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Discurso de ódio eleitoral faz com que médicos e professores universitários usem a autoridade para tentar convencer pacientes e alunos a votar em Aécio Neves
Por Anna Beatriz Anjos
Aurora Andures, de 48 anos, é estudante de Medicina da Universidade Presidente Antonio Carlos (Unipac), localizada em Araguari, cidade no oeste de Minas Gerais. Agora no sexto ano, ela não se esquece de como vivia há pouco tempo, quando trabalhava como cortadeira de confecção. Até 2005, não tinha sequer ensino médio. Graças ao ProUni e aos “programas do PT”, como gosta de dizer, conseguirá realizar o sonho de se formar médica. Por isso, nestas eleições, escolheu reeleger Dilma Rousseff para o cargo mais alto do país.
A opção de voto de Aurora sempre foi clara a quem convive com ela. Na faculdade, entretanto, ela é contestada pelos colegas e, em especial, por um de seus professores. “Ele usa de coação tanto comigo quanto com os pacientes [que atende nos ambulatórios da universidade]. Na verdade, principalmente com os pacientes, culpando-os por terem ‘votado errado’ nessa ‘corja de petralhas’ que aí está”, relata. E continua: “Quando pacientes tentam entrar para a fila de cirurgias, por exemplo, diz frases do tipo: ‘É impossível você se operar. Quem mandou votar no PT?’”. Com ela, o professor utiliza de outro argumento: “Como pode você, uma médica, ir contra a sua classe?”, diz a aluna. A Unipac, contatada pela reportagem, não respondeu até o fechamento da matéria.
Em pesquisa realizada pela Fórum com seus leitores, surgiram outros casos de médicos que tentam convencer seus pacientes a votar em um determinado candidato, ou então alimentam discurso de ódio em relação ao PT de forma geral. Um(a) professor(a) de enfermagem da Universidade Federal do Ceará, que pediu para não ser identificado(a), contou que situação similar ocorre no Hospital Geral de Fortaleza. “Antes de atenderem o paciente, eles primeiro perguntam em quem vai votar, se for na Dilma, tratam com desdém e dão um discurso. Muitas vezes o paciente com dor precisa ouvir do médico em quem ele tem que votar”, conta. Procurado, o hospital não se pronunciou sobre o assunto.
Grande parte da classe médica já manifestou apoio a Aécio Neves (PSDB). A Associação Médica Brasileira (AMB) o fez por meio de carta publicada em seu site. Páginas criadas no Facebook, comoMédicos com Aécio e Sou Médico. Voto Aécio, engrossam o coro. Na última, é possível encontrar imagens de estudantes de medicina de diversas instituições segurando faixas de propaganda do tucano.
A rede social se tornou lugar não apenas de declarações de apoio, mas de pedidos mais incisivos. Uma médica do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, por exemplo, escreveu um post em seu perfil incentivando os colegas de profissão a “conversarem com seus pacientes” na tentativa de persuadi-los a votar no candidato tucano. “Funciona mesmo”, finalizou. O hospital, em nota, nada afirmou sobre a atitude da funcionária; informou apenas que “não pode se responsabilizar pelo que é escrito nos perfis pessoais de seus milhares de colaboradores e comunidade de acadêmicos, pesquisadores e professores”, mas que “trabalha na elaboração de um manual com orientações aos profissionais a respeito de condutas nas redes sociais, especialmente no que diz respeito à exposição do hospital”.
O Conselho Federal de Medicina, órgão responsável por regulamentar a profissão, afirmou, por meio de nota, que “o médico pode expressar seus posicionamentos como todo cidadão e membro de qualquer categoria profissional, desde que respeitados os limites legais”. Os limites de atuação da categoria estão dispostos noCódigo de Ética Médica, que estabelece, em seu capítulo V, artigo 40, que é vetado ao médico “aproveitar-se de situações decorrentes da relação médico-paciente para obter vantagem física, emocional, financeira ou de qualquer outra natureza”.
“Considerando-se histórica e sociologicamente a constituição da Medicina Científica Moderna, esta exerce sua função social alinhada aos interesses dominantes através do ‘poder médico’. Portanto, a relação médico-paciente já pressupõe uma assimetria de poder entre as partes. A utilização dessa relação para influenciar o paciente em um momento de fragilidade e sofrimento, que é geralmente o que o leva a consultar um médico, caracteriza um abuso de autoridade”, escreveu a psiquiatra Maria Gabriela Curubeto Godoy, doutora em Saúde Coletiva e professora-adjunta de Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) em artigo publicado no portal da revista Carta Capital.
A situação se repete na sala de aula
Os leitores da Fórum também relataram casos em que professores universitários, durante as aulas, defendem voto em seus candidatos. Isso ocorreu com o militante petista Nilson Vieira, de 49 anos, estudante do curso de Filosofia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR). Ele conta que, na semana anterior ao primeiro turno, seu professor de Filosofia Política utilizava slides para explicar os regimes de governo. Em um determinado momento, citou o petismo e, para caracterizá-lo, utilizou os termos “corrupção e desmando governamental”. Vieira contestou, e, ofendido, registrou reclamação na ouvidoria da faculdade.
Na semana seguinte, o docente fez outra comparação; dessa vez, entre o PT e a prática de aparelhamento de Estado. O aluno, mais uma vez, questionou, e pediu exemplos. O professor, então, disse que ele precisaria ter uma “melhor capacidade de compreensão para entender o assunto”. “Diretamente ou indiretamente, me ofendeu. Não admito isso”, diz Vieira. A universidade, em nota, declarou que “o professor, ao mencionar o referido partido político, tinha a intenção de ilustrar conceitos teóricos que fazem parte da sua disciplina”, e que “ressalta que é apartidária e que não interfere no posicionamento político de seus professores e estudantes”.
Fato similar ocorreu durante uma aula de Ciência Política na Universidade Federal do Ceará (UFC). “Ao invés de dar aula, [o professor] fica mencionando os governos PT e PSDB, declara voto em Aécio e ainda pede que a gente vote em seu candidato”, relata um(a) estudante do curso de Ciências Sociais que pediu para que seu anonimato fosse preservado. “Ele diz que temos que votar em Aécio, que temos que ser minimamente inteligentes”, completa. Também por meio de nota, a instituição comunicou que não comentará o assunto.
Foto de capa: Reprodução/Facebook
Fonte: Revista Fórum
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