Neste
último dia de agosto, foi publicado no Diário de Justiça Eletrônico do Supremo
Tribunal Federal o acórdão do julgamento realizado no final de novembro/2016,
referente ao pagamento de indenização retroativa a anistiados políticos. Nove
meses passados, portanto, a decisão do STF passou, finalmente, a produzir seus
efeitos legais.
Conforme expliquei noutros artigos (neste, p. ex.), a
lei que instituiu o programa e respectivas normas estabeleciam que, a partir da
publicação da portaria do ministro da Justiça reconhecendo o direito do
anistiado a uma indenização retroativa, a União deveria fazer o pagamento em 60
dias (artigo 12, § 4º, da Lei nº 10.559/2002); no meu caso, já em novembro de
2005!
E foi o que o STF confirmou, tanto tempo
depois: o prazo para pagamento era e é mesmo de 60 dias, nosso direito líquido
e certo foi atropelado por mais de uma década e, inexistindo provisão de
recursos, a União está agora obrigada a incluir os valores respectivos no
próximo orçamento, quitando de uma vez por todas o débito.
Espera-se que as providências
necessárias para o cumprimento da decisão do STF sejam tomadas com a agilidade
que desde o início se impunha (em se tratando de mandados de segurança), mas em
nenhum momento houve.
Afinal, os autores destas ações já somos
todos idosos e os terríveis danos a nós infringidos por regimes de exceção (as
reparações incluem também as vítimas da ditadura getulista) se referem a
episódios ocorridos há muitas e muitas décadas.
No meu caso, sofri lesão permanente (que
me prejudicou tanto os exercícios profissionais quanto o convívio social) e fui
coagido por torturas e ameaças a uma exposição negativa (que me tornou alvo de
estigmatização, igualmente prejudicando minha carreira e minha vida) em meados
de 1970. Já lá se vão 47 anos.
RESTABELECIMENTO MÍNIMO DA DIGNIDADE
DESTROÇADA PELO REGIME ANTIDEMOCRÁTICO
De resto, pincei no acórdão de 87
páginas algumas passagens que devem inspirar reflexões mais aprofundadas.
"...a recusa de
incluir em orçamento o crédito previsto na Portaria (...) do Ministério da
Justiça afronta o princípio da dignidade da pessoa humana, por se tratar de
cidadão cujos direitos preteridos por atos de exceção política foram admitidos
com anos de atraso pelo Poder Público ...
...a despeito de a própria doutrina
reconhecer a dificuldade de delimitação do âmbito de proteção da dignidade e dos
direitos fundamentais, não há dúvida de que a opção do legislador, ao
normatizar e garantir os direitos a esses anistiados, foi a de propiciar
àqueles que tiveram sua dignidade destroçada pelo regime antidemocrático
outrora instalado em nosso país um restabelecimento mínimo dessa dignidade." (ministro
Dias Toffoli, relator)
"A adesão ao
Termo para o pagamento na forma proposta na Lei n. 11.354/2006 constitui mera
faculdade do anistiado, uma vez que ninguém pode ser compelido a aderir a
acordo para o recebimento de valor a que faz jus de forma parcelada e/ou em
valor menor ao que teria direito, constituindo evidente abuso de poder o
tratamento desigual aos igualmente anistiados." (idem)
"...2,1% do
total previsto nas leis orçamentárias atuais para indenização de anistiados
foram efetivamente gastos, segundo as informações do próprio governo federal.
Portanto, os outros 97,9% restantes representam valores disponibilizados e não
pagos. As leis orçamentárias anuais disponibilizam valores para o pagamento da
específica ação governamental de indenização aos anistiados políticos...
...desde 2010 no que se refere aos
anistiados militares e desde 2012 em relação a todos aqueles submetidos ao
regime especial do anistiado político, verifica-se que não se tem previsto nas
leis orçamentárias da União ação específica voltada ao pagamento dos valores
retroativos devidos a título de reparação econômica, salvo para aqueles que se
submeteram, voluntariamente, ao regime de parcelamento do pagamento mediante
Termo de Adesão previsto na Lei nº 11.354/2006. Verifica-se, portanto, grave
omissão ao dever de planejar ínsito à própria noção de orçamento público." (ministro
Edson Fachin)
"UMA HUMILHAÇÃO ODIOSA E GRATUITA
QUE NOS QUISERAM IMPOR"
Ou seja, o reconhecimento
mínimo da dignidade dos
que ousamos resistir a uma ditadura bestial foi encarado como algo secundário
por governos que deveriam ter comportamento diametralmente oposto.
E, embora os recursos para o pagamento
de reparações àqueles que o Estado brasileiro reconheceu oficialmente como
delas merecedores fossem mais do que suficientes para o cumprimento da
obrigação de pagar, míseros 2,1% do total disponível foram utilizados para
tanto.
Ao mesmo tempo, a AGU movias céus e terras para evitar que uma parcela minoritária dos anistiados recebesse o que lhes era devido. Se não era por falta de recursos, então por quê? Por pirraça? Por retaliação a quem não se prostrou à vontade dos poderosos? É o que resta ser esclarecido.
Ao mesmo tempo, a AGU movias céus e terras para evitar que uma parcela minoritária dos anistiados recebesse o que lhes era devido. Se não era por falta de recursos, então por quê? Por pirraça? Por retaliação a quem não se prostrou à vontade dos poderosos? É o que resta ser esclarecido.
O certo é que, como se lê no voto do
relator, "ninguém pode ser compelido a aderir a acordo para o recebimento
de valor a que faz jus de forma parcelada e/ou em valor menor ao que teria
direito, constituindo evidente abuso de poder o tratamento desigual aos
igualmente anistiados".
Pois foi exatamente como me senti, ao
receber, pelo correio, o Termo de Adesão, sem uma explicação ou justificativa
sequer, apenas instruções para assinar e enviar de volta.
Sofri muito por ter jogado tal documento
no lugar apropriado: a lixeira. E, o pior de tudo, fiz meus entes queridos
sofrerem. É uma mágoa que carregarei até o fim dos meus dias
Mas, está comprovado agora, não havia
sequer carência de recursos, foi apenas uma humilhação odiosa e gratuita que
nos quiseram impor, ao mesmo tempo em que faziam investimentos desastrosos e
fechavam negócios altamente lesivos ao contribuinte, conforme hoje estamos
todos carecas de saber.
Eu não conseguiria viver se, além de
tudo que me tiraram, perdesse o auto-respeito. Assinar aquele papelucho
desmereceria tudo que fui, o que sou e os motivos pelos quais lutei. (celso lungaretti)
Fonte: naufrago-da-utopia.blogspot.com.br
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