"O valor é masculino, branco e ocidental" |
(Roswitha Scholz, publicista
alemã)
O movimento
feminista teve e tem como bandeira referencial de sua luta o combate à
discriminação da mulher pelo homem, como se esta questão estivesse
preponderantemente circunscrita apenas a uma postura machista patriarcal
consciente (que, contudo, existe).
Tal movimento está inserido na imanência
capitalista, assim como todos os demais movimentos reivindicadores de direitos
dentro da modernização capitalista. E passou a reivindicar historicamente as
pretensas vantagens do macho (dizemos pretensas por se
situarem existencialmente no invólucro segregacionista da forma-valor, estando,
portanto, por ele contaminadas e depauperadas) como pretenso modo de obtenção
de sua emancipação.
A luta feminista se traduziu (e se traduz, até
aqui) em maiores oportunidades de emprego para mulheres na atividade produtora
de mercadorias; salário igual para o mesmo tipo de trabalho; participação em
igualdade de condições na esfera política; combate à violência contra si;
enfim, igualdade de tratamento conferido aos homens, estes últimos também
vítimas da segregação social que a todos atinge, ainda que de modo
heterogêneo.
Tal foco reivindicatório, por mais legítimo que
pareça ser, carece de consistência emancipatória, limitando-se à mendicância de
direitos dos servos do trabalho abstrato (homens e mulheres produtores de
valor) aos senhores do capital, ratificando o dito cujo ao invés de negá-lo.
Assim, ainda que parte das reivindicações seja justa, elas não têm nada de
consistente e definitivamente emancipatórias.
Este enfoque imanente à forma-valor torna inevitável uma disputa nefasta por hegemonia entre homens e mulheres. O capital mantém os indivíduos sociais em permanente oposição (ora explícita, ora dissimulada) aos outros indivíduos sociais, dividindo-os para reinar sobre todos eles. Isto se dá tanto no mercado de trabalho quanto na vida social e privada, como se fossem indivíduos ontologicamente antagônicos e destinados ao eterno conflito de interesses. |
Foi graças à solidariedade grupal e ao sentimento
gregário que nossos ancestrais longínquos sobreviveram a animais maiores e mais
fortes do que eles, garantindo a sobrevivência da espécie. A socialização pela
forma-valor representa uma violência à natureza humana e gera distorções como o
pretenso e fratricida antagonismo homem/mulher.
Ao patriarcado assumido das sociedades
pré-capitalistas sucedeu o patriarcado velado do moderno sistema produtor de
mercadorias em esferas separadas, em que ao homem foi reservado o papel de
reprodução do valor por meio do trabalho abstrato, sua substância; e à mulher,
as tarefas de reprodução da força de trabalho pela afetividade, maternidade,
gerenciamento das tarefas domésticas, etc.
Tal lógica faz com que o papel do homem prepondere
sobre o da mulher, pois ao sistema produtor de mercadoria interessa sobretudo a
reprodução do valor e não da vida, da qual faz uso oportunista e descartável
(como ocorre agora com o ser humano, que, por haver-se tornado supérfluo na
reprodução do valor, já que a tecnologia de produção microeletrônica o
substitui com vantagem, está sendo condenado à morte).
A negatividade contida na relação social
forma-valor, sujeito autômato das sociedades mercantis, transforma tanto os
homens como as mulheres em seus vassalos submissos, que apenas servem à
realização do seu vazio fim em si.
Agora o sistema produtor de mercadorias, como
consequência de suas contradições internas, está no limite de sua capacidade
auto-reprodutiva; isto aguça a crise da dissociação de gênero por ele mesmo
provocada.
Mais do que nunca os movimentos sociais, inclusive
o feminista, devem pugnar pela superação da forma-valor, desobstruindo o
caminho para o estabelecimento de uma relação vital, complementar e solidária
entre homens e mulheres.
O MUNDO DO MACHO
ACABOU!
A moderna sociedade patriarcal produtora de
mercadorias, enquanto modo fetichista de relação social, entrou em disfunção
existencial e já não consegue ser nem precariamente eficaz como era no
passado.
Outrora, logrou desenvolver-se e manter-se
dominante graças à violência (guerras, repressão militar); à exclusão social
(ilhas de prosperidade e oceanos de miséria); e à segregação da mulher, à qual
foi reservado um papel socialmente secundarizado e sub-repticiamente
sacralizado de reprodução da vida como rainha
do lar.
Naquele contexto, o movimento feminista, juntamente
com tantos outros movimentos de esquerda, sem o saber, sem o querer (ou, em
alguns casos, conscientemente), reafirmou a forma-valor no seu invólucro do
capital, seja no formato político liberal (democracias burguesas), seja no
estatal (socialismo real).
Agora, o mundo do valor (do
macho) entra em acelerado e profundo processo de
disfunção social, face à sua dessubstancialização pelo desuso substancial do
trabalho abstrato na produção de mercadorias.
Trata-se de um fato social que gera incapacidade reprodutiva de valor e tem, como uma de suas consequências, a de tornar evidente a falta de sentido contestatório das reivindicações de direitos imanentes a tal lógica destrutiva.
Trata-se de um fato social que gera incapacidade reprodutiva de valor e tem, como uma de suas consequências, a de tornar evidente a falta de sentido contestatório das reivindicações de direitos imanentes a tal lógica destrutiva.
Ditas reivindicações, por seu atendimento haver se
tornado impossível graças à crise do capital (que, no mundo inteiro, cancela os
direitos outrora concedidos), podem e devem ser feitas no sentido da afirmação
da necessidade de ruptura com as categorias capitalistas fundantes: trabalho
abstrato, dinheiro, mercadoria, mercado, estado, política, socialismo,
democracia. Só assim, sob outra forma de relação social, poderão doravante ser
atendidas.
Faz-se necessária, neste sentido, um claro
discernimento do que deve ser feito para a superação do eterno antagonismo
homem/mulher (como, de resto, os remanescentes entre todos os indivíduos
sociais que foram tornados adversários entre si) engendrado pelo sistema
produtor de mercadorias e suas categorias funcionais e institucionais.
Angela Davis: mulheres deveriam combater também o capitalismo |
Além das acima referidas, são reivindicações
históricas do movimento feminista:
Angela Davis: mulheres deveriam
combater também o capitalismo
|
— o direito ao voto;
— maior espeço na política;
— espaço de ascensão funcional na vida pública e privada;
— espaço de ascensão funcional na vida pública e privada;
— salário igual para idênticas tarefas
profissionais;
— reconhecimento dos direitos patrimoniais no
casamento;
— igualdade de tratamento no direito civil,
etc.
Estas e outras reivindicações imanentes à lógica do
valor evidenciam agora, com maior nitidez, seu anacronismo enquanto bandeiras
contestatórias (que outrora foram, em boa parte, justas) e se tornam obsoletas
juntamente com aquilo que lhe é subjacente: a sociedade do valor!
A sociedade do valor, que é a sociedade do macho
por excelência, sucumbe atualmente pelos seus próprios fundamentos
contraditórios, e com ela sucumbe, também, o mundo do macho.
Assim, já não cabe à mulher reivindicar direitos do
macho e reproduzir a sua dominação negativa substituindo-o nesse odioso
papel, mas negar o próprio poder social de um gênero sobre o outro, superando
radicalmente todos os construtos sociais do capital por uma nova forma de
relação social, omnidimensional.
Por Dalton Rosado |
Neste deprimente período de avanço do pensamento conservador, uma suicida e ditatorial fuga pra frente, cabe ao movimento feminista, como aos demais movimentos sociais, tomar as praças e ruas com suas bandeiras emancipacionistas, que devem consistir na negação de todos os construtos do capital.
Diante da perspectiva do medo, não se deve ter medo de nada!
Postado por celsolungaretti
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