Foto: SBT |
Esse movimento que busca lucrar politicamente
usando e molestando uma gente desiludida com os rumos da modernidade inventa
problemas que não são capazes de atender as necessidades reais. Assim, se fazem
de vítimas da modernidade, ou do que chamam de “politicamente correto”
Recuso-me a chamar de extrema-direita um movimento que tem, em sua
maioria, adolescentes rebeldes, influenciados por um programa de comédia chulo
da TV aberta, que cansaram de ouvir os pais reclamarem. Recuso-me a chamar de
extrema-direita, um movimento encabeçado por comediantes incompetentes,
ex-atores de filmes pornôs e um velho de boca suja. Prefiro chamar de “direita
vulgar”, vem muito mais a calhar.
A extrema-direita tem um ingrediente que jamais será encontrado nessa
direita vulgar: o nacionalismo. Vemos as manifestações dos europeus indignados
com a enxurrada de imigrantes despertarem esse sentimento perigoso, já aqui,
essa direita defende o entreguismo e a economia de mercado.
Esse movimento que busca lucrar politicamente usando e molestando uma
gente desiludida com os rumos da modernidade (único aspecto em comum com a
extrema-direita tradicional), inventa problemas que não são capazes de atender
as necessidades reais pelos quais esses pobres coitados passam. Assim, se fazem
de vítimas da modernidade, ou do que chamam de “politicamente correto”.
Enriquecem vendendo “guias do politicamente incorreto”. A “desgraça desse país”
como diz o deputado federal Jair Bolsonaro, “é o politicamente correto”, uma
doutrinação, segundo ele, que ensinou o povo a não se responsabilizar pelos
seus atos.
Na verdade esse é de fato o discurso da direita vulgar. Ela diz para
todo mundo ouvir: “Agora não se pode falar mais nada!”; “O policial é vítima da
criminalidade”; “O branco é vítima de um sistema de cotas raciais”; “Essa
heterofobia!”; “A criança é levada hoje em dia porque não se pode mais bater”;
“O Brasil tá assim por causa do político ladrão”; “O mundo é uma merda por
causa da esquerda”; “a mulher não quer mais cuidar da casa” etc.. Enfim, o
maior vitimismo é o proferido pela direita vulgar. Ela nunca se responsabiliza.
Parece que são seres fora da sociedade, indivíduos que não possuem parcela
nenhuma de culpa das condições sociais claudicantes. Para eles “o inferno são
os outros”.
É a estratégia retórica da dissimulação. Eu acuso o outro de fazer o que
na verdade sou eu o praticante de tal gesto. É a traição mais clássica, uma
cena arrancada de um filme qualquer, onde um amigo trai o outro acusando-o de
roubar um pedaço de biscoito depois de ele mesmo ter mastigado e engolido.
É esquizofrênico porque não existe nada
disso. Nunca fomos tão livres expressivamente falando. O fato de não haver mais
tolerância para o discurso nazista, de ódio, contrário à liberdade de
expressão, não é o problema, pelo contrário.
O que essa direita faz é uma autofagia, uma forma de
incompatibilidade discursiva. Nós aqui usamos a retorsão para compreender a
retorsão usada por esses ideólogos. Segundo Chaim Perelman e Lucie
Olbrechts-Tyteca, essa estratégia argumentativa, que na Idade Média era chamada
de redarguitio elenchica, “é um argumento que tende a mostrar que o
ato empregado para atacar uma regra é incompatível com o princípio que sustenta
esse ataque”. A direita vulgar usa o mesmo princípio que critica para sustentar
as suas denúncias e fomentar o seu discurso de ódio. Ou seja, sua crítica é
incompatível. Na verdade, “pressupõe-se um princípio que se rejeita, mas a
estrutura do argumento é a mesma”.1
Ao criticar que o politicamente correto pretendia criar uma ideologia
vitimista, a própria direita se põe vítima da “ditadura do politicamente
correto”. O pastor Malafaia, em um encontro com Alckmin e Doria, disse sobre a
suposta “ideologia de gênero”: “Como a maioria num Estado de direito, vamos nos
fazer prevalecer e isso é inegociável […] Quem quiser fazer graça com o
politicamente correto vai embora, segue aí o seu caminho”.2
Lógico que são conflitos superficiaisque, no fundo, tanto o
politicamente correto quanto o politicamente incorreto são formas moralistas e
ideológicas que tem o objetivo de nos cegar, de nos iludir, para que assim
desprezemos as condições reais de existência. São explicações fantasmagóricas
para questões materiais, sensíveis. No fim, os dois pólos dessa discussão
infrutífera gera imensos lucros para a imprensa e para a indústria cultural,
além de criar um inimigo vulgar para as esquerdas, abrindo espaço político para
a verdadeira direita (PSDB, DEM, MDB etc.)
É exatamente como dizem Deleuze e Guatarri: “o que queremos dizer é que
o capitalismo, no seu processo de produção, produz uma formidável carga
esquizofrênica sobre a qual faz incidir todo o peso da sua repressão, mas não
deixa de se reproduzir no limite do processo”.3 O
capitalismo vai produzindo esquizofrênicos que permitem a reprodução do
sistema, pois vivem a pensar nas alucinações que ele produz, nunca nas suas
bases vitais.
1 PERELMAN, Chaïm e OLBRECHTS-TYTECA,
Lucie, Tratado de Argumentação: a nova retórica. Trad: Maria
Ermantina de Almeida Prado Galvão, São Paulo: Martins Fontes, 2005. p. 232.
2http://www1.folha.uol.com.br/poder/2017/08/1910658-quem-seguir-politicamente-correto-vai-dancar-diz-malafaia-a-alckmin-e-doria.shtml
3 DELEUZE, Gilles e GUATTARI,
Fêlix. O anti-édipo: capitalismo e esquizofrenia. Lisboa: Assírio e
Alvim, 1972. p. 38.
Fonte: Revista Fórum
Nenhum comentário:
Postar um comentário