quinta-feira, 10 de agosto de 2017

Distritão, distrital e porque alguns estão tão felizes com isto, por Fernando Horta

Distritão, distrital e porque alguns estão tão felizes com isto
por Fernando Horta
Dilma Rousseff iniciou 2014 falando em fazer uma reforma política profunda. Logo no início, ela tentou emplacar o decreto 8243, que nada mais era do que aumentar o nível de participação da democracia. Veja que antes do golpe tínhamos uma democracia representativa e estávamos lutando para passarmos para uma democracia participativa. Agora, lutamos por democracia, qualquer uma, para começar.
Se você pegar as propostas de Dilma em 2014 terá uma noção mais clara do motivo do golpe parlamentar. A discussão sobre a Reforma Política deveria ser feita de forma aberta, consultando-se as universidades, promovendo debates públicos e com grande cobertura da mídia. Está sendo feita às escondidas, por uma série de parlamentares mal preparados, mal assessorados e até mal-intencionados.
Afora a questão do Parlamentarismo, que não vou tratar aqui hoje, temos uma série de questões sendo colocadas, que envolvem muito conhecimento acumulado pela Academia e interesses nefastos de alguns políticos. O que impressiona é que na esteira da “anti-política”, que foi criada no Brasil com este proto-fascismo difuso, a população não esteja acordando para a importância das “reformas”. Na prática, dar carta branca a este congresso não é recomendável, haja vista as duas apresentações de gala que tivemos nas votações do impeachment de Dilma e da denúncia de Temer.
Agora surge a ideia do voto distrital e do “distritão”, e a maioria das pessoas não sabe exatamente o que é isto. A primeira pergunta é: o que é um “distrito”? E a resposta precisa vir antes de qualquer decisão sobre voto distrital. Distrito é uma demarcação política feita arbitrariamente que confina eleitores a decidirem entre si o seu representante. Um distrito pode ser um bairro, uma região da cidade ou um município. Tudo depende de como define-se isto. E esta definição não é sem importância.
Na figura abaixo, por exemplo temos três exemplos de eleição COM O MESMO NÚMERO DE VOTANTES (cada quadradinho representa um votante) e o MESMO NÚMERO DE VOTOS NOS DOIS PARTIDOS (azuis e vermelhos). E veja como podem ocorrer 3 resultados diferentes, bastando dividir os “distritos” de outra forma. No primeiro exemplo, na eleição sem os distritos, o azul ganha, mas a oposição vermelha leva 40% dos votos, podendo realmente incomodar.
No segundo exemplo, com os distritos divididos de forma horizontal, nos cinco distritos o azul ganha, NÃO DEIXANDO ESPAÇO PARA A OPOSIÇÃO, que não elege ninguém. Agora, no terceiro exemplo, pasmem, são divididos cinco distritos, de forma que os VERMELHOS ganham em três deles e os azuis somente em dois. No último quadro, portanto, o resultado da eleição não dá ganho a quem teve mais votos, mas quem teve menos. Assim, definir o que é um distrito é essencial antes de discutir o voto distrital.
A proposta do “Distritão” significa pegar os municípios e transformar cada um em um distrito. Mais ou menos como é hoje na questão da demarcação geográfico-política. Assim, a cidade de São Paulo será um distrito, a de Fortaleza será também, Campinas, Porto Alegre e assim por diante. Parece – apenas parece – que não mudaria muita coisa. Ocorre que em eleições distritais, quem tem mais votos ganha. Simples assim? Não.
Pode parecer simples, mas não é. Vamos a alguns exemplos. Imaginem uma cidade com cem eleitores e dez vagas para vereador. Vamos colocar a regra do “voto distrital”, com o aparentemente justo “quem tem mais votos ganha”. Temos um candidato de um partido que, por ser conhecido, amado, idolatrado ou apenas por ter o projeto que mais ajuda a população pobre ganha cincoenta votos. Ele está eleito com 50% dos votos válidos. As outras nove cadeiras vão ser preenchidas com candidatos que fizeram apenas 6 ou 5 votos cada. Na verdade, cinco candidatos que fizeram seis e quatro que fizeram cinco votos. Agora, imagine que este que fez 50 votos seja de um partido e tenha se elegido sozinho, nenhum outro do partido dele (que chamaremos de partido A) conseguiu se eleger. Já os cinco outros candidatos que se elegeram com seis votos cada são do mesmo partido (chamaremos de partido B) e os que se elegeram com cinco votos formam um terceiro partido que chamaremos partido C).
A composição da câmara da nossa cidade imaginária ficaria com o Partido B tendo cinco vereadores, o Partido C tendo quatro vereadores e o Partido A – mesmo tendo feito 50% dos votos – tendo apenas um vereador. Qual a chance do projeto ou das ideias daquele vereador que fez 50% dos votos serem implementadas na câmara? Nenhuma. Vejam que na fórmula do “quem tem mais voto ganha” 50 votos valem uma cadeira de vereador, da mesma forma que apenas 5 votos também valem!
Para resolver isto foi criado a ideia de “quociente eleitoral”. Isto significa que se o candidato de um partido fez 50% dos votos então o partido fez metade das cadeiras do parlamento. Assim entra o candidato mais votado do partido e outros quatro DO MESMO PARTIDO. O objetivo disto é evitar o “desperdício de votos”. Vamos entender isto. Se os eleitores do candidato que recebeu 50% dos votos soubessem da eleição, eles teriam dado apenas dez votos ao candidato (e com isto o teriam eleito) e votado em outros quatro, cada um com dez perfazendo uma bancada de cinco vereadores. Ou talvez pegassem os 50 votos e dividissem em quatro de oito votos e dois com nove, perfazendo aí uma maioria de seis vereadores!
Veja, que na regra de “quem tem mais voto ganha”, ocorrem muitos votos perdidos, desperdiçados. Votos dados a mais para candidatos que perdem sentido de representação e podem prejudicar a viabilidade do projeto que ganhou os votos. As minorias são claramente prejudicadas, pois se elas votam em massa num candidato, para garantir a representação, ficam com apenas este candidato. Se diversificam os votos, podem ficar sem nenhum.
Estas nuances, deveriam estar sendo discutidas, como inúmeras outras. De forma aberta. E não estão. Mesmo unificar as eleições ou usar lista aberta ou fechada tem implicações imensas que vão muito além de custo ou do “poder dos partidos” e que, de fato, não estão sendo discutidas. A verdade é que se você não for para a rua protestar, este parlamento vai fazer a reforma que melhor se adequar aos próprios interesses. E já deu mostra suficiente do quão vil este bando pode ser.

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