sexta-feira, 19 de outubro de 2012

CAIXINHA ABERTA


Algumas ideias grudam na gente ao longo da vida. Um dia lá, você ouve ou lê algo que faz sentido, que combina com o que você sente ou pensa, mas que ainda não estava formulado. E pimba! aquilo se incorpora à sua visão da vida.

Livros e filmes fazem muito isso. Lembro a emoção que senti ao identificar, nos autores que li na adolescência e juventude, como a liberdade era importante pra mim – e a ansiedade que isto me trouxe. No mesmo pacote da liberdade, estavam as escolhas pessoais e a possibilidade de construir a minha própria vida, de acordo com as minhas convicções. Daí para concluir que a vida é feita de escolhas, foi um passo.

Há muito tempo, incorporei a ideia de que a gente vive a vida que escolhe, principalmente quando teve oportunidade de comer, estudar e se educar. Não suporto pessoas de mais de trinta anos que responsabilizam os pais, a família, o governo, a falta de sorte, a conspiração cósmica, deus ou o diabo por não terem uma boa vida, aquela que sonharam. E isto não tem necessariamente a ver com ser milionário e famoso, como muitos pensam, mas com o que é importante para cada pessoa. Pode ser uma profissão sonhada, um grande amor ou um ideal político, coisas que ocupam um lugar central na vida. Buscar pessoalmente os caminhos que levam ao que nos satisfaz, saber lidar com situações adversas e superá-las, são premissas da vida adulta, mesmo sabendo que não temos, nem nunca teremos, controle total sobre a nossa vida.

Mas os dias vão rolando, e a gente vai encontrando outras ideias, que tocam em outros botões e acendem novas luzes.

Dia desses, eu almoçava com uma amiga, que me contava sobre a conversa que tivera com os filhos sobre as tais escolhas. Esta querida amiga vem de um país africano que deixou de ser colônia há poucos anos, numa luta que contou com seu engajamento pessoal. Mas a situação se complicou a tal ponto, que ela decidiu se candidatar a um bom emprego num país europeu, foi selecionada e se mudou para lá com a família.

Deu a todos a impressão de que havia escolhido partir, motivada pela possibilidade de ter e oferecer aos filhos uma vida mais tranquila, que não era pouca coisa, no contexto em que viviam. Mas ia muito além disto. Ela estava, em suas próprias palavras, elegendo entre a opção que destrói e aquela que salva. Aí, já deixa de ser escolha, porque quem, em seu juízo perfeito, iria pelo caminho da destruição?

Não é fascinante? O 2+2 que eu tinha bem arrumadinho na cabeça sobre o assunto se desfez num instante, me obrigando a abrir a caixinha das certezas. Coisa boa! Preciso ainda pensar muito mais sobre isto.

Júnia Puglia, cronista, mantém a coluna semanal De um tudo no NR. + Textos da autora.

Fonte: Nota de Rodapé

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