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“Um juiz deixa de ser independente quando cede
a pressões decorrentes de outros Poderes do Estado”, diz a nota.
A Associação Brasileira de Juristas pela
Democracia (ABDJ), em nota emitida neste sábado (3), afirma que vai entrar com
representação no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) contra o juiz Sergio Moro.
De acordo com a ABDJ, o objetivo é cobrar do CNJ o “zelo pela isenção da
magistratura, o respeito ao princípio da imparcialidade e a garantia da
legalidade dos atos de membros do Poder Judiciário”.
A
ABDJ afirma que Moro, “ainda na condição de magistrado, atuou como se político
fosse, aceitando o cargo de Ministro da Justiça antes mesmo da posse do
Presidente eleito e, grave, tendo negociado o cargo durante o processo
eleitoral, assumindo um dos lados da disputa, conforme narrado pelo General
Hamilton Mourão”.
Leia a nota na íntegra abaixo:
NOTA DA ABJD EM DEFESA DA
IMPARCIALIDADE DO JUDICIÁRIO E CONTRA O PARTIDARISMO DE SÉRGIO MORO
A ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE JURISTAS PELA DEMOCRACIA (ABJD), entidade que
congrega os mais diversos segmentos de formação jurídica em defesa do Estado
Democrático de Direito, VEM A PÚBLICO, diante do aceite do juiz federal Sérgio
Moro para integrar o Ministério da Justiça e da Segurança Pública do governo de
Jair Bolsonaro, MANIFESTAR ESPANTO E GRAVE PREOCUPAÇÃO com este gesto
eminentemente político e consequencial ao comportamento anômalo que o juiz
vinha adotando na condução da Operação Lava-jato.
A conduta excepcionalmente ativista adotada pelo juiz da 13a Vara
Federal de Curitiba sempre foi objeto de críticas contundentes por parte da
comunidade jurídica nacional e internacional, rendendo manifestações em artigos
especializados e livros compostos por centenas de autores, a denunciar o uso
indevido da lei em detrimento das garantias e liberdades fundamentais. Em
diversos episódios, restou evidente a violação do princípio do juiz natural no
critério da imparcialidade que deve reger o justo processo em qualquer tradição
jurídica. Um juiz deixa de ser independente quando cede a pressões decorrentes
de outros Poderes do Estado, das partes ou, mais grave, a interesses alheios à
estrita análise do processo, deixando não apenas as partes, como também toda a
sociedade sem o resguardo dos critérios de justiça e do devido processo legal.
Um juiz que traz para si a competência central
da maior operação anticorrupção da história do Brasil não pode pretender atuar
sozinho, à revelia dos demais Poderes e declarando extintas ou suspensas
determinadas regras jurídicas para atender a quaisquer fins de apelo popular.
Um juiz com tal concentração de poder deveria ser exemplo de máxima correição
no uso de procedimentos jurídicos e tomada de decisões processuais, tanto pelos
riscos às liberdades e direitos dos acusados como pelos efeitos nocivos de
caráter econômico inexoravelmente provocados pela investigação de agentes e
empresas.
No entanto, o que se viu nos últimos anos foi o
oposto. O comportamento do juiz Sérgio Moro, percebido com clareza até pela
imprensa internacional ao noticiar um julgamento sem provas e a prisão política
de Lula, foi a de um juiz-acusador, perseguindo um réu específico em tempo
recorde e sem respeitar o amplo direito de defesa e a presunção de inocência
garantida na Constituição.
Recordem-se alguns episódios que denotam que o
ativismo jurídico foi convertido em instrumento de violação de direitos civis e
políticos, a condicionar o calendário eleitoral e o futuro democrático do país,
culminando com a aceitação do magistrado ao cargo de Ministro da Justiça:
1. No
início de 2016, momento de grave crise política, o juiz Sérgio Moro utilizou
uma decisão judicial para vazar a setores da imprensa uma conversa telefônica
entre a então Presidenta da República, Dilma Rousseff, e o ex-Presidente Lula
por ocasião do convite para assumir um ministério;
2. Em
março de 2016, o juiz autorizou a condução coercitiva contra o Lula numa
operação espetáculo, eivada de irregularidades e ilegalidades também contra
familiares e amigos do ex-Presidente;
3. Em
20 de setembro de 2016, às vésperas das eleições municipais, o juiz aceitou uma
denuncia do Ministério Público contra Lula e iniciou a investigação do caso
Triplex. O que se seguiu durante os meses seguintes foi um festival de violações
ao devido processo legal, de provas ilícitas a violação de sigilo profissional
dos advogados. Esses abusos foram denunciados ao Comitê Internacional de
Direitos Humanos da ONU;
4. A
sentença condenatória do caso Triplex, em julho de 2017, provocou revolta na
comunidade jurídica, que reagiu com uma enxurrada de artigos contestando
tecnicamente o veredito nos mais diversos aspectos e chamando a atenção para o
comportamento acusatório e seletivo do magistrado;
5. A
divulgação da sentença condenatória do caso foi feita um dia após a aprovação
da reforma trabalhista no Senado Federal, quando então já se falava em
pré-candidatura de Lula ao pleito de 2018;
6. O
julgamento recursal pelo TRF4 em 27 de março de 2018, como se sabe, foi
realizado em tempo inédito, em sessão transmitida ao vivo em rede nacional.
Vencidos os prazos de embargos declaratórios, o Tribunal autorizou a execução
provisória da pena, dando luz verde à possível prisão a ser decretada pelo juiz
Sérgio Moro, momento em que as ruas se acirraram ainda mais com a passagem das
Caravanas do pré-candidato Lula pelo sul do país;
7. No
dia 05 de abril, o STF julgou o pedido de habeas corpus em favor de Lula e, por
estreita margem de seis votos a cinco, rejeitou o recurso pela liberdade com
base na presunção de inocência. No próprio dia 05, contrariando todas as
expectativas e precedentes, o juiz Sergio Moro determinou a prisão de Lula e
estipulou que este deveria se apresentar à Polícia Federal até às 17h do dia
seguinte. O mandado impetuoso é entendido pela comunidade jurídica, mesmo por
quem não apoia o ex-Presidente, como arbitrário e até mesmo ilegal;
8. Lula
decidiu cumprir a ordem ilegal para evitar maiores arbitrariedades, pois já
ecoava a ameaça de pedido de prisão preventiva por parte de Sérgio Moro. No dia
07 de abril, Lula conseguiu evitar a difusão de uma prisão humilhante, saindo
do sindicato nos braços do povo, imagem que correu o mundo como símbolo da
injustiça judiciária;
9. No
dia 08 de julho, houve um episódio que escancarou a parcialidade de Sérgio Moro.
O juiz, mesmo gozando de férias e num domingo, telefonou para Curitiba e,
posteriormente, despachou no processo proibindo os agentes da Polícia Federal
de cumprirem uma ordem de liberação em favor de Lula expedida pelo juiz de
plantão no TRF4, o desembargador Rogério Favreto. Frise-se: mesmo sem ter
qualquer competência sobre o processo, já em fase de execução, Sérgio Moro
desautorizou o cumprimento do alvará de soltura já expedido, frustrando a
liberação, descumprindo ordem judicial, ignorando definitivamente a legalidade,
o regime de competência e a hierarquia funcional;
10.
Avançando para o processo
na justiça eleitoral, já às vésperas das eleições presidenciais em primeiro
turno e com o franco avanço do candidato Fenando Haddad, que substituiu Lula
após o indeferimento da candidatura, o juiz Sérgio Moro determinou a juntada
aos autos da delação premiada do ex-ministro Antônio Palocci contra Lula,
depoimento que havia sido descartado pelo MPF e que foi ressuscitado com ampla
repercussão da mídia. Sabe-se agora, pelo vice-Presidente eleito, General
Mourão, que nesse tempo as conversas para que Moro viesse a compor um cargo
político central no futuro governo já estavam em andamento;
11.
Coroando a cronologia de
ilegalidades e abusos de poder, frisa-se que Sergio Moro, ainda na condição de
magistrado, atuou como se político fosse, aceitando o cargo de Ministro da
Justiça antes mesmo da posse do Presidente eleito e, grave, tendo negociado o
cargo durante o processo eleitoral, assumindo um dos lados da disputa, conforme
narrado pelo General Hamilton Mourão. Tal movimentação pública e ostensiva do
juiz confirma a ilegalidade de sua atuação político-partidária em favor de uma
candidatura, o que se vincula ao ato de divulgação do áudio de Antonio Palocci
para fins de prejudicar uma das candidaturas em disputa. O repúdio a essa
conduta disfuncional motiva a ABJD a mover representação junto ao Conselho
Nacional de Justiça – CNJ – com o fim de exigir do órgão o zelo pela isenção da
magistratura, o respeito ao principio da imparcialidade e a garantia da
legalidade dos atos de membros do Poder Judiciário.
Moro não poderia, em acordo com as normas
democráticas vigentes, praticar qualquer ato de envolvimento político com o
governo eleito ou com qualquer outro enquanto fosse juiz. Ao fazê-lo viola
frontal e acintosamente as normas que estruturam a atuação da magistratura,
tornando tal violação ainda mais impactante ao anunciar que ainda não pretende
se afastar formalmente da magistratura, em razão de férias vencidas.
O ativismo do juiz Sérgio Moro não abala apenas
a segurança dos casos por ele julgados e a Lava-jato como um todo, mas
transfere desconfiança a respeito da ética e da independência com que conduzirá
também o Ministério da Justiça e da Segurança Pública, um ministério ampliado e
com poderes amplos, no momento em que o país passa por grave crise democrática,
em que prevalecem as ameaças e a perseguição aos que defendem direitos humanos
e uma sociedade mais justa.
Fonte: Revista Fórum
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