domingo, 16 de abril de 2017

EDUCAÇÃO: O fim do Ciência Sem Fronteiras adia a internacionalização das universidades

Luis
Luis de Paula, oportunidade única
por Thais Paiva
O programa tinha erros, mas seu encerramento ignora os benefícios que gerou, e vai gerar, ao País
Não fosse o Programa Ciência Sem Fronteiras, estudar em outro país e ter a oportunidade de aprender com professores e colegas de uma universidade de excelência internacional teria sido só um sonho para Luis de Paula, 26 anos, que estudou toda a vida em escola pública. “Sempre quis muito, mas minha família não teria dinheiro para bancar.”
A oportunidade veio quando o estudante cursava Engenharia Biomédica na Universidade Federal do ABC, em Santo André, na região metropolitana de São Paulo. De Paula ganhou uma bolsa de graduação-sanduíche para estudar na Universidade de Strathclyde, na Escócia. “Foi uma experiência incrível, decisiva para minha formação acadêmica e profissional.”
Outros quase 100 mil universitários foram beneficiados pelo programa de internacionalização acadêmica para áreas consideradas prioritárias – engenharias, ciências exatas, biomédicas e saúde – criado em 2011 pelo governo de Dilma Rousseff e que agora chega ao fim para a modalidade da graduação. O Ministério da Educação anunciou que, a partir deste ano, o programa se destinará apenas aos cursos de pós-graduação, como mestrado, doutorado e pós-doutorado.
Por meio de nota, o MEC afirmou que a atual gestão encontrou o programa com dívidas elevadas e concluiu ser alto o gasto para manter os alunos de graduação no exterior. “Eram 35 mil bolsistas de graduação a um custo médio de 100 mil reais por ano, enquanto o custo anual da merenda escolar, por aluno, é de 94 mil. Só em 2015, o Ministério destinou 3,7 bilhões de reais para manter o Programa Ciência Sem Fronteiras, o mesmo valor investido na merenda escolar de 39 milhões de alunos da Educação Básica no País.”
No lugar, o governo Temer promete implementar em 2018 o “Mais Ciência, Mais Desenvolvimento”, voltado para doutorado, pós-doutorado e docência.
Em um cenário em que as universidades de excelência adquirem contornos cada vez mais cosmopolitas e a mobilidade acadêmica se torna um imperativo, o desmonte do maior programa de internacionalização brasileiro é lamentado pela comunidade científica.
“É trágico constatar que, para o atual governo, educação, ciência e tecnologia são gastos e não investimentos. É uma falta de visão estratégica. O País está na contramão do que o mundo moderno está fazendo, isto é, investir na economia do conhecimento”, critica Helena Nader, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência e professora da Unifesp, que ilustra seu argumento com o exemplo da China.
“Há 20 anos, o Brasil estava na frente da China e hoje isso mudou, porque esta passou a investir em suas universidades, professores e alunos.” No ranking mundial das cem melhores instituições de Ensino Superior do QS World University Rankings, três universidades são chinesas e nenhuma brasileira.
A falta de conhecimento sobre os benefícios que o programa gerou e ainda vai gerar a longo prazo contribui para o fim do programa, na opinião de José Celso Freire Junior, assessor de Relações Externas da Unesp.
“São milhares de brasileiros que saíram da universidade pública com experiência internacional e vão integrar o mercado de trabalho com habilidades multiculturais, importantíssimas para a competitividade.” Freire também critica a justificativa dada pelo MEC para o encerramento. “É insensato comparar custo com merenda ao custo com mobilidade acadêmica. São coisas incomparáveis, que servem para objetivos diferentes.”
O lamento pelo fim do Ciência Sem Fronteiras não elimina as críticas aos erros do programa. Além do alto custo por aluno, as universidades reclamavam da falta de diálogo e articulação curricular com as congêneres do exterior para a obtenção de equivalência de créditos.
Alguns dos 100 mil bolsistas do programa

A falta de domínio de línguas estrangeiras dos bolsistas também virou alvo. Em 2013, Portugal foi excluído das opções de destino. O país era o segundo local mais visado, atrás apenas dos Estados Unidos, por motivo que pouco se relacionava com a qualidade das universidades portuguesas e muito com a falta de domínio dos estudantes de um segundo idioma.
Para Isaac Roitman, professor emérito da Universidade de Brasília e integrante da Academia Brasileira de Ciências, as críticas se relacionam, em grande parte, ao tamanho do programa, que se revelou ambicioso demais.
“Acho um retrocesso o desmonte do Ciência Sem Fronteiras, mas é verdade que ao selecionar milhares e milhares de alunos o programa perdeu o foco. Alunos despreparados e universidades de qualidade inferior acabaram contemplados”, diz o professor, que acredita que o programa teria resultados mais efetivos se fosse menor e envolvesse uma seleção mais rigorosa. “Assim, cada estudante poderia ter um tutor na sua universidade de origem que acompanharia seu desenvolvimento acadêmico.”
Adilson de Oliveira, professor titular do Departamento de Física da Universidade Federal de São Carlos e vice-reitor entre 2012 e 2016, concorda. “No modelo antigo, praticamente as universidades brasileiras não tinham um contato direto com as que recebiam os nossos estudantes. O fim do programa, em um momento de poucos recursos para pesquisa e para universidades, era inevitável.”
O professor discorda, porém, da afirmação de que os estudantes não usufruíam das oportunidades acadêmicas. Para ele, muitos tiveram excelente aproveitamento e a oportunidade de estudar no exterior, sem dúvida, valorizou muito a formação.
“Tenho o exemplo de um estudante meu de iniciação científica que participou do programa em uma universidade americana. Ao terminar a graduação, ele foi diretamente para o doutorado e como tinha essa experiência internacional pôde facilmente participar de um estágio de um ano na França.”
O fim brusco do programa, sem um debate prévio com as universidades, só contribui para o aumento da irrelevância do Brasil no cenário internacional. 
Fonte: Carta Capital

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