quinta-feira, 20 de janeiro de 2022

186 jornalistas da Folha escrevem carta aberta criticando a direção do jornal por publicações de conteúdo racista

186 profissionais da Folha escreveram uma carta aberta com crítica à política editorial do jornal que publica artigos de opinião relativizando o racismo e até defendendo um suposto "racismo reverso".

Num trecho da carta, eles criticam o argumento da Folha de que sua linha editorial defende publicar pontos de vista diversos sobre um mesmo tema:
A Folha não costuma publicar conteúdos que relativizam o Holocausto, nem dá voz a apologistas da ditadura, terraplanistas e representantes do movimento antivacina.
Por que, então, a prática seria outra quando o tema é o racismo no Brasil?
Eis a íntegra da carta:
Caros membros da Secretaria de Redação e do Conselho Editorial da Folha,

Nós, jornalistas da Folha aqui subscritos, vimos por meio desta carta expressar nossa preocupação com a publicação recorrente de conteúdos racistas nas páginas do jornal.

Sabemos ser incomum que jornalistas se manifestem sobre decisões editoriais da chefia, mas, se o fazemos neste momento, é por entender que o tema tenha repercussões importantes para funcionários e leitores do jornal e no intuito de contribuir para uma Folha mais plural.

O episódio a motivar esta carta foi a publicação de artigo de opinião intitulado “Racismo de negros contra brancos ganha força com identitarismo” (Ilustrada Ilustríssima, 16/1), em que Antonio Risério identifica supostos excessos das lutas identitárias, que estariam levando a racismo reverso.

Para além de reafirmarmos a obviedade de que racismo reverso não existe, não pretendemos aqui rebater o que afirma o autor —pessoas mais qualificadas do que nós no tema já o fizeram, dentro e fora do jornal.

No entanto, manifestamos nosso descontentamento com o padrão que vem se repetindo nos últimos meses.

Em mais de uma ocasião recente, a Folha publicou artigos de opinião ou colunas que, amparados em falácias e distorções, negam ou relativizam o caráter estrutural do racismo na sociedade brasileira. Esses textos incendeiam de imediato as redes sociais, entrando para a lista de mais lidos no site. A seguir, réplicas e tréplicas surgem, multiplicando a audiência. A controvérsia então se estanca e morre, até que um novo episódio semelhante surja.

Antes do artigo em questão, colunas de Leandro Narloch e Demétrio Magnoli cumpriram esse papel.

Acreditamos que esse padrão seja nocivo. O racismo é um fato concreto da realidade brasileira, e a Folha contribui para a sua manutenção ao dar espaço e credibilidade a discursos que minimizam sua importância. Dessa forma, vai na contramão de esforços importantes para enfrentar o racismo institucional dentro do próprio jornal, como o programa de treinamento exclusivo para negros.

Reconhecemos o pluralismo que está na base dos princípios editoriais da Folha e a defesa que nela se faz da liberdade de expressão.

No entanto estes não se dissociam de outros valores que o jornalismo deve defender, como a verdade e o respeito à dignidade humana. A Folha não costuma publicar conteúdos que relativizam o Holocausto, nem dá voz a apologistas da ditadura, terraplanistas e representantes do movimento antivacina.

Por que, então, a prática seria outra quando o tema é o racismo no Brasil?

Se textos como o de Antonio Risério atraem audiência no curto prazo, sua consequência seguinte é minar a credibilidade, que é, e deve ser, o pilar máximo de um jornal como a Folha.

Por esses motivos, convidamos a uma reflexão e uma reavaliação sobre a forma como o racismo tem sido abordado na Folha. Acreditamos que buscar audiência às expensas da população negra seja incompatível com estar a serviço da democracia. 

Fonte: Blog do MELO 

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