No dia
28 de março de 1968, fui "testemunha ocular da história",
como gostava de dizer o locutor Heron Domingues, da Rádio Nacional, ao se
referir ao Repórter Esso, do qual era seu apresentador.
Tal noticiário, que
tinha várias edições ao longo do dia, a primeira às 8 horas da manhã, e
representava o que é hoje o Jornal Nacional da Globo.
Pois no dia acima citado,
estava no restaurante do Calabouço, frequentado por estudantes,
onde os preços eram mais acessíveis, e onde nos reuníamos
para programar passeatas relâmpagos que realizávamos frequentemente,
a partir da Cinelândia.
Ao final da tarde desse dia, a Polícia Militar invadiu
o restaurante, pois, como ficamos sabendo depois, achava que iríamos atacar a
embaixada americana.
A invasão foi violenta, e no confronto, oito estudantes
foram baleados.
O Edson Luiz foi atingido por um tiro a queima roupa no
peito e morreu na hora. Outro estudante, o Benedito também foi baleado, mas foi
levado para o Souza Aguiar, onde também.
Levamos o corpo do Edson Luiz em passeata
até a Assembléia Legislativa, onde foi feita a necrópsia na presença do
secretário de estadual de saúde da época, do qual não me lembro seu nome.
Lá na
Assembléia, ocorreu o velório que varou a madrugada, na presença de uma
multidão.
No dia do enterro o Rio parou e o Edson foi enterrado com a multidão
cantando o Hino Nacional.
Tal assassinato, para mim, representou uma
"virada" na luta do movimento estudantil contra a ditadura.
A
frequência das manifestações aumentou e com ela a repressão, que culminou com a
edição do Ato Institucional número 5, o famoso AI-5, decretado em 13 de
dezembro desse ano de 1968.
Tal ato, para mim e para a maioria, foi o golpe
dentro do golpe. A partir deste, aumentaram exponencialmente as prisões, as
torturas, os assassinatos dentro dos órgãos de repressão do Estado, e os
desaparecimentos de prisioneiros políticos.
A censura foi repugnante e
proliferaram os "dedos duro". O cara não gostava de você, procurava
um milico e dizia que você era comunista. E você se ferrava.
Uma curiosidade:
Milton Nascimento fez uma canção chamada "Menino", que se referia ao
Edson Luiz e que foi gravada pela Elis Regina.
A reação dos estudantes foi
organizar duas monstruosas passeatas, conhecidas como "passeatas dos
100 mil". Fico até hoje arrepiado quando me lembro delas.
A primeira foi
realizada no dia 26 de junho.
Dada a repercussão desse evento, da
qual participaram também, artistas, intelectuais, políticos e o povo em
geral, o ditador de plantão da época, o Costa e Silva, marcou uma reunião
com líderes da sociedade civil, entre os quais, nossos companheiros
líderes, o hoje jornalista Franklin Martins e o Zé Dirceu.
Eles pediram ao
ditador a libertação de estudantes presos, o fim da censura e outras
"coisitas más".
Nada dessas reivindicações foi aceita pelo Costa e
Silva.
Em função disso, programamos uma segunda passeata dos 100 mil, o que
deixou a gorilada furiosa.
Nessa última grande passeata, quando passamos em
frente a igreja da Candelária, a passeata parou, ocasião em que o Vladimir
Palmeira, outro grande líder estudantil,fez um discurso histórico, lembrando a
morte do Edson Luiz e pedindo o fim da ditadura.
Lá foi aberta uma faixa imensa
com os dizeres "Abaixo a ditadura, o povo no poder", imortalizada
pela foto do Evandro Teixeira, que trabalhava para o JB. Evandro pode ser
nomeado o fotógrafo das passeatas.É dele também uma foto tirada das escadarias
da Assembléia Legislativa, onde uma multidão, cuja linha de frente era formada
só por artistas, ouvia um discurso de um dos líderes do movimento
estudantil da época. Até hoje me lamento não ter sido clicado pelas lentes
do Evandro, pois também estava lá.
Inspirado nas fotos do Evandro, nosso grande
poeta Carlos Drummond de Andrade fez o poema "Diante das fotos do Evandro
Teixeira". Anos depois, Evandro lançou um livro em que, após longa
pesquisa, nomeava grande número de pessoas fotografadas por ele na Cinelândia.
Nas passeatas participaram várias figuras que hoje são execradas pela
esquerda. A primeira delas é o gato angorá, como o chamava o
Brizola: trata-se do ministro Moreira Franco; outro, o Fernando Gabeira,
que escreveu um livro chamado "Que é isso companheiro", no qual
relata sua participação no sequestro do embaixador americano, em que diz que
escreveu a famosa carta de reivindicações aos ditadores, quando na verdade,
quem a escreveu foi o Franklin Martins.
Mas tivemos presenças memoráveis como o
Tancredo Neves, Clarice Lispector, Marieta Severo, Chico, Gil, Nana Caimi,
Caetano Veloso, Milton Nascimento, Edu Lobo,Tonia Carrero, Zuenir
Ventura, que escreveu o famoso livro "1968, o ano que não
acabou", Paulo Autran, e outros que não me lembro mais.
Hoje voltei no
tempo ao ir a Cinelândia, à Assembléia Legislativa, para me despedir
dessa grande guerreira, extremamente atuante em favor das causas sociais e
defesa das minorias.
Ano passado, num evento de arte fotográfica,reencontrei
o Evandro, ele com mais de oitenta anos e eu com meus 77. Comentei
com ele sobre sua histórica foto na Cinelândia momentos antes do início da passeata
dos 100 mil.
Fiquei surpreso com a cobertura que a Globo deu das manifestações
de hoje. Afinal, a vereadora não era apenas uma militante, mas uma militante de
esquerda, esquerda que causa tanta ojeriza à essa empresa golpista. Nenhuma
surpresa com a mídia alternativa de direita, o blog Antagonista à frente,
beneficiário em primeira mão dos vazamentos seletivos permitidos pelo Dr. Moro.
O que se lê neles, é de embrulhar o estômago. Voltando à minha
esperança, acho que o Brasil não será mais o mesmo após esse assassinato.
Postado por Carlos Augusto de Araújo Dória (Blog de Um Sem Mídia)
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