domingo, 19 de novembro de 2017

O EQUÍVOCO DO MOVIMENTO FEMINISTA


"O valor é masculino, branco e ocidental"
(Roswitha Scholz, publicista alemã)

O movimento feminista teve e tem como bandeira referencial de sua luta o combate à discriminação da mulher pelo homem, como se esta questão estivesse preponderantemente circunscrita apenas a uma postura machista patriarcal consciente (que, contudo, existe).

Tal movimento está inserido na imanência capitalista, assim como todos os demais movimentos reivindicadores de direitos dentro da modernização capitalista. E passou a reivindicar historicamente as pretensas vantagens do macho (dizemos pretensas por se situarem existencialmente no invólucro segregacionista da forma-valor, estando, portanto, por ele contaminadas e depauperadas) como pretenso modo de obtenção de sua emancipação.    

A luta feminista se traduziu (e se traduz, até aqui) em maiores oportunidades de emprego para mulheres na atividade produtora de mercadorias; salário igual para o mesmo tipo de trabalho; participação em igualdade de condições na esfera política; combate à violência contra si; enfim, igualdade de tratamento conferido aos homens, estes últimos também vítimas da segregação social que a todos atinge, ainda que de modo heterogêneo. 

Tal foco reivindicatório, por mais legítimo que pareça ser, carece de consistência emancipatória, limitando-se à mendicância de direitos dos servos do trabalho abstrato (homens e mulheres produtores de valor) aos senhores do capital, ratificando o dito cujo ao invés de negá-lo. Assim, ainda que parte das reivindicações seja justa, elas não têm nada de consistente e definitivamente emancipatórias.
Este enfoque imanente à forma-valor torna inevitável uma disputa nefasta por hegemonia entre homens e mulheres. O capital mantém os indivíduos sociais em permanente oposição (ora explícita, ora dissimulada) aos outros indivíduos sociais, dividindo-os para reinar sobre todos eles. Isto se dá tanto no mercado de trabalho quanto na vida social e privada, como se fossem indivíduos ontologicamente antagônicos e destinados ao eterno conflito de interesses.
Foi graças à solidariedade grupal e ao sentimento gregário que nossos ancestrais longínquos sobreviveram a animais maiores e mais fortes do que eles, garantindo a sobrevivência da espécie. A socialização pela forma-valor representa uma violência à natureza humana e gera distorções como o pretenso e fratricida antagonismo homem/mulher. 

Ao patriarcado assumido das sociedades pré-capitalistas sucedeu o patriarcado velado do moderno sistema produtor de mercadorias em esferas separadas, em que ao homem foi reservado o papel de reprodução do valor por meio do trabalho abstrato, sua substância; e à mulher, as tarefas de reprodução da força de trabalho pela afetividade, maternidade, gerenciamento das tarefas domésticas, etc. 

Tal lógica faz com que o papel do homem prepondere sobre o da mulher, pois ao sistema produtor de mercadoria interessa sobretudo a reprodução do valor e não da vida, da qual faz uso oportunista e descartável (como ocorre agora com o ser humano, que, por haver-se tornado supérfluo na reprodução do valor, já que a tecnologia de produção microeletrônica o substitui com vantagem, está sendo condenado à morte). 

A negatividade contida na relação social forma-valor, sujeito autômato das sociedades mercantis, transforma tanto os homens como as mulheres em seus vassalos submissos, que apenas servem à realização do seu vazio fim em si. 

Agora o sistema produtor de mercadorias, como consequência de suas contradições internas, está no limite de sua capacidade auto-reprodutiva; isto aguça a crise da dissociação de gênero por ele mesmo provocada. 

Mais do que nunca os movimentos sociais, inclusive o feminista, devem pugnar pela superação da forma-valor, desobstruindo o caminho para o estabelecimento de uma relação vital, complementar e solidária entre homens e mulheres.   

O MUNDO DO MACHO ACABOU!

A moderna sociedade patriarcal produtora de mercadorias, enquanto modo fetichista de relação social, entrou em disfunção existencial e já não consegue ser nem precariamente eficaz como era no passado. 

Outrora, logrou desenvolver-se e manter-se dominante graças à violência (guerras, repressão militar); à exclusão social (ilhas de prosperidade e oceanos de miséria); e à segregação da mulher, à qual foi reservado um papel socialmente secundarizado e sub-repticiamente sacralizado de reprodução da vida como rainha do lar

Naquele contexto, o movimento feminista, juntamente com tantos outros movimentos de esquerda, sem o saber, sem o querer (ou, em alguns casos, conscientemente), reafirmou a forma-valor no seu invólucro do capital, seja no formato político liberal (democracias burguesas), seja no estatal (socialismo real). 

Agora, o mundo do valor (do macho) entra em acelerado e profundo processo de disfunção social, face à sua dessubstancialização pelo desuso substancial do trabalho abstrato na produção de mercadorias. 

Trata-se de um fato social que gera incapacidade reprodutiva de valor e tem, como uma de suas consequências, a de tornar evidente a falta de sentido contestatório das reivindicações de direitos imanentes a tal lógica destrutiva. 

Ditas reivindicações, por seu atendimento haver se tornado impossível graças à crise do capital (que, no mundo inteiro, cancela os direitos outrora concedidos), podem e devem ser feitas no sentido da afirmação da necessidade de ruptura com as categorias capitalistas fundantes: trabalho abstrato, dinheiro, mercadoria, mercado, estado, política, socialismo, democracia. Só assim, sob outra forma de relação social, poderão doravante ser atendidas. 

Faz-se necessária, neste sentido, um claro discernimento do que deve ser feito para a superação do eterno antagonismo homem/mulher (como, de resto, os remanescentes entre todos os indivíduos sociais  que foram tornados adversários entre si) engendrado pelo sistema produtor de mercadorias e suas categorias funcionais e institucionais. 
Angela Davis: mulheres deveriam combater também o capitalismo
 Além das acima referidas, são reivindicações históricas do movimento feminista:
Angela Davis: mulheres deveriam combater também o capitalismo

— o direito ao voto; 
— maior espeço na política; 
— espaço de ascensão funcional na vida pública e privada; 
— salário igual para idênticas tarefas profissionais; 
— reconhecimento dos direitos patrimoniais no casamento; 
— igualdade de tratamento no direito civil, etc.

Estas e outras reivindicações imanentes à lógica do valor evidenciam agora, com maior nitidez, seu anacronismo enquanto bandeiras contestatórias (que outrora foram, em boa parte, justas) e se tornam obsoletas juntamente com aquilo que lhe é subjacente: a sociedade do valor!           
A sociedade do valor, que é a sociedade do macho por excelência, sucumbe atualmente pelos seus próprios fundamentos contraditórios, e com ela sucumbe, também, o mundo do macho. 

Assim, já não cabe à mulher reivindicar direitos do macho e  reproduzir a sua dominação negativa substituindo-o nesse odioso papel, mas negar o próprio poder social de um gênero sobre o outro, superando radicalmente todos os construtos sociais do capital por uma nova forma de relação social, omnidimensional
PoDalton Rosado

Neste deprimente período de avanço do pensamento conservador, uma suicida e ditatorial fuga pra frente, cabe ao movimento feminista, como aos demais movimentos sociais, tomar as praças e ruas com suas bandeiras emancipacionistas, que devem consistir na negação de todos os construtos do capital.


Diante da perspectiva do medo, não se deve ter medo de nada!


Postado por 

Nenhum comentário:

Postar um comentário