sexta-feira, 16 de março de 2018

POLÍTICA - O assassinato da vereadora, penso eu, será um "divisor de águas"como montar uma loja virtual

 

No dia 28 de março de 1968,  fui "testemunha ocular da história", como gostava de dizer o locutor Heron Domingues, da Rádio Nacional, ao se referir ao Repórter Esso, do qual era seu apresentador. 

Tal noticiário, que tinha várias edições ao longo do dia, a primeira às 8 horas da manhã, e representava o que é hoje o Jornal Nacional da Globo. 

Pois no dia acima citado, estava no  restaurante do Calabouço, frequentado por estudantes, onde os preços eram mais acessíveis, e onde nos reuníamos para programar passeatas relâmpagos que realizávamos frequentemente, a partir da Cinelândia. 

Ao final da tarde desse dia, a Polícia Militar invadiu o restaurante, pois, como ficamos sabendo depois, achava que iríamos atacar a embaixada americana. 

A invasão foi violenta, e no confronto, oito estudantes foram baleados.  

O Edson Luiz foi atingido por um tiro a queima roupa no peito e morreu na hora. Outro estudante, o Benedito também foi baleado, mas foi levado para o Souza Aguiar, onde também. 

Levamos o corpo do Edson Luiz em passeata até a Assembléia Legislativa, onde foi feita a necrópsia na presença do secretário de estadual de saúde da época, do qual não me lembro seu nome. 

Lá na Assembléia, ocorreu o velório que varou a madrugada, na presença de uma multidão. 

No dia do enterro o Rio parou e o Edson foi enterrado com a multidão cantando o Hino Nacional. 

Tal assassinato, para mim, representou uma "virada" na luta do movimento estudantil contra a ditadura.  

A frequência das manifestações aumentou e com ela a repressão, que culminou com a edição do Ato Institucional número 5, o famoso AI-5, decretado em 13 de dezembro desse ano de 1968. 

Tal ato, para mim e para a maioria, foi o golpe dentro do golpe. A partir deste, aumentaram exponencialmente as prisões, as torturas, os assassinatos dentro dos órgãos de repressão do Estado, e os desaparecimentos de prisioneiros políticos. 

A censura foi repugnante e proliferaram os "dedos duro". O cara não gostava de você, procurava um milico e dizia que você era comunista. E você se ferrava. 

Uma curiosidade: Milton Nascimento fez uma canção chamada "Menino", que se referia ao Edson Luiz e que foi gravada pela Elis Regina. 

A reação dos estudantes foi organizar duas monstruosas passeatas, conhecidas como "passeatas dos 100 mil". Fico até hoje arrepiado quando me lembro delas. 

A primeira foi realizada no dia 26 de junho. 

Dada a repercussão desse evento,  da qual participaram também, artistas, intelectuais, políticos e o povo em geral, o ditador de plantão da época, o Costa e Silva, marcou uma reunião com líderes da  sociedade civil, entre os quais, nossos companheiros líderes, o hoje jornalista Franklin Martins e o Zé Dirceu. 

Eles pediram ao ditador a libertação de estudantes presos, o fim da censura e outras "coisitas más". 

Nada dessas reivindicações foi aceita pelo Costa e Silva. 

Em função disso, programamos uma segunda passeata dos 100 mil, o que deixou a gorilada furiosa. 

Nessa última grande passeata, quando passamos em frente a igreja da Candelária,  a passeata parou, ocasião em  que o  Vladimir Palmeira, outro grande líder estudantil,fez um discurso histórico, lembrando a morte do Edson Luiz e pedindo o fim da ditadura. 

Lá foi aberta uma faixa imensa com os dizeres "Abaixo a ditadura, o povo no poder", imortalizada pela foto do Evandro Teixeira, que trabalhava para o JB. Evandro pode ser nomeado o fotógrafo das passeatas.É dele também uma foto tirada das escadarias da Assembléia Legislativa, onde uma multidão, cuja linha de frente era formada só por artistas, ouvia um discurso de um dos líderes do movimento estudantil da época. Até hoje me lamento não ter sido clicado pelas lentes do Evandro, pois também estava lá. 

Inspirado nas fotos do Evandro, nosso grande poeta Carlos Drummond de Andrade fez o poema "Diante das fotos do Evandro Teixeira". Anos depois, Evandro lançou um livro em que, após longa pesquisa, nomeava grande número de pessoas fotografadas por ele na Cinelândia. 

Nas passeatas participaram várias figuras que hoje são execradas pela esquerda.  A primeira delas é o gato angorá, como o chamava o Brizola: trata-se do ministro Moreira Franco; outro, o Fernando Gabeira, que escreveu um livro chamado "Que é isso companheiro", no qual relata sua participação no sequestro do embaixador americano, em que diz que escreveu a famosa carta de reivindicações aos ditadores, quando na verdade, quem a escreveu foi o Franklin Martins. 

Mas tivemos presenças memoráveis como o Tancredo Neves, Clarice Lispector, Marieta Severo, Chico, Gil, Nana Caimi, Caetano Veloso, Milton Nascimento, Edu Lobo,Tonia Carrero, Zuenir Ventura, que escreveu o famoso livro "1968, o ano que não acabou", Paulo Autran, e outros que não me lembro mais. 

Hoje voltei no tempo ao ir a Cinelândia, à Assembléia Legislativa, para me despedir dessa grande guerreira, extremamente atuante em favor das causas sociais e defesa das minorias. 

Ano passado, num evento de arte fotográfica,reencontrei o Evandro, ele com mais de oitenta anos e eu com meus 77. Comentei com ele sobre sua histórica foto na Cinelândia momentos antes do início da passeata dos 100 mil. 

Fiquei surpreso com a cobertura que a Globo deu das manifestações de hoje. Afinal, a vereadora não era apenas uma militante, mas uma militante de esquerda, esquerda que causa tanta ojeriza à essa empresa golpista. Nenhuma surpresa com a mídia alternativa de direita, o blog Antagonista à frente, beneficiário em primeira mão dos vazamentos seletivos permitidos pelo Dr. Moro. 

O que se lê neles, é de embrulhar o estômago.   Voltando à minha esperança, acho que o Brasil não será mais o mesmo após esse assassinato. 

Postado por Carlos Augusto de Araújo Dória (Blog de Um Sem Mídia)

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