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Os textos defendem interesses patronais, sem
consenso com trabalhadores, protocolados por 20 deputados como se tivessem sido
elaborados por seus gabinetes
Alline Magalhães, Breno Costa, Lúcio Lambranho, Reinaldo Chaves:
Lobistas de
associações empresariais são os verdadeiros autores de uma em cada três
propostas de mudanças apresentadas por parlamentares na discussão da Reforma
Trabalhista. Os textos defendem interesses patronais, sem consenso com
trabalhadores, e foram protocolados por 20 deputados como se tivessem sido elaborados por
seus gabinetes. Mais da metade dessas propostas foi incorporada ao texto
apoiado pelo Palácio do Planalto e que será votado a partir de hoje pelo
plenário da Câmara.
The Intercept Brasil examinou as 850 emendas
apresentadas por 82 deputados durante a discussão do projeto na comissão
especial da Reforma Trabalhista. Dessas propostas de “aperfeiçoamento”, 292
(34,3%) foram integralmente redigidas em computadores de representantes da
Confederação Nacional do Transporte (CNT), da Confederação Nacional das
Instituições Financeiras (CNF), da Confederação Nacional da Indústria (CNI) e
da Associação Nacional do Transporte de Cargas e Logística (NTC&Logística).
O deputado Rogério Marinho (PSDB-RN), relator da
reforma na comissão especial formada em fevereiro para discutir a proposta do
governo, decidiu incorporar 52,4% dessas emendas, total ou parcialmente, ao
projeto substitutivo. Elas foram apresentadas por deputados do PMDB, PSDB, PP,
PTB, SD, PSD, PR e PPS – todos da base do governo de Michel Temer. Reforçando o
artificialismo das emendas, metade desses parlamentares que assinaram embaixo
dos textos escritos por assessores das entidades sequer integrava a comissão
especial, nem mesmo como suplente.
As propostas encampadas pelos deputados
modificam a CLT e prejudicam os direitos dos
trabalhadores. O texto original enviado pelo governo alterava sete
artigos das leis. O substitutivo de Rogério Marinho, contando com as emendas, mexe em 104 artigos, entre modificações, exclusões e
adições.
Não falta polêmica para meses de discussão
qualificada. Mas o governo decidiu encerrar o debate e colocar logo o projeto
para voto,em regime de urgência. Numa primeira tentativa, não conseguiu votos suficientes para acelerar a
tramitação. Mas, no dia seguinte (19 de abril), num movimento incomum, o
presidente da Câmara,Rodrigo Maia (DEM-RJ),
manobrou e conseguiu aprovar a urgência. Por ser um projeto de lei, se aprovado
pela Câmara, vai direto para avaliação do Senado.
O tom geral da reforma é que o que for negociado
entre patrões e empregados passa a prevalecer sobre a lei. O texto original
enviado pelo governo, no entanto, não deixava isso explícito. Falava que o
acordado teria “força de lei”, mas as empresas conseguiram emplacar emenda para
deixar essa força do negociado mais evidente. Com isso, a redação nesse ponto
passou a ser que os acordos “têm prevalência sobre a lei”.
As emendas aceitas também preveem restrições a
ações trabalhistas. Deputados encamparam pedidos das associações empresariais
para que o empregado, quando entrar na Justiça, passe a determinar o valor
exato de sua reclamação e que o benefício da Justiça gratuita somente seja
concedido àqueles que apresentarem atestado de pobreza. Ainda no campo da
negociação entre empregadores e empregados, apesar de o que for acordado ganhar
peso sobre a lei, ele não pode ser incorporado ao contrato de trabalho. O
objetivo é forçar novas negociações a cada dois anos.
Outro exemplo de vitória das empresas em suas
negociações no Congresso foi a incorporação da redução em 2/3 do valor do
adicional que é pago a trabalhadores que têm seus horários de almoço ou
descanso reduzidos – embora o Tribunal Superior do Trabalho tenha definido, por meio de súmula, que o valor a ser
pago pelas empresas deve corresponder ao triplo do tempo “comido” pela empresa.
As emendas aprovadas também eliminam a
necessidade de comunicação ao Ministério do Trabalho sobre casos em que houver
excesso de jornada. O argumento, escrito por representante da CNT e aceito por
parlamentares, é que “o empregado poderá recorrer à Justiça do Trabalho
independentemente de comunicação à autoridade competente”.
Relações
de gratidão
As
propostas agora defendidas pelos deputados provavelmente não estarão em seus
palanques ou santinhos nas eleições do ano que vem, mas certamente poderão ser
lembradas nas conversas de gabinete para acertar apoio a suas campanhas. Embora
o financiamento empresarial tenha sido eliminado, pessoas físicas ligadas ao
setor podem doar e, embora seja crime, ainda é difícil imaginar um cenário
próximo sem o
O vínculo de gratidão de parlamentares que
aceitaram assumir como suas as emendas preparadas por lobistas das entidades
empresariais é verificável pela prestação de contas da última campanha. Julio
Lopes (PP-RJ), Paes Landim (PTB-PI) e Ricardo Izar (PP-SP), que apresentaram
sugestões da CNF na comissão, receberam doações de Itaú Unibanco, Bradesco,
Santander, Safra, entre outras instituições financeiras. Desses, somente Landim
participava da comissão especial, e ainda assim como suplente.
O potencial conflito de interesse também aparece de forma clara no caso
de parte dos parlamentares que assinaram emendas da CNT. A começar por Diego
Andrade (PSD-MG), que, além de ter recebido doações de empresas que dependem de
logística adequada para o escoamento de suas produções, é sobrinho do
presidente da entidade, o ex-senador Clésio Andrade. O deputado apresentou 22
emendas à Reforma Trabalhista. Todas elas, sem exceção, foram redigidas por um
assessor legislativo da CNT. O deputado Renzo Braz (PP-MG) também chama a
atenção. Todas as suas 19 emendas foram preparadas pelo mesmo assessor. Além de
ser de família ligada ao transporte de cargas, sua campanha de 2014 foi bancada
majoritariamente por empresas do setor de transportes.
Uma das emendas idênticas apresentadas pelos dois
deputados mineiros, mas não acatadas pelo relator, previa que, por exemplo, se
um motorista perdesse sua habilitação, ele pudesse ser demitido por justa causa
pela empresa que o tivesse contratado. Da mesma forma que os colegas “amigos”
da CNF, Diego Andrade e Renzo Braz também não estavam entre os 74 integrantes
da comissão especial da Reforma Trabalhista.
Lobby informal
Numa visão condescendente, o que as entidades empresariais estão fazendo
no caso da Reforma Trabalhista e em outras situações menos visadas tem nome:
lobby. A atividade não é crime, mas também não tem regras definidas no Brasil.
Em países como os Estados Unidos, ela é regulamentada. No Brasil, há mais de
uma década o tema é alvo de discussão, com divisão de opiniões sobre a
conveniência da criação de regras. Uma vantagem é clara: isso traria mais
transparência para a atuação de grupos de pressão privados.
No dia a dia do Congresso, lobistas circulam
livremente entre gabinetes de deputados e senadores, quase sempre com o rótulo
de “assessor legislativo”, gerente de “relações governamentais” ou “relações
institucionais” de associações que reúnem grandes empresas – ou, por vezes,
representando diretamente uma empresa específica.
A legislação atual impede que eles apresentem emendas diretamente,
embora isso seja feito de maneira clandestina, como revela o levantamento do
The Intercept Brasil.
No regimento da Câmara, a determinação é que as emendas sejam apresentadas
somente por parlamentares. No mesmo documento, o artigo 125 dá poderes ao
presidente da Câmara para recusar emendas “formuladas de modo inconveniente” ou
que “contrarie prescrição regimental”. Não há notícia de que o mecanismo tenha
sido usado em algum momento para barrar emendas preparadas por agentes
privados.
Advogados consultados pelo The
Intercept Brasil divergem sobre a existência de crime a priori na produção de
emendas por agentes privados.
Advogados consultados pelo The
Intercept Brasil divergem sobre a existência de crime a priori na produção de
emendas por agentes privados.
“No caso do parlamentar, existe
uma injeção ainda maior de dolo e é evidente o crime de corrupção passiva,
justamente ao usar informações produzidas por uma entidade privada na esfera
pública”, afirma Rafael Faria, professor de Processo Penal na Universidade
Cândido Mendes, no Rio de Janeiro.
Segundo Faria, os parlamentares
deveriam produzir emendas e suas justificativas por meio dos seus assessores
contratados para trabalhar nos seus gabinetes, pagos com dinheiro público para
exercer esse papel de assessoramento técnico e jurídico.
“Existe uma vantagem indevida, não
sabemos qual é ainda, mas isso somente uma investigação poderá revelar. Mas que
há, não tem dúvida. Não importa se o deputado não recebeu dinheiro de doações
declaradas, é necessário que ele respeite as regras de compliance. Não trazer pareceres privados para a área pública”, argumenta.
Por outro lado, Carolina Fonti,
especialista em Direito Penal Empresarial e sócia do escritório Urquiza,
Pimentel e Fonti Advogados, acredita que é necessário verificar se houve
vantagem indevida em troca das emendas antes de enquadrar no crime de
corrupção.
“Mais uma vez verificamos que
processo legislativo pode enganar ou esconder interesse escusos da sociedade.
Identificada uma vantagem eventual, futura ou apenas prometida aos deputados,
podemos então ter o crime de corrupção”, afirma.
O senador Romero Jucá (PMDB-RR)
apresentou, no ano passado, uma PEC (47/2016) com apoio do governo para
regulamentar o lobby no país. No campo legislativo, sua proposta
prevê que lobistas possam apresentar emendas a projetos em tramitação no
Congresso. A tramitação está parada no Senado, aguardando designação de relator
na Comissão de Constituição e Justiça.
Criação e clonagem
Para chegar às 292 emendas redigidas pelas associações empresariais, The
Intercept Brasil examinou todas aquelas protocoladas até o fim de março –
antes, portanto, da apresentação do relatório de Rogério Marinho. Dentro dos
arquivos PDF com o conteúdo da emenda e sua justificativa técnica, há metadados
que indicam o “autor” original do arquivo, com a identificação do dono do
computador onde ele foi redigido.
Há os casos que seriam naturais
na atividade parlamentar, em que assessores do gabinete do deputado ou mesmo
consultores legislativos da Câmara são os “donos” do arquivo. Mas em 113 deles
o autor era um funcionário de uma das quatro entidades empresariais citadas na
reportagem. Esses mesmos textos e justificativas foram clonados, inclusive
mantendo eventuais erros de português, por outros parlamentares (veja aqui um
exemplo, envolvendo os deputados Rômulo
Gouveia (PSD-PB) e Major
Olímpio (SD-SP).
Em alguns casos, o dispositivo a
ser modificado na CLT era alterado, mas a justificativa permanecia exatamente a
mesma. Na maioria das reproduções, o autor constava como “P_4189”, indicando o
terminal de algum servidor do Congresso. Ou seja, um terminal específico serviu
como “copiadora” de emendas originalmente redigidas pelas associações e que
acabaram sendo apresentadas por diferentes deputados.
O parlamentar que mais assinou
emendas apresentadas por associações foi Major Olímpio, candidato a prefeito de
São Paulo nas últimas eleições e deputado do Solidariedade – partido fundado e
presidido pelo sindicalista Paulo Pereira da Silva, o Paulinho da Força, que é
justamente um dos principais opositores da reforma. Com discurso geralmente
pró-trabalhadores, Olímpio, no último dia 24, postou em seu Facebook um chamado
para sua base eleitoral:
Na Reforma Trabalhista, Major Olímpio apresentou 31 emendas – 28
delas escritas pelas entidades empresariais.
Mas nem tudo envolvia apenas
associações empresariais. Há casos de deputados que defenderam emendas de
interesse dos trabalhadores, mas preparadas também por entidades externas que
atuam na defesa desses interesses. Ao menos 22 emendas foram redigidas pelo
presidente da Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho, Angelo Fabiano
Farias da Costa. Elas foram encampadas por parlamentares do PT, PC do B, Rede e
PDT, que têm posições majoritariamente contrárias ao governo Temer.
Também há emendas cujo autor
original, nos metadados dos arquivos, consta como TST – presumidamente o
Tribunal Superior do Trabalho, inclusive considerando o conteúdo das emendas.
Nesse caso, foram 11 emendas com essa autoria, todas apresentadas pela deputada
Gorete Pereira (PR-CE) e com conteúdo restritivo aos atuais direitos previstos
na CLT. O presidente do TST, ministro Ives Gandra Martins Filho, é um dos
entusiastas da tese do “negociado acima do legislado” e já foi apontado como
artífice da Reforma Trabalhista apresentada pelo governo Temer.
As lições da Lava Jato
Os dados cruzados pelo The Intercept Brasil vêm de um modus operandi
coincidente com o do esquema de corrupção revelado na Lava Jato e comandado
pela Odebrecht – que, aliás, também era representada por uma associação
empresarial, a Aneor (Associação Nacional das Empresas de Obras Rodoviárias),
nos assuntos de interesse do Legislativo. Um dos delatores e ex-diretor da
empresa, José de Carvalho Filho era dirigente da associação.
Os delatores revelaram em seus depoimentos
aos procuradores que a relação corrupta construída com parlamentares envolvia,
entre outros aspectos, a apresentação de emendas como contrapartida ao apoio
financeiro já dado previamente ou como condição para colaborações financeiras
futuras. É a promessa que, na avaliação da Procuradoria-Geral da República,
caracteriza o crime de corrupção nos casos da Lava Jato. Um dos casos mais
explícitos nesse sentido foi o de Romero Jucá, que apresentou quatro emendas preparadas pela Odebrecht à Medida
Provisória 255 para que a petroquímica do grupo fosse beneficiada com redução
de impostos.
Uma planilha organizada por
Benedicto Júnior, outro delator, e apresentada ao Ministério Público detalhava montantes repassados a dezenas de políticos. Em um dos campos
dessa planilha estava discriminado o motivo dos pagamentos. Uma das categorias
apontadas no documento era “disposição para apresentar emendas/defender
projetos no interesse da Companhia”. Um desses políticos, um deputado de codinome
“Cintinho”, era Mauro Lopes (PMDB-MG), que agora aparece entre os parlamentares
que se mostraram dispostos a assinar emendas de entidades privadas. No caso de
Lopes, foram 24 assinaturas em documentos preparados previamente pela CNT e
também pela associação das empresas de transporte de cargas.
O sigilo sobre as delações foi
derrubado em 12 de abril. Na sequência, a imprensa, incluindo o The Intercept
Brasil, publicou diversas reportagens sobre esse troca-troca promíscuo entre
parlamentares e empresas privadas para a defesa de interesses comerciais no
Congresso. A exposição dessa relação no mínimo controversa não impediu,
contudo, que a CNF, a confederação dos banqueiros, usasse uma funcionária para
entregar, no dia 19 de abril, no gabinete do deputado Antônio Bulhões (PRB-SP),
ao menos seis emendas para serem assinadas e apresentadas por ele contra pontos
do relatório da reforma.
“Sugestões pertinentes”
O deputado Julio Lopes (PP-RJ) afirma que “a emenda sugerida” pela CNF
“veio de encontro com tese já defendida anteriormente pelo parlamentar”.
Disse ainda, em nota, que “recebe diariamente sugestões de propostas
legislativas tanto de instituições como de cidadãos que pretendem contribuir
para avanços no país”.
Major Olímpio, recordista de
emendas apresentadas a partir das associações, afirma que sua função, como
parlamentar, é “manifestar o anseio de todos os setores da sociedade”.
“Apresentei emendas à reforma trabalhista, conforme meu entendimento sobre o projeto
e outras conforme eu fui procurado e convencido da necessidade que o teor fosse
colocado em debate”, escreveu o parlamentar, em nota.
Diego Andrade (PSD-MG), que
apresentou somente emendas escritas pela Confederação Nacional do Transporte,
disse que “as sugestões que acho pertinente, seja de projetos ou emendas, faço
sempre uma análise jurídica e técnica, e apresento com convicção”. Acrescentou
que “nosso gabinete continuará aberto a sugestões diversas, mas antes de
apresentá-las sempre farei uma análise do mérito e nossa equipe uma análise
técnica e jurídica”.
Rômulo Gouveia (PSD-PB) negou
“veementemente” que “emendas, por mim apresentadas, foram elaboradas fora do
meu gabinete”. Segundo ele, todas as suas emendas foram “discutidas e
analisadas por minha assessoria técnica” e “confeccionadas no meu gabinete no
dia 22 de março”. Contudo, no exemplo citado na reportagem, emenda idêntica
apresentada por Major Olímpio foi protocolada cinco dias antes.
Gorete Pereira (PR-CE) nega que
tenha apresentado emendas de autoria das entidades. Diz que, se elas estão
coincidindo na redação, “eu não sei responder [a razão]”. “Respondo por todas
que representei por achar que são importantes para a modernidade do Brasil”,
disse.
Renzo Braz (PP-MG) e Paes Landim
(PTB-PI), também citados diretamente nesta reportagem, não retornaram o contato
até a publicação. Procuradas, nenhuma das entidades empresariais citadas
comentou o teor da reportagem até o momento da publicação. Caso se manifestem,
seus posicionamentos serão devidamente registrados.
Colaboração:
Bruno Pavan, Jéssica Sbardelotto e Rodrigo Menegat
Créditos da foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
Fonte: Carta Maior
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