O governo brasileiro trombeteia que, se não aprovarmos a reforma da Previdência, corremos o risco de nos tornarmos um Argentina. Tal afirmação demonstra o quanto as duas maiores locomotivas populacionais e da economia sul-americanas estão falidas.
As duas nações estão sendo governadas segundo o que há de mais liberal em termos de economia política mundial desde maio de 2016, quando Michel Temer se tornou o presidente do Brasil em exercício (Mauricio Macri, empossado em dezembro de 2015, o antecedeu).
A consequência é que suas economias afundam no caos. Culpar os governos social-democratas de Cristina Kirchner e Dilma Rousseff após todo esse tempo já não serve como desculpa.
Não é o caráter social-democrata ou liberal dos governos determina as melhoras sociais descuradas e declinantes na crise capitalista da terceira revolução industrial (a da microeletrônica), e muito menos são esses modelos políticos de governos capazes de promover a emancipação humana.
O que nos encaminharia para um novo patamar evolutivo seria justamente a busca contínua e perseverante da superação dos pressupostos fundados nas categorias capitalistas em processo de contradição que demonstra toda a irracionalidade autotélica da mediação social por elas promovida.
"o PIB argentino apresenta queda renitente"
Sobre a Argentina, segundo país mais populoso da América do Sul, com cerca de 50 milhões de habitantes, dotado de riquezas materiais exuberantes e de um povo culto e acostumado a padrões de consumo historicamente superiores aos de seus vizinhos, escrevi, também no artigo (vide aqui) já referido, o seguinte:
"...a Argentina encara uma inflação de 50% ao ano; taxa de desemprego de 10%; e sua moeda, o peso argentino, desvalorizado, vale cerca de 2,4% do dólar americano (1 USD=0.02,43 peso argentino); o Produto Interno Bruto apresenta queda renitente".
Os portenhos vivem crise cíclicas cada vez mais próximas. Sucedem-se governos e mais governos e a trajetória falimentar vai se repetindo.
O governo de Maurício Macri, democraticamente eleito e de inclinação conservadora, alinhado a tudo que representa o interesse da economia mundial, recorre ao Fundo Monetário Internacional para pedir socorro financeiro, que lhe impõe a ortodoxia do ajuste fiscal como forma de extirpar aquilo que considera como nexo causal do cancro econômico capaz de tudo corroer.
Já o quadro da Venezuela, nossa convulsionada vizinha do norte, é de uma economia em colapso.
Economia venezuelana decaiu à metade do que era em 2013.
Tendo cerca de 35 milhões de habitantes, é detentora de grandes reservas de petróleo que a situariam entre os países potencialmente ricos; contudo, os venezuelanos amargam as idiossincrasias de um governo que se diz anticapitalista mas trabalha com os mecanismos capitalistas, sem se aperceber que o fetichismo da mercadoria a tudo submete destrutivamente.
É lamentável ao extremo que o povo venezuelano sofra restrições alimentares em pleno século 21, quando o domínio do ser humano sobre o conhecimento cientifico-tecnológico deveria lhe proporcionar comodidades existenciais de alto nível. Entretanto, ao contrário do que poderia acontecer, o povo venezuelano talvez viva hoje em situação de pobreza alimentar superior àquela dos seus ancestrais indígenas.
Brasil, Argentina e Venezuela e Colômbia, que totalizam pouco mais de 330 milhões de habitantes ou algo em torno de 80% da população sul-americana, estão às voltas com sérios problemas econômicos.
O Chile, apesar ou justamente por causa de sua reduzida população (cerca de 18 milhões de habitantes) apresenta tanto padrões de renda per capita elevado, como Índice de Desenvolvimento Humano alto, de 0,843, que o situa em 44º lugar no mundo.
Imagens como esta voltaram a ser comuns na América do Sul
O Uruguai com seus pouco mais de 3,3 milhões de habitantes é outra exceção à regra de pobreza da América Latina.
Por sua vez Equador, Peru e Paraguai se situam na faixa dos países pobres, com renda per capita pouco acima de US$ 11.000; e bem pior está a Bolívia, com míseros US$ 3.030 de renda per capita.
Vale notar, em termos políticos, o eterno pêndulo entre governos de esquerda e de direita, sendo que a tendência conservadora vem se alastrando nos últimos anos; o quadro é de acentuada insatisfação do eleitorado com os governos que se alternam no poder político estatal negando repetidamente as promessas eleitorais por estrita obediência à lógica do capital a que servem.
A onda judiciária sul-americana de cruzada contra a corrupção tem viés hipócrita conservador na medida em que atribui os fracassos governamentais ao mau uso dos impostos por parte dos governantes, ainda que se saiba que o processo eleitoral é dominado pela influência do poder econômico que tudo corrompe e que vai continuar tendo influência nos investimentos governamentais como contrapartida eleitoral de gastos declarados ou não.
Estatisticamente, podemos afirmar que as três regiões mais pobres do nosso planeta (Ásia, África e América Latina, que totalizam cerca de 85% da população mundial), têm 80% de suas populações vivendo majoritariamente as precariedades próprias do inaceitável baixo ou baixíssimo poder aquisitivo, enquanto 15% de seus habitantes desfrutam de razoáveis níveis de consumo e 5% exibem abusivos níveis de riqueza abstrata.
É imperativa a instauração de um novo tipo de relação social.
Já as populações da Oceania, Europa e norte da América do Norte, com cerca de 15% da população mundial, têm uma posição favoravelmente inversa à das regiões pobres acima referidas.
Considerando que nas regiões ricas existem pobres e nas regiões pobres existem ricos, somos, portanto, um mundo com 80% de pobres; 15% de remediados; e 5% de ricos. Este é o retrato do capitalismo no final de segunda década do século 21 e em processo de recessão mundial.
Conclusão: após o período de crescimento econômico do pós-guerra, a terceira revolução industrial, que vem se consolidando desde 1970 em ritmo acelerado, está expondo a irracionalidade da lógica de produção de mercadorias e, consequentemente do valor monetário, causando o fenômeno da depressão econômica que provoca o desemprego estrutural; a falência do Estado e das empresas públicas e privadas; e a debilitação do sistema de crédito financeiro, que está prestes a ruir.
Tudo está a indicar e confirmar o atingimento do limite interno absoluto da expansão capitalista, que deverá impor um diferente tipo de relação social.
O qual não poderá ser outro senão aquele que tenha como base um novo modo de produção, capaz de superar a riqueza abstrata segregacionista e de potencializar todo o saber acumulado da humanidade em seu próprio benefício e de modo ecologicamente sustentável.
(por Dalton Rosado).
Fonte: https://naufrago-da-utopia.blogspot.com
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