo o nome e a lembrança do legado do ex-presidente em evidência, mesmo diante da probabilidade quase absoluta de sua inelegibilidade. Caso isso se confirme, é evidente que haverá uma série de obstáculos a superar, a começar pelo próprio encarceramento de Lula, o que limita extraordinariamente a possibilidade de comunicar-se com os eleitores e recomendar seu indicado.
Mas que um slogan como o “O candidato de Lula”, martelado no programa eleitoral na televisão, no rádio e pelas redes sociais ou no material de propaganda de rua, mesmo que seja por apenas um mês, tem um alto poder de persuasão, isso tem.
Não se trata apenas de vontade ou manifestação de fé religiosa, também conhecida como wishful thinking pelos nossos irmãos do Norte. Basta verificar a pesquisa do cientista político Alberto Carlos Almeida, recentemente divulgada pelo Instituto Análise. Ela revela que, a despeito de diuturna campanha difamatória da mídia contra o ex-presidente, no estilo “delenda Cartago”, nada menos de 65% dos brasileiros avaliam que seu governo, entre 2003 e 2010, foi bom e ótimo.
Trata-se de um percentual, aliás, equivalente ao registrado em 2004. “A melhoria de vida durante o governo Lula permanece na memória”, afirma Almeida, independentemente das dificuldades, como a prisão e condenação.
Na comparação, embora haja muita semelhança nos dois casos, em particular a liderança e a popularidade dos líderes, há que se ressaltar a existência de enormes diferenças não apenas políticas, mas de trajetória e comportamento entre Lula e Perón.
A mais notável delas é que, ao contrário do argentino, uma espécie de caudilho do século 20, Lula, por maior que seja sua autoridade no interior do PT, tem profundamente enraizada uma postura democrática e republicana.
Seria impensável, por exemplo, que caso estivesse viva, ele indicaria sua mulher, Marisa Letícia, ou parente direto, para ocupar a vice-presidência de sua chapa.
Peron e Isabelita, unidos no casamento e na chapa vencedora: estilo muito diferente do de Lula |
Outra diferença fundamental, é a composição do movimento que cada um deles criou. O justicialismo de Perón era o guarda-chuva sob o qual se abrigavam classes e grupos de interesse totalmente antagônicos e conflitantes na sociedade argentina.
De grandes empresários a sindicalistas, passando por democratas, esquerdistas, guerrilheiros dos Montoneros e extremistas de direita, como os componentes da tristemente famosa Triple A ( Alianza Anticomunista Argentina), grupo de extermínio e terror comandado por José López Rega, braço direito e guru de Isabelita Perón, todos se declaravam “soldados de Perón.”
Essa mistura tóxica é bem diferente da composição social da militância e do eleitorado do PT, basicamente formada por assalariados, pequenos proprietário, camponeses e integrantes dos movimentos sociais.
Igualmente, ao contrário de Perón, Lula não tratará o nome indicado num possível impedimento legal de concorrer à presidência, como um marionete, alguém que está meramente esquentando e guardando o lugar para ele. Isso foi sobejamente comprovado no passado, em pelo menos duas ocasiões.
Uma delas, foi a resistência de Lula a patrocinar uma mudança na Constituição que lhe permitisse concorrer a um terceiro mandato em 2010 – ao contrário do que seu antecessor, Fernando Henrique Cardoso, ao comprar no Congresso a possibilidade de reeleição. Apesar de estar no auge de sua popularidade e de contar com uma ampla maioria parlamentar para aprovar uma emenda à Constituição que consagrasse uma nova eleição, Lula refugou a ideia.
A segunda foi a de concorrer no lugar de Dilma, em 2014. Caso quisesse, dono de uma ampla maioria no PT, o Jararaca teria substituído com toda a tranquilidade a ex-presidente, notoriamente pouco influente na estrutura partidária.
Qualquer que seja o nome do PT para a eleição presidencial, o próprio Lula ou “o candidato de Lula”, uma coisa é certa: o cenário que encontrará, caso saia vencedor, será bem mais deteriorado e adverso do que o vigente em 2003. Seja pela gravidade da crise econômica, seja pela radicalização e divisão política gerados pelo golpe de 2016, com o ressurgimento do extremismo de ultra direita, em seus diversos matizes, capitaneados por Bolsonaro e grupelhos como o MBL e o Vem Pra Rua.
Em todo o caso, aparentemente estamos bem distantes da Argentina dos anos 1970, em que a volta do peronismo ao poder foi apenas um penoso e turbulento hiato entre duas ditaduras, uma pior do que a outra.
Fonte: Diário do Centro do Mundo - DCM
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