quarta-feira, 8 de agosto de 2018

Há uma geração que não viveu a ditadura e que, por isso, rejeita menos a direita, diz Claudio Couto

do IBRE 
Leia a entrevista de Claudio Couto, do Departamento de Gestão Pública da FGV Eaesp à Conjuntura
Conjuntura Econômica – Desde a redemocratização, ser politicamente de direita alimentou uma conotação negativa. Mas hoje vemos que Jair Bolsonaro tem se sustentado nas pesquisas de opinião, e uma ala do PSDB mudando sua posição no espectro político, buscando consolidar candidaturas de centro. Podemos considerar que esses são indicativos de que a “direita envergonhada” está virando coisa do passado? 
Creio que a percepção negativa do pertencimento à direita, após o regime autoritário, deve-se principalmente ao fato de que esse regime era de direita. Por isso, colocar-se como de direita poderia implicar, em boa medida, uma associação ao autoritarismo do regime militar. Além disso, as demais ditaduras latino-americanas, com exceção de Cuba, eram todas de direita, o que reforçava tal percepção. Por fim, associar-se à esquerda significava apresentar-se como defensor de ideias inerentes a este campo do espectro ideológico que em boa medida se universalizaram, como é o caso da igualdade e da justiça social. Portanto, dizer-se de direita significaria assumir-se como defensor da desigualdade e despreocupado com a justiça social. Por todas essas razões, os direitistas no Brasil preferiam dizer-se “de centro”; não é à toa que o bloco de direita na Assembleia Nacional Constituinte se autodenominou “centrão”, termo que depois foi associado a outros grupos parlamentares semelhantes noutras casas legislativas. Isto ainda subsiste hoje, tanto que candidatos de direita ainda se definem e são chamados por muitos como “de centro”.

A direita brasileira saiu do armário por uma série de razões. Primeiramente, como reação a governos de esquerda no plano nacional; neste sentido, trata-se de uma direita literalmente reacionária. Em segundo lugar, reagindo ao avanço (no Brasil e no mundo) de valores e modos de vida contrários às formas tradicionais, sobretudo no que concerne a questões identitárias como gênero e raça; a este avanço do igualitarismo (e, portanto, esquerdismo) identitário, seguiu-se uma reação que defende valores e práticas tradicionais, ensejando uma direita identitária. Movimentos como o “Escola sem Partido”, a crítica à chamada “ideologia de gênero”, o ataque às cotas raciais e à própria ideia de ações afirmativas de um modo geral pertencem a este campo.
 
Desde que se constituiu a polarização PSDB-PT na política nacional, no início dos 1990, a disputa entre o que era originalmente um partido de centro-esquerda e outro de esquerda tornou-se a polarização entre um partido de esquerda (o PT) e o único que a ele se opunha de forma efetiva (o PSDB). Com isto, os tucanos atraíram os votos e a adesão de uma base social direitista que havia ficado politicamente órfã, com a decadência da velha direita brasileira, muito vinculada à ditadura e à corrupção. As políticas dos governos petistas aguçaram essa polarização e suscitaram uma reação que foi bastante alimentada por certos publicistas da grande imprensa e da blogosfera, os quais focavam seus ataques ao PT e, por tabela, à esquerda de um modo geral. 

Esses ataques se caracterizam por uma estigmatização deslegitimadora, associando a esquerda automaticamente à corrupção (“petralha”), a algum tipo de doença mental (“esquerdopata”), à hipocrisia (“esquerda caviar”) e assim por diante. Isso nutriu um ódio político que, num primeiro momento, foi instrumentalizado pelo PSDB e seus aliados, mas que depois se tornou demasiado para eles, cevando o surgimento de uma direita extremista como aquela representada por Bolsonaro e seu irracionalismo de corte neofascista. Mas há outros, uns mais próximos desse extremismo (como Olavo de Carvalho), outros menos, mas ainda assim marcados pela intolerância política (algo incompatível com o professado liberalismo), como é o caso do MBL.
 
É possível traçar algum paralelo do que acontece hoje no Brasil com o cenário político internacional – principalmente em países com o mesmo grau de desenvolvimento?
 
Depois de uma onda progressista ou de esquerda no mundo, assistimos agora a uma onda direitista – claro, com nuances tanto durante o primeiro movimento, como agora, durante o segundo. Na América Latina tivemos a emergência de uma esquerda de tipo socialdemocrata no Brasil, Chile e Uruguai; de uma esquerda populista na Argentina, Bolívia, Equador e – principalmente – Venezuela. Nos Estados Unidos, surgiu Barack Obama; partidos socialdemocratas também tiveram sucesso em alguns países europeus, embora de forma menos vistosa do que na América Latina. Hoje, presenciamos a ascensão de Trump e de governos direitistas – alguns deles de tipo populista – na Europa. Na América Latina, os governos de esquerda foram derrotados no Chile e na Argentina, substituídos por administrações de direita, ainda que de uma direita moderada, sobretudo se comparada a figuras como Bolsonaro, Trump ou o uribismo, que acaba de vencer as eleições na Colômbia, removendo um governo de centro-direita. 
 
Considerando que essa maior tolerância à direita seja algo conjuntural, qual resíduo poderá deixar para o futuro do jogo político brasileiro?
 
Não creio que se trate de algo apenas conjuntural. Há uma geração que não viveu a ditadura e que, por isso, rejeita menos a direita. Ademais, os erros cometidos pela esquerda brasileira, sobretudo na incapacidade de se renovar e fazer uma autocrítica dos problemas relacionados à corrupção, alimentaram e deram pretextos para o discurso direitista. O problema da violência é também favorável à direita, que tradicionalmente tem o discurso do endurecimento das políticas de segurança. Ou seja, parece-me que temos uma direita que veio para ficar, embora isso não necessariamente implique a adesão a posições autoritárias e mesmo neofascistas, como aquelas representadas por Bolsonaro e os defensores da intervenção militar. Há uma direita que se marca por posições de fato liberais na economia e na política (minoritária); outra que se caracteriza pelo liberalismo econômico associado a conservadorismo social (que me parece majoritária); uma liberal na economia, mas autoritária na política, numa espécie de “pinochetismo” (como parecem ser alguns dos simpatizantes da candidatura de Bolsonaro atuantes no mercado financeiro); e há, por fim, uma direita autoritária que posa de liberal apenas por conveniência circunstancial, como é o caso de Bolsonaro e certos grupos de pensamento similar ao dele..
 
Uma reorganização de DEM e PP e sua relação com a bancada evangélica – cujos planos são ampliar a representação no Congresso – tem a ver com essa tendência? Em caso positivo, o que esperar de uma direita com essas características?
 
Certamente DEM e PP têm uma raiz na velha Arena, embora o DEM seja muito mais consistente politicamente do que o PP, tanto que foi oposição aos governos petistas durante todo o tempo. O PP, ao mesmo tempo em que abrigou velhos representantes da ditadura e direitistas ideológicos duros (como Bolsonaro), virou um partido de adesão que apoiou tanto governos tucanos como petistas e se refestelou na corrupção da Petrobras. A bancada evangélica é transversal aos partidos, predomina nos partidos à direita, mas tem forte presença nos partidos de adesão, que foram base dos governos tucanos e petistas em troca de benesses estatais, independentemente da ideologia. Por isso, mobiliza-se como uma bancada de fato apenas em situações específicas, relacionada a problemas religiosos ou morais. Claro que esse retorno da religião à política, na forma de um antissecularismo, é no Brasil um fenômeno direitista, embora possa haver secularismo de direita (como ocorre na França) e religiosidade de esquerda (como na Teologia da Libertação, tão forte na América Latina dos anos 1970 e 80 e presente na criação do PT). A meu ver, a direita que emerge hoje no Brasil é multifacetada, tendo diversas facções internas que, após sua ascensão, começam também a se conflagrar. Por isso, embora acredite que a presença de uma direita assumida seja algo que veio para ficar entre nós, não considero que tal direita possa ser percebida como um todo monolítico. Pelo contrário, está bem longe disso.  

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Fonte: jornalggn.com.br (Luis Nassif)

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