sábado, 25 de junho de 2011

O CONVERSA AFIADA REPRODUZ TEXTO DE MAURO SANTAYANA NO JB

A República e os mandamentos do dia
por Mauro Santayana

Seria conveniente que fôssemos ao indo-europeu, a fim de encontrar outras raízes etimológicas e com elas construir  sinônimo para ética, tão gasto se encontra o vocábulo grego. Aristóteles, ao tratar da sociedade, estabeleceu os fundamentos da filosofia da práxis (ou, seja, da vida ativa) em três idéias: a ética, a política e a economia. Elas são, em sua evidência, os fundamentos do estado democrático. Mas, sem qualquer dúvida, a ética terá que ser o esteio em que as duas devam amparar-se. Onde ética não existe, a política não é: trata-se apenas de um simulacro, uma aparência. Ainda que a aparência intua a realidade, ela não é a realidade, embora possa expô-la. Como disse Hoffmannsthal, o profundo se esconde na superfície.

A realização democrática é utópica. Como tudo na vida, a democracia é uma construção, um processo, com momentos mais felizes e momentos menos felizes. Estamos vivendo momento curioso, no Brasil.

A economia vai bem, e muito bem, convenhamos, apesar dos pessimistas engajados.

Há menos de dez anos estávamos sob o signo do desalento, sendo fustigados por uma crise de credibilidade, dependurados no FMI e outros organismos internacionais, e o governo cavalgando uma quimera, híbrida da ilusão neoliberal com a arrogância de seus dirigentes, a começar pelo chefe.

 O presidente Lula partiu para a solução menos elaborada, quase ingênua – de acordo com alguns analistas – mas, no caso, amarrada à ética: a da distribuição de parcela modesta da receita tributária às famílias mais pobres.

O resultado foi imediato: não só muitos dos que não comiam passaram a comer, e, assim estimularam a cadeia de consumo, como, nesse simples ato, obtiveram o senso da dignidade.

A ajuda do Estado não só lhes matou a fome, como os libertou dos oligarcas. Os empresários, tão empenhados em produzir para exportar, de repente descobriram  vasto mercado que desprezavam, e desprezavam até mesmo ao pagar salários ínfimos a seus trabalhadores: o mercado interno.

A ética é o exercício radical de solidariedade. Essa solidariedade se exerce primeiro entre os da mesma nação, da mesma pátria.

O mundo é dividido pelas fronteiras físicas, culturais e políticas. Por isso mesmo, a solidariedade começa na soberania nacional. Temos que ser solidários primeiro conosco: com nossa família,  nossos amigos, nossos compatriotas, para depois ampliarmos essa solidariedade ao continente e ao mundo.

Não basta aos governantes e seus agentes – como não basta aos cidadãos comuns – o exercício da solidariedade em medidas políticas coletivas. Ser solidário é também não desviar os recursos comuns da sociedade, mediante o peculato, a prodigalidade com os recursos públicos, o conluio entre a política e os negócios.

A presidente Dilma Roussef, a quem assiste o benefício de seus esforços em um quadro de dificuldades políticas gerais, não está conseguindo peneirar os conselhos que recebe. Ainda que entendamos a urgência das obras públicas, que assumimos o compromisso de realizar, ao pleitear para o país a realização do campeonato mundial de futebol de 2014, é inadmissível aceitar que as licitações e contratos se façam em sigilo.

É muito mais importante saber quanto iremos gastar para reformar esse ou aquele estádio, do que conhecer os atos do Barão do Rio Branco, a fim de obter os êxitos diplomáticos que obteve, ao resolver os dissídios fronteiriços com os nossos vizinhos. Por mais seja o nosso interesse sobre o passado distante, os acordos reais entre os estados, sendo negociados por seres humanos, estarão sempre cobertos, pelo menos no mais grave,  pelo véu opaco do sigilo.

Jamais saberemos, exatamente, como atuou Alexandre Gusmão, a fim de obter o êxito extraordinário que obteve, ao impor aos espanhóis, no Tratado de Madri, o princípio romano do uti possidetis, ita possideatis, e, com isso, desenhar o mapa do Brasil de nosso tempo.

Nunca saberemos de que habilidades amorosas se valeu o Sargento-Mor Francisco de Mello Palheta, com o fim de conseguir de Madame d’Orvilliers, mulher do governador da Guiana Francesa, em 1727,  as sementes que fizeram do Brasil o maior produtor de café do mundo.

Tanto em um caso, como no outro, a astúcia, se astúcia houve, foi decisiva para a construção do Brasil que conhecemos, e não é importante saber como fizeram esses nossos antepassados, mas sim o que obtivemos com seu desempenho.

O que ocorreu entre 1964 e 1979, em nossa forte contemporaneidade, ainda que não possa ser objeto de ação penal, deve ser de conhecimento público – mesmo que, em muitos casos, as fontes oficiais sejam fraudulentas, no que se refere às informações sobre os opositores ao regime militar.

Não é preciso levar os torturadores aos bancos dos réus, basta, para sua sanção moral, que sejam conhecidos e conhecidos os seus atos.

Enfim, voltando aos mandamentos do dia, estamos bem na economia, mas não estamos tão  bem na regência política e falta ética em alguns setores dos Três Poderes da República,  para que possamos avançar na construção democrática, mediante o controle do estado sobre a economia e a continuada redução das injustiças sociais.

Nenhum comentário:

Postar um comentário