"Os princípios da democracia liberal são ameaçados por fraudes, mas também por algumas formas de ataque intelectual. Se eles devem ser defendidos e sua prática, melhorada, precisamos de mais filósofos e sociólogos", diz jornal.
O jornal britânico The Guardian produziu um duro editorial, divulgado na terça (30), indicando que o governo Jair Bolsonaro já é “culpado de muitos crimes” que terão impacto no Brasil e no mundo. E, internamente, citou a decisão de cortar verba de cursos de filosofia e sociologia, um ataque às humanidades.
Para o jornal, “autoritários políticos não são os únicos inimigos das humanidades. Há também a visão grosseira de que o ensino superior é meramente o servo dos mercados, embora qualquer pessoa instruída possa ver que esse é precisamente o caminho errado. Quando Bolsonaro elogia assuntos que geram ‘retorno imediato’ para o contribuinte, é uma justificativa conveniente para sua motivação ideológica.”
Após o ataque às humanidades, o Ministério da Educação de Bolsonaro anunciou corte de 30% no orçamento de todas as universidades federais. Além disso, segundo informações da Folha desta quarta, 1º de maio, o governo estuda vetar bolsas de ensino para quem apresentar projetos com “viés ideológico”.
Leia, abaixo, o editoral.
Do The Guardian
A visão do Guardian sobre ensino superior: os seres humanos precisam de humanidades
O governo autoritário e populista de Jair Bolsonaro no Brasil é culpado de muitos crimes. Alguns, como o ataque à floresta tropical, danificarão o mundo inteiro. Outros só vão prejudicar o Brasil: o exemplo mais recente é o anúncio de que o governo está considerando retirar financiamento do ensino universitário de filosofia e sociologia. O ensino superior pode não parecer uma prioridade máxima em um país onde um terço da população adulta é analfabeta funcional. A política educacional do governo já é excêntrica. O mais recentemente dispensado ministro da Educação, ex-professor de filosofia, exigiu que as escolas filmassem seus alunos cantando o hino nacional e ouvindo o slogan eleitoral de Bolsonaro. Mas isso é sério.
A sociologia e a filosofia são assuntos que parecem aos seus inimigos produzir nada além de desempregados indecentes, fluentes em sofismas e subversões. Autoritários promovem uma sociedade rígida na qual há espaço para apenas alguns guias e filósofos no topo. Eles precisam saber o que há para saber sobre a humanidade e a sociedade, mas todos os outros precisam apenas conhecer seu lugar. Este foi certamente o modelo contra o qual os grandes movimentos do século XIX e XX para a emancipação dos trabalhadores se rebelaram. Há uma forte tradição democrática de auto-aperfeiçoamento para fins morais que atravessa o socialismo e algumas formas de cristianismo antes dele. Todas essas pessoas entendiam filosofia e pensamento claro mais geralmente como uma ameaça às pretensões da autoridade e uma ferramenta para uma sociedade mais justa e melhor.
A sociologia é um caso especial de tal instrumento de auto-aperfeiçoamento. Ajudando as pessoas a pensar sobre suas próprias sociedades e a se engajar com o que já foi pensado antes, pode contribuir para melhores cidadãos e melhores pessoas. Entender os motivos dos outros é, até certo ponto, entender os nossos. Sociologia e filosofia não são sujeitos vocacionais. Eles são os assuntos que informam nossa compreensão de qualquer vocação. O que acontece quando pessoas poderosas pensam que o bom senso pode substituir as disciplinas das humanidades é óbvio nas terríveis consequências das redes sociais construídas por homens jovens que compreendem profundamente o código de computador, mas tudo o mais superficialmente, se é que o compreendem.
O filósofo Karl Popper ensinou que os assuntos de investigação poderiam ser divididos em nuvens e relógios: aqueles cujos limites e funcionamento, por mais complicado que fosse, seriam trabalhados de acordo com regras claras e explícitas, e aqueles em que isso não podia ser feito. Pensar em problemas que são naturalmente nebulosos e não podem ser reduzidos a mecanismos de relógio é uma habilidade essencial no mundo de hoje, como sempre foi.
Não é, no entanto, aquilo que é sempre exigido pelos empregadores. Autoritários políticos não são os únicos inimigos das humanidades. Há também a visão grosseira de que o ensino superior é meramente o servo dos mercados, embora qualquer pessoa instruída possa ver que esse é precisamente o caminho errado. Quando Bolsonaro elogia assuntos que geram “retorno imediato” para o contribuinte, é uma justificativa conveniente para sua motivação ideológica. Outros realmente querem dizer isso.
Os princípios da democracia liberal são ameaçados por fraudes, mas também por algumas formas de ataque intelectual. Se eles devem ser defendidos e sua prática, melhorada, precisamos de mais filósofos e sociólogos. São os assuntos de uso menos óbvio que podem ser de valor final.
No GGN
Fonte: http://www.contextolivre.com.br
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