sábado, 2 de setembro de 2017

HABEMUS ACÓRDÃO (UM DESABAFO!)


Neste último dia de agosto, foi publicado no Diário de Justiça Eletrônico do Supremo Tribunal Federal o acórdão do julgamento realizado no final de novembro/2016, referente ao pagamento de indenização retroativa a anistiados políticos. Nove meses passados, portanto, a decisão do STF passou, finalmente, a produzir seus efeitos legais.

Conforme expliquei noutros artigos (neste, p. ex.), a lei que instituiu o programa e respectivas normas estabeleciam que, a partir da publicação da portaria do ministro da Justiça reconhecendo o direito do anistiado a uma indenização retroativa, a União deveria fazer o pagamento em 60 dias (artigo 12, § 4º, da Lei nº 10.559/2002); no meu caso, já em novembro de 2005!

E foi o que o STF confirmou, tanto tempo depois: o prazo para pagamento era e é mesmo de 60 dias, nosso direito líquido e certo foi atropelado por mais de uma década e, inexistindo provisão de recursos, a União está agora obrigada a incluir os valores respectivos no próximo orçamento, quitando de uma vez por todas o débito.

Espera-se que as providências necessárias para o cumprimento da decisão do STF sejam tomadas com a agilidade que desde o início se impunha (em se tratando de mandados de segurança), mas em nenhum momento houve. 

Afinal, os autores destas ações já somos todos idosos e os terríveis danos a nós infringidos por regimes de exceção (as reparações incluem também as vítimas da ditadura getulista) se referem a episódios ocorridos há muitas e muitas décadas. 

No meu caso, sofri lesão permanente (que me prejudicou tanto os exercícios profissionais quanto o convívio social) e fui coagido por torturas e ameaças a uma exposição negativa (que me tornou alvo de estigmatização, igualmente prejudicando minha carreira e minha vida) em meados de 1970. Já lá se vão 47 anos.

RESTABELECIMENTO MÍNIMO DA DIGNIDADE
DESTROÇADA PELO REGIME ANTIDEMOCRÁTICO

De resto, pincei no acórdão de 87 páginas algumas passagens que devem inspirar reflexões mais aprofundadas.

"...a recusa de incluir em orçamento o crédito previsto na Portaria (...) do Ministério da Justiça afronta o princípio da dignidade da pessoa humana, por se tratar de cidadão cujos direitos preteridos por atos de exceção política foram admitidos com anos de atraso pelo Poder Público ...

...a despeito de a própria doutrina reconhecer a dificuldade de delimitação do âmbito de proteção da dignidade e dos direitos fundamentais, não há dúvida de que a opção do legislador, ao normatizar e garantir os direitos a esses anistiados, foi a de propiciar àqueles que tiveram sua dignidade destroçada pelo regime antidemocrático outrora instalado em nosso país um restabelecimento mínimo dessa dignidade." (ministro Dias Toffoli, relator)

"A adesão ao Termo para o pagamento na forma proposta na Lei n. 11.354/2006 constitui mera faculdade do anistiado, uma vez que ninguém pode ser compelido a aderir a acordo para o recebimento de valor a que faz jus de forma parcelada e/ou em valor menor ao que teria direito, constituindo evidente abuso de poder o tratamento desigual aos igualmente anistiados." (idem)

"...2,1% do total previsto nas leis orçamentárias atuais para indenização de anistiados foram efetivamente gastos, segundo as informações do próprio governo federal. Portanto, os outros 97,9% restantes representam valores disponibilizados e não pagos. As leis orçamentárias anuais disponibilizam valores para o pagamento da específica ação governamental de indenização aos anistiados políticos...

...desde 2010 no que se refere aos anistiados militares e desde 2012 em relação a todos aqueles submetidos ao regime especial do anistiado político, verifica-se que não se tem previsto nas leis orçamentárias da União ação específica voltada ao pagamento dos valores retroativos devidos a título de reparação econômica, salvo para aqueles que se submeteram, voluntariamente, ao regime de parcelamento do pagamento mediante Termo de Adesão previsto na Lei nº 11.354/2006. Verifica-se, portanto, grave omissão ao dever de planejar ínsito à própria noção de orçamento público." (ministro Edson Fachin) 

"UMA HUMILHAÇÃO ODIOSA E GRATUITA
 QUE NOS QUISERAM IMPOR"

Ou seja, o reconhecimento mínimo da dignidade dos que ousamos resistir a uma ditadura bestial foi encarado como algo secundário por governos que deveriam ter comportamento diametralmente oposto.

E, embora os recursos para o pagamento de reparações àqueles que o Estado brasileiro reconheceu oficialmente como delas merecedores fossem mais do que suficientes para o cumprimento da obrigação de pagar, míseros 2,1% do total disponível foram utilizados para tanto. 

Ao mesmo tempo, a AGU movias céus e terras para evitar que uma parcela minoritária dos anistiados recebesse o que lhes era devido. Se não era por falta de recursos, então por quê? Por pirraça? Por retaliação a quem não se prostrou à vontade dos poderosos? É o que resta ser esclarecido. 

O certo é que, como se lê no voto do relator, "ninguém pode ser compelido a aderir a acordo para o recebimento de valor a que faz jus de forma parcelada e/ou em valor menor ao que teria direito, constituindo evidente abuso de poder o tratamento desigual aos igualmente anistiados".

Pois foi exatamente como me senti, ao receber, pelo correio, o Termo de Adesão, sem uma explicação ou justificativa sequer, apenas instruções para assinar e enviar de volta. 

Sofri muito por ter jogado tal documento no lugar apropriado: a lixeira. E, o pior de tudo, fiz meus entes queridos sofrerem. É uma mágoa que carregarei até o fim dos meus dias 
Mas, está comprovado agora, não havia sequer carência de recursos, foi apenas uma humilhação odiosa e gratuita que nos quiseram impor, ao mesmo tempo em que faziam investimentos desastrosos e fechavam negócios altamente lesivos ao contribuinte, conforme hoje estamos todos carecas de saber.
Eu não conseguiria viver se, além de tudo que me tiraram, perdesse o auto-respeito. Assinar aquele papelucho desmereceria tudo que fui, o que sou e os motivos pelos quais lutei. (celso lungaretti)

Fonte: naufrago-da-utopia.blogspot.com.br

Nenhum comentário:

Postar um comentário