Foto: José Cruz/Agência Brasil - Para juristas, relação de Gilmar Mendes com senadores tucanos configura "atividade político-partidária" |
Telefonema com Aécio justifica impeachment, dizem juristas. Também haverá denúncia à PGR por crime comum e ao STF por violar Lei da Magistratura.
Gilmar Mendes adora um holofote e por isso é há tempos uma figura conhecida dos brasileiros. Sua fama atingiu o clímax com o voto que salvou da guilhotina no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) o presidente Michel Temer, com quem se reúne em jatinhos da FAB e no escurinho do Palácio do Jaburu. Nos próximos dias, o juiz continuará na berlinda. Agora, é a cabeça dele que estará em jogo.
Um grupo de juristas levará ao Senado um pedido de impeachment de Mendes, mais um, aliás, na quarta-feira 14. O embaraço do togado mais poderoso de Brasília terá outros dois ingredientes: uma notícia crime a ser apresentada à Procuradoria Geral da República (PGR) e uma representação disciplinar no Supremo Tribunal Federal (STF), onde Mendes também dá expediente.
Em conjunto, os três casos podem encerrar a carreira de Mendes no Judiciário - ainda que na forma de aposentadoria compulsória, ou seja, ele para de trabalhar, mas ainda recebe salário - e impedi-lo de exercer qualquer outra função pública.
Assinam a papelada Claudio Fonteles, ex-procurador-geral da República, Marcelo Neves, ex-membro do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), e Hugo Cavalcanti Melo Filho, ex-presidente da Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho (Anamatra), entre outros. Fonteles e Neves já tinham proposto o impeachment de Mendes em setembro de 2016, mas o Senado engavetou.
O ponto de partida das ações contra Mendes é uma conversa telefônica tida por ele com o presidente licenciado do PSDB, Aécio Neves, em 26 de abril. O tucano foi afastado do mandato de senador e denunciado pela PGR ao Supremo pelos crimes de corrupção e obstrução à Justiça. Para cometer esse último crime, Aécio teria acionado o juiz.
No telefonema, grampeado pela Polícia Federal (PF) pois o tucano estava sob investigação, Aécio pede a Mendes que fale com um senador do PSDB, Flexa Ribeiro, do Pará, para tratar de certa votação. Pelo contexto e pela data, é possível concluir que se tratava da votação da Lei de Abuso de Autoridade, projeto visto pela PGR como uma tentativa de constranger investigações de corrupção.
Resposta de Mendes a Aécio: "Tá bom, tá bom. Eu vou falar com ele. Eu falei… Eu falei com o Anastasia e falei com o Tasso… Tasso não é da comissão, mas o Anastasia… O Anastasia disse: 'Ah, tô tentando'..." Anastasia é Antonio Anastasia, senador pelo PSDB de Minas. Tasso é Tasso Jereissati, senador pelo PSDB do Ceará.
No pedido de impeachment e na notícia crime, os juristas alegam que Mendes exerceu atividade político-partidária, como demonstrariam o contato e a intimidade com o quarteto de senadores tucanos: Aécio, Anastasia, Tasso e Flexa. Segundo a Lei do Impeachment, a 1.079, de 1950, um magistrado comete crime de responsabilidade se "exercer atividade político-partidária".
A mesma lei diz que também é crime um juiz "proceder de modo incompatível com a honra, dignidade e decoro do cargo". Aécio Neves é investigado em vários inquéritos no STF, dois deles conduzidos por Gilmar Mendes. Para os juristas que vão denunciar o juiz, Mendes violentou o decoro do cargo ao falar por telefone, por razões particulares, com um investigado.
Na notícia crime a ser levada ao procurador-geral da República, Rodrigo Janot, haverá provavelmente uma pergunta para ser examinada pelo "xerife". Será que Mendes não teria cometido também um comum previsto no artigo 321 do Código Penal, o de advocacia administrativa? Segundo este artigo, patrocinar, direta ou indiretamente, interesse privado perante a administração pública, valendo-se da qualidade de funcionário, é crime. Dá de um a três meses de cadeia. A depender do entendimento de Janot, pode nascer daí uma denúncia por crime comum contra Mendes.
Por fim, na reclamação disciplinar a ser apresentada no STF, Mendes será acusado de violar a Lei Orgânica da Magistratura (Loman, de 1979) e o Código de Ética da Magistratura (de 2008). Segundo o artigo 26 da Loman, um magistrado perde o cargo no caso de "exercício de atividade partidária". Diz a mesma Lei, no artigo 35, que um juiz está obrigado a "manter conduta irrepreensível na vida pública e privada".
Já o Código de Ética da Magistratura veda participação de juiz em atividade político-partidária, diz que ele deve agir com transparência (o telefonema com Aécio seria opaco), ter integridade fora da vida judiciária e comportar-se na vida privada de modo digno.
Fonte: Carta Capital
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