Instalar embaixada na "Cidade Santa" para árabes, judeus e cristãos é reconhecê-la politicamente como capital - e território - de Israel
Presidente do Instituto de Cultura Árabe, Mohamed Habib alerta que as consequências do alinhamento Bolsonaro-Trump em relação ao tema vão muito além de uma simples mudança de endereço.
São Paulo – A polêmica mudança da embaixada brasileira em Israel, passando da capital Tel Aviv para Jerusalém, foi o tema do encontro do presidente em exercício, general Hamilton Mourão (PRTB), com o embaixador da Palestina no Brasil, Ibrahin Alzeben e comitiva, na segunda-feira (28). À imprensa, Mourão afirmou que a resposta dada foi que o “Estado brasileiro não está, por enquanto, pensando em nenhuma mudança de embaixada”. Em sua visita em dezembro, o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, afirmou ter ouvido do presidente Jair Bolsonaro (PSL) que “a transferência não é uma questão de se, mas de quando”.
Em artigo publicado esta semana no site no Instituto da Cultura Árabe (Icarabe), o professor aposentado da Unicamp e presidente da entidade, Mohamed Habib faz um alerta: "mudança da embaixada brasileira em Israel de Tel Aviv para Jerusalém e o significado da iniciativa do presidente Bolsonaro é no mínimo perigoso e pode levar a um distúrbio global, num mundo que já está no limiar do caos".
Egípcio naturalizado brasileiro, Habib foi diretor eleito do Instituto de Biologia da Unicamp por duas vezes (de 1990 a 1994 e 2002 a 2005) e coordenador de Relações Internacionais da mesma universidade de 1998 a 2002, onde foi também pró-reitor de Extensão e Assuntos Comunitários.
Ele chama atenção para a estratégia sionista por meio da atuação do primeiro ministro israelense, Benjamin Netanyahu. Ao obter apoio da bancada parlamentar da extrema direita cristã, nos Estados Unidos, segundo Habib, o chanceler "mantêm doações financeiras anuais, além de alcançar outros objetivos, como por exemplo, a transferência da embaixada norte-americana de Tel Aviv para Jerusalém. A mesma tática está sendo aplicada no Brasil, através da bancada neopentecostal, a qual mantém relação simbiótica com Israel. Nos dois casos, o interesse político é o reconhecimento de Jerusalém como capital de Israel".
Conforme explica, a extrema direita dos Estados Unidos e parte dos segmentos evangélicos brasileiros compartilham a mesma concepção religiosa. Ambos os grupos religiosos acreditam em profecias apocalípticas, nas quais Jerusalém deve ser habitada só por judeus, como pré-requisito para o retorno de Jesus para restabelecer o cristianismo e iniciar o Armagedom, que a Bíblia descreve como a batalha final de Deus contra a sociedade humana iníqua, em que numerosos exércitos de todas as nações da Terra encontrar-se-ão numa condição ou situação, em oposição a Deus e seu Reino por Jesus Cristo no simbólico Monte Megido.
Já Israel não acredita na volta de Jesus. "Mas a expulsão dos não judeus de Jerusalém é o sonho dos seus governantes, para transformar a cidade em sua capital, passo importante para a conquista de todo o território palestino. Sem falar do projeto 'O Grande Israel', o qual se estenderia do rio Nilo, no Egito, ao rio Eufrates, no Iraque. Assim fica fácil entender a base de sustentação da parceria de uma visão religiosa, de um lado, e de um interesse geopolítico, de outro", explica Habib.
"Portanto, o significado da iniciativa do presidente Bolsonaro é, no mínimo, perigoso e pode levar a um distúrbio global, num mundo que já está no limiar do caos."
Jerusalém é a cidade mais sagrada para o mundo monoteísta, principalmente para o judaísmo, cristianismo e islamismo. Em 1948, Israel ocupou, de maneira ilegal, o lado oeste desta cidade e, em 1967, fez o mesmo com o restante da cidade. Um acordo foi então firmado em termos de administração entre Israel e os palestinos, no qual Israel cuidaria da parte oeste e os palestinos, da parte oriental, enquanto as Nações Unidas (ONU) tentariam colocar em prática a sua resolução 181 de 1948, segundo a qual a cidade é de interesse de todos os povos monoteístas e por isso tem de ser administrada por um conselho internacional sob a sua coordenação.
Na avaliação de Habib, nem os países centrais e nem o Estado de Israel estiveram interessados em resolver o conflito entre os dois povos. Até porque a permanência do conflito é interessante do ponto de vista econômico. "Pelo menos durante as primeiras cinco décadas, as doações e ajudas financeiras eram vitais para o desenvolvimento daquele país recém-nascido. Convencer o mundo de que Israel corria o risco de ser atacado pelos países árabes vizinhos é um grande pretexto para manter a ajuda financeira e as doações".
Entre os possíveis impactos negativos de uma possível mudança da embaixada por Bolsonaro, ele destaca o enfraquecimento das relações do Brasil com o mundo árabe, marcadas historicamente pela harmonia e respeito entre os dois lados – o que confirma e consolida a existência da base que sustenta a diversidade étnica nacional brasileira, acredita. "A grande diversidade racial, religiosa e cultural, representada pelos povos que compõem este país continental chamado Brasil é uma das suas maiores riquezas. Os árabes, os verdadeiros semitas, sejam árabes cristãos, muçulmanos, e mesmo árabes judeus, fazem parte de toda a história brasileira."
No campo diplomático, a atitude do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de transferir a embaixada para Jerusalém, retira de seu país o status de mediador no conflito entre palestinos e israelenses. E o Brasil, que passava a ser visto como a melhor opção para ocupar este espaço de mediação da paz, tende a seguir o mesmo caminho de Trump.
Além disso, o Brasil perde o apoio de todos os países islâmicos, árabes ou não, em assuntos de seu interesse brasileiro, como em votações na ONU, na Organização Mundial do Comércio (OMC) e em outros organismos internacionais. "Tornar o Brasil um apêndice da ideologia dos Estados Unidos e de Israel, além de não ganharmos absolutamente nada, perderemos os aliados dos países em desenvolvimento, em que a maioria é islâmica."
No âmbito econômico, Habib lembra que o países muçulmanos representam o maior mercado brasileiro para carne bovina, frango, açúcar e milho – que será afetado. Conforme dados do Ministério da Indústria e Comércio Exterior, em 2018 as atividades comerciais entre o Brasil e os países islâmicos alcançaram o valor de US$ 22,9 bilhões. A balança é favorável ao Brasil em US$ 8,8 bilhões. Os países islâmicos recebem cerca de 70% de todas as exportações brasileiras de açúcar, 46% do milho em grãos, 37% da carne de frango e 27% da carne bovina.
O presidente do Icarabe destaca também que, até 1991, o Brasil exportava em grande volume serviços e tecnologias para Oriente Médio na área de construção civil, por meio da Mendes Junior e outras, e máquinas e equipamentos pesados. "Com a invasão norte-americana ao Iraque e a queda do regime líbio, causando a deterioração econômica de ambos os países, o Brasil perdeu este mercado. Um dos grandes prejuízos foi, inclusive, a falência de grandes indústrias bélicas brasileiras, como a Engesa, em 1993. Fundada em 1958, empregava mais de cinco mil profissionais e vendia seus produtos para mais de 18 países. Perdemos um grande mercado, levamos prejuízos enormes, fechamos indústrias pesadas e não recebemos absolutamente nada por sermos aliados dos Estados Unidos".
"Aprender com a história e com as experiências do passado, na busca de caminhos mais seguros para o crescimento do nosso país, é obrigação de todos nós. Não podemos mais errar. Erguer um país é um processo árduo e lento; destruí-lo é fácil e rápido. Assim, cautela e precaução são fundamentais na gestão de qualquer país e em sua interação com os demais."
Fonte: Rede Brasil Atual
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