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Foto: Wanezza Soares
'Principais
conflitos geopolíticos do mundo giram em torno da garantia do acesso ao
petróleo'
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O desmonte da maior empresa brasileira e a desnacionalização do pré-sal
terão efeitos tenebrosos para o País, alerta ex-presidente da estatal.
Caso persista a atual política do governo, a companhia, até alguns anos
atrás em plenas condições de ascender ao topo das maiores do planeta no
segmento de óleo e gás, chegará ao final do desmonte comandado por Temer com a
metade do tamanho e relegada ao papel de produtora de petróleo do pré-sal.
O detalhamento do ataque simultâneo em
várias frentes permite concluir que não adianta culpar a corrupção de um
punhado de ex-funcionários pelo desmanche em grande escala operado de forma
concatenada pelos seus dirigentes, com destaque para o ex-presidente Pedro Parente,
em parceria com o Congresso, o Executivo e o Judiciário.
Os crimes viabilizados por um punhado
de ex-funcionários malfeitores, por maiores que sejam, não explicam o método e
a pertinácia utilizados para saquear as reservas de petróleo e gás
desnacionalizadas a preço vil.
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de prisão os ex-diretores Jorge Luiz Zelada, Nestor Cerveró, Paulo Roberto
Costa, Renato de Sousa Duque e os ex-gerentes Eduardo Musa, Luis Carlos Moreira
da Silva e Pedro José Barusco Filho.
Tampouco justificam desmontar a
estrutura verticalizada “do poço ao posto” globalmente vitoriosa no setor,
desmantelar com a ajuda da Lava Jato a maior cadeia produtiva do País, forçar a
ociosidade das refinarias para aumentar a importação de combustíveis fornecidos
por concorrentes estrangeiras e detonar seu braço petroquímico, a Braskem,
mercado crucial para as petroleiras diante do declínio do consumo dos derivados
de petróleo, em consequência do aumento do uso de combustíveis renováveis e do
advento dos carros elétrico e híbrido.
Contra Gabrielli há ações cíveis
em andamento no Tribunal de Contas da União,
na Controladoria-Geral da União e na Comissão de Valores Mobiliários, todas com
acusações de omissão, mas nenhuma ação criminal na Lava Jato ou em outro
âmbito.
A destruição da Petrobras, símbolo de uma A produção de
petróleo no Colorado e no restante dos EUA declina rápido e o pré-sal é a
melhor opção (Wanezza Soares)
O ex-presidente da Petrobras , 68 anos, é considerado um dos maiores conhecedores da
petroleira e do setor e projetou-a mundialmente em 2007 quando da descoberta do pré-sal durante
sua gestão. Naquele período, o País atingiu também a autossuficiência em
petróleo.
Gabrielli faz um balanço da situação atual e delineia as perspectivas da
maior empresa do Brasil nas suas várias áreas de atuação, após quatro anos de
Lava Jato e quase três anos e meio de gestão corporativa pró-mercado a partir
da administração de Aldemir Bendine. O
quadro descrito por Gabrielli é estarrecedor e revoltante.
Caso persista a atual política do governo, a companhia, até alguns anos
atrás em plenas condições de ascender ao topo das maiores do planeta no
segmento de óleo e gás, chegará ao final do desmonte comandado por Temer com a
metade do tamanho e relegada ao papel de produtora de petróleo do pré-sal.
Uma estratégia de Estado, cabe
acrescentar, executada pelas petroleiras privadas a ele articuladas e que agora
encontram aqui condições excepcionais para participar da ofensiva internacional
de rapinagem do patrimônio nativo.
Nesta entrevista Gabrielli, Ph.D. em
Economia pela Universidade de Boston, pesquisador na London School of Economics
and Political Science, ex-pró-reitor da Universidade Federal da Bahia e
ex-diretor da Faculdade de Ciências Econômicas da mesma instituição, descreve a
guerra à Petrobras e ao futuro do Brasil.
CartaCapital: No mais recente
dentre os vários ataques ao pré-sal, o presidente Temer sancionou na
quinta-feira 14 a lei que autoriza a estatal Pré-Sal Petróleo a vender o óleo
do pré-sal diretamente para empresas. O senhor conhece um precedente no mundo
de alienação tão rápida e abrangente de ativos petrolíferos estratégicos de um
país para concorrentes da sua petroleira controlada pelo governo, em
operação liderada pela própria empresa com ajuda do Executivo, do Legislativo e
do Judiciário?
José Sergio Gabrielli de Azevedo: A disputa pelo acesso
aos recursos de hidrocarbonetos é intensa no mundo inteiro. O pêndulo entre
mercado e Estado varia a depender dos momentos históricos de cada país. As
empresas internacionais controlam um volume muito pequeno das reservas
internacionais, que estão em sua ampla maioria sob o controle dos Estados e de
empresas estatais.
Em certos momentos, as relações de
forças internas dos países permitem uma avassaladora entrada de empresas
internacionais sob a alegação de falta de capitais e tecnologias nos países
hospedeiros. Essa alegação não procede em relação ao Brasil, que é líder da
tecnologia e possui capitais para desenvolver seus recursos a longo prazo,
mesmo com dificuldades a curto prazo.
CC: A que atribui essa
escalada?
JSG: O petróleo é um
produto estratégico e as empresas, mesmo as privadas, atuam em coordenação com
seus Estados. Os principais conflitos geopolíticos do mundo giram em torno da
garantia desse acesso. Alguns países, como os Estados Unidos, estabelecem a sua
segurança energética como o principal motivador para sua política externa.
Os EUA aumentaram muito sua produção
nos últimos anos com a generalização das técnicas de fracking (injeção
de líquido sob alta pressão em rochas para abrir fissuras e extrair petróleo e
gás) e a produção de shale gas (gás do xisto) e
condensados associados, reduzindo muito sua dependência do petróleo importado
nos próximos cinco a sete anos. O declínio da produção, no entanto, é acelerado
e eles vão precisar de novas fontes em meados da próxima década.
Para esse fim, essas novas fontes
precisam começar as atividades de exploração e desenvolvimento dos sistemas que
levam de quatro a cinco anos para iniciar a produção. A abertura de novas áreas
exploratórias no pré-sal brasileiro ajusta-se perfeitamente a este calendário americano.
CC: Como vê a reação
interna a essa investida?
JSG: A questão-chave é
saber se o Brasil precisa, nos próximos dois a três anos, acelerar a exploração
de suas áreas potenciais ou se isso pode esperar esse período para a
recuperação da situação financeira da Petrobras e a reconstrução da cadeia
produtiva de petróleo e gás dizimada pela Lava Jato. A consciência da sociedade
brasileira sobre a importância estratégica de longo prazo do acesso a esses
recursos determinará a resposta a essa ofensiva internacional.
CC: O que
acontecerá à Petrobras e ao Brasil no final desse processo?
JSG: No ritmo que vai, e
com as mudanças de políticas para o setor implementadas pelo atual governo, a
Petrobras será uma empresa de tamanho médio, voltada especialmente para a
produção de petróleo do pré-sal, desintegrada.
Poderia ser uma das maiores empresas de
petróleo do mundo, integrada da produção ao refino e distribuição, com expansão
de horizontes exploratórios e aproveitando-se do tamanho do mercado interno de
derivados.
A cadeia de fornecedores no Brasil será
esmagada pela entrada de competidores internacionais, importações e ausência de
compradores de grande escala, com a pulverização de operadores no pré-sal
brasileiro. Poderia ser uma indústria crescente atendendo à grande demanda
de um operador único, a Petrobras, com uma
curva de aprendizagem que levaria todos esses fornecedores à competitividade
internacional.
CC: As reservas do
pré-sal permaneceram durante anos inexploradas pelas petroleiras estrangeiras
presentes nas respectivas áreas, mas que não quiseram correr o alto risco da
prospecção e exploração, tarefas essas assumidas pela Petrobras após décadas de
investimento em pesquisa e formação de técnicos capacitados. Agora, com o
investimento principal realizado e a Petrobras destituída da condição de
operador único, entram para explorar o pré-sal. Isso é legítimo? Cabe algum tipo
de medida para barrar esse avanço externo?
JSG: Está na função de
operador, na indústria do petróleo, a principal parte do desenvolvimento
tecnológico, a capacidade de estabelecer cadeias de fornecedores e a formação
de pessoal. Múltiplos operadores distribuem esse conhecimento entre múltiplos
atores, mas perde-se uma característica que era muito importante para o
pré-sal: a escala das compras de equipamentos críticos poderia viabilizar a
criação de uma nova rede de fornecedores que, inicialmente, teriam condições de
concorrer com os produtores já existentes, mas com o tempo poderiam reduzir
seus custos e competir internacionalmente. Isto é o que estava acontecendo com
as sondas de perfuração e plataformas, cujo tempo de produção convergia para os
tempos dos estaleiros mais eficientes do mundo.
CC: Poderia explicar o
último ponto?
JSG: Uma medida de
eficiência é o tempo de construção das plataformas e sondas. Os estaleiros
brasileiros no começo levavam muito mais tempo para construir que os
internacionais, mas ultimamente vinham se aproximando dos estrangeiros nesse
quesito.
CC: Qual é a situação
real das refinarias no Brasil e quais encaminhamentos considera
apropriados para solucionar as lacunas ou inadequações eventualmente
identificadas pelo senhor?
JSG: As refinarias
brasileiras receberam grandes investimentos durante os governos Lula e Dilma,
com o objetivo de melhorar os fluxos dos processos, ampliar sua capacidade de
processar o petróleo pesado brasileiro e reduzir o conteúdo de enxofre nos
derivados para o mercado. Tais investimentos levaram as atuais unidades a
operar a mais de 90% da capacidade e agora elas estão operando abaixo de 70%,
com algumas refinarias em torno da metade das suas capacidades.
O argumento de que a otimização dos resultados do refino pode levar à
ociosidade de algumas unidades de processo, especialmente aquelas de conversão
do petróleo pesado em derivados leves, é falacioso em situações em que a
produção nacional de petróleo cru cresce a custos declinantes e os preços de
derivados no mercado interno estão crescendo ou estão estabilizados. Nesse
caso, o objetivo da otimização deveria levar em conta a máxima utilização das
unidades já instaladas.
No caso do derivado produzido com petróleo nacional, sua lucratividade
advém da diferença entre os preços de mercado e o seu custo de produção em
reais, que inclui a matéria-prima de petróleo nacional aqui produzido. Os
derivados importados têm sua lucratividade decorrente da diferença entre o
preço dos derivados importados e as vendas no Brasil.
CC: O Brasil foi o
destino de metade das exportações de combustível para jatos e diesel da Costa
Leste dos EUA no primeiro trimestre, enquanto as refinarias nacionais operam
com ociosidade anormalmente elevada. Em quais situações e para quais tipos de
derivados a importação se justifica? Qual deveria ter sido a atitude da
empresa? O refino tem importância estratégica para a Petrobras?
JSG: As importações
brasileiras de gasolina, diesel e querosene de aviação são predominantemente
oriundas dos EUA. O governo decidiu aumentar o número e o volume dos
importadores de derivados, enquanto a Petrobras acumula capacidade ociosa para
criar um clima favorável à venda das refinarias.
A redução da presença da Petrobras no
refino é uma estratégia para, de um lado, atrair novos investidores e, de
outro, transformá-la em uma empresa voltada apenas para a produção de
petróleo. No mundo do petróleo, as grandes empresas e as mais sustentáveis a
longo prazo são aquelas integradas do poço de produção ao posto de vendas no
varejo.
CC: De um lado, há os
defensores do controle pela empresa dos preços dos combustíveis para manter a
inflação em patamares razoáveis e, de outro lado, os partidários da dolarização
dos derivados no mercado interno. Entre esses extremos existe uma miríade de
propostas que incluem desde subvenção do governo com dinheiro do Orçamento,
tabelamento e cobrança de imposto variável sobre importados. Como vê essa
questão?
JSG: Em todos os países
grandes produtores de petróleo, com exceção da Noruega, há uma certa
estabilidade dos preços quando comparados com a variação de curto prazo dos
preços dos postos de gasolina dos países importadores de petróleo e,
especialmente, dos importadores de derivados.
Os preços da gasolina na Noruega,
Finlândia e Dinamarca são os maiores do mundo hoje, por causa dos impostos
cobrados sobre os litros vendidos como forma de desestimular o uso dos
automóveis com motores a explosão e compressão e estimular o uso de combustíveis alternativos e
carros elétricos e híbridos.
CC: Como funcionava na
prática a contenção de repasses imediatos de variações do preço em dólar
do petróleo ou do próprio dólar e o alongamento e, portanto, a atenuação dessa
transferência de impacto no interior da estrutura verticalizada da Petrobras?
JSG: No caso do Brasil, no
período Lula e Dilma os preços dos derivados eram ajustados em ciclos longos,
levando em conta as expectativas de variações futuras da taxa de câmbio, do
preço do petróleo, dos preços dos derivados e do mercado interno brasileiro.
Nesse período, os acionistas tiveram os maiores lucros da história da Petrobras
e o valor de mercado da empresa atingiu seus picos históricos.
CC: O senhor tem
criticado a troca da estabilidade de uma empresa integrada, que atua “do poço
ao posto”, pela busca de fazer caixa a curto prazo com a venda de seus ativos,
de forma a acelerar o pagamento das dívidas e dos dividendos.
JSG: A integração vertical
permite proteção de longo prazo em relação às flutuações cíclicas dos preços do
petróleo, uma vez que as margens de refino e os preços dos derivados, apesar de
acompanharem os preços do óleo cru no longo prazo, não variam com a mesma
intensidade nos mercados com grandes refinadores e com produção doméstica
relevante. As empresas integradas internacionalmente têm mais lucro e maior
sustentabilidade de longo prazo.
Refinarias como a
Gabriel Passos, em Betim, que operavam com 90% da capacidade sob Lula e Dilma,
agora estão abaixo de 70% (Geraldo Falcão/Petrobras)
CC: A Odebrecht negocia
a venda do controle da Braskem, na qual é sócia da Petrobras para a gigante
holandesa LyondellBasell. A aquisição deverá dar origem à maior petroquímica do
mundo. Qual será o efeito desse negócio para a empresa?
JSG: A petroquímica será a
longo prazo o principal mercado do petróleo, uma vez que seu uso como
energético para os transportes tende a se reduzir com a utilização das
tecnologias de veículos elétricos e híbridos.
A utilização do petróleo como matéria-prima dos produtos petroquímicos
deve, portanto, crescer a longo prazo e as principais petroquímicas mundiais
aumentam sua integração com as unidades de refino. Os maiores projetos novos de
refino, tanto no Oriente Médio como na China e na Índia, ampliam as relações
das refinarias com as unidades petroquímicas.
CC: O que o Brasil perde
com a venda do controle da Braskem?
JSG: A venda da Braskem significa
a perda do controle nacional de um setor que se tornará crescentemente
importante na indústria. A Braskem é uma das cinco maiores empresas
petroquímicas do mundo e estava se expandindo fortemente nos EUA com a
implantação de unidades naquele país para utilizar o gás natural relativamente
mais barato e se consolidar como um grande player internacional.
Com a sua venda, o Brasil coloca-se fora dessa disputa estratégica de longo
prazo.
CC: Como vê a afirmação
de que a Odebrecht foi forçada a vender o controle na Braskem pela Lava Jato,
que, além de punir os executivos da construtora, o que acontece também no resto
do mundo em casos de inidoneidade, foi além e puniu a empresa com a interdição
por anos dos contratos com o setor público, o que é inédito na Europa e nos
Estados Unidos em situações análogas envolvendo grandes grupos, os quais, após
interrupção de semanas ou poucos meses, voltam a celebrar contratos normalmente
com o Estado?
JSG: As motivações diretas
da venda pela Odebrecht da sua participação na Braskem parecem ser relacionadas
com a Lava Jato e, indiretamente, também com a posição da Petrobras, sócia
relevante da Odebrecht na Braskem.
CC: A partir da Petrobras
floresceram indústrias de bens de capital e, conforme o senhor destacou acima,
de construção naval significativas, entre outras. Em sua opinião, o País e a
Petrobras deveriam voltar a estudar a possibilidade de reforçar o setor de óleo
e gás por meio de um amplo programa que incluísse associações inteligentes com
empresas estrangeiras produtoras de equipamentos, de modo a revitalizar a
cadeia produtiva?
JSG: Acho que sim. A
tentativa de montar uma indústria parapetroleira no Brasil pressupunha uma
empresa-âncora, grande compradora (a Petrobras), políticas de suporte e
desenvolvimento econômico que baixassem os custos sistêmicos para a indústria e
as condições de financiamento para viabilizar os investimentos no País.
Tudo isso está sendo desmontado pelo atual governo. Dificilmente será
possível, a curto prazo, retomar tais atividades. Mas o País não poderá
desconsiderar essas oportunidades a longo prazo. As pressões pela política de
conteúdo nacional retornarão e mudanças da atual política deverão ocorrer.
CC: Uma corrente de
opinião cada vez mais volumosa encorpa o movimento privatizante e
desnacionalizante anti-Petrobras, iludida quanto à possibilidade de o País,
dada a abundância de fontes renováveis, conseguir adotá-las a médio prazo em
quantidade suficiente para substituir o petróleo.
JSG: As fontes renováveis
de energia eólica, solar e outras deverão crescer mais do que as fontes
primárias de combustíveis fósseis petróleo, gás natural e carvão. Há, no
entanto, um problema com as fontes renováveis partindo de bases muito pequenas
e com altas taxas de crescimento, que levarão muitos anos para atingir escala
significativa. A Petrobras está fortemente associada ao sistema produtivo de
uma fonte intermediária que é o gás natural , mas a
política do atual governo é de tirá-la desse setor
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