segunda-feira, 19 de setembro de 2016

Moara Correia assume e a UNE terá a primeira mulher negra como presidenta

A estudante de engenharia da UFMG assume o cargo temporariamente enquanto Carina Vitral cumpre compromissos eleitorais
Em razão dos compromissos eleitorais da presidenta da UNE, Carina Vitral, que é candidata à prefeita de Santos (SP), a entidade anuncia oficialmente o nome da sua vice, Moara Correia, para assumir a presidência temporária da União Nacional dos Estudantes.
O Estatuto da UNE, aprovado no 51º Congresso da UNE em 2009, prevê que é atribuição do vice-presidente auxiliar o presidente.
Para Moara, estar à frente da UNE neste momento é especial porque a juventude vem sendo protagonista em diversos espaços.
“Estou assumindo temporariamente, porque a nossa presidenta, a Carina, está como candidata. Não adianta a gente ir pra rua dizer que quer mulheres, negros e jovens na política e chegar na época da eleição votar só em homem branco e mais velho. São dois projetos que se juntaram, a popularização da universidade que permitiu que tivesse uma vice-presidenta mulher – a 1ª depois da redemocratização – e um processo da juventude ocupar mais lugares na política que faz com que a Carina saia para concorrer a uma prefeitura e eu possa ocupar esse lugar”.
Moara tem 26 anos e é estudante de Engenharia Civil da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Ela é a terceira mulher na linha de sucessão da entidade. Em 2015 a pernambucana Vic Barros passou a presidência para a paulista Carina Vitral que Moara substitui agora. Pela primeira vez, em 79 anos desde a sua fundação, a União Nacional dos Estudantes terá à frente uma mulher negra. Antes dela, outra mulher negra chegou à vice-presidência, a estudante de Letras da USP, Helenira Rezende, assumiu esse cargo em 1968. Helenira foi perseguida e assassinada pela ditadura militar.

QUEM É MOARA?

Filha de pais militantes da Juventude Operária Católica, nascida em Recife (PE) e criada em Contagem (MG), a porta de entrada na universidade para Moara foi como ProUnista na PUC-MG, no curso de Engenharia Civil. Sobre a escolha do curso, ela diz que achou na engenharia uma “forma concreta de ajudar as pessoas”.
Nessa época, o cotidiano dela era como a da maioria dos jovens brasileiros: trabalhava o dia todo em projeto social onde dava aulas de musicalização para crianças, de lá saia correndo para a aula a noite. “Eu estava sempre muito cansada e faltava tempo para a política”.
Foi pelas mãos do movimento de mulheres e de negros que Moara chegou ao movimento estudantil. Ela lembra que sempre participou do movimento social e que o ensino médio quando estudou no CEFET, onde ‘todo mundo participava de alguma coisa’ seja do esporte, do coral ou do grêmio, foi um momento muito importante na vida dela. “ Foi quando eu passei a me reconhecer mais, quando parei de alisar o cabelo, quando participava de várias atividades”.
Foi nessa época que ela ajudou a construir o 1º Fórum Nacional da Juventude Negra aos 17 anos e participava de um grupo de percussão chamado As Chicas da Silva.
“Eu sou de uma família negra, que sempre se reconheceu negra e sempre militou por isso”.

MOVIMENTO ESTUDANTIL 

Em 2011 uma amiga a convidou para participar do 4º Encontro de Mulheres Estudantes da UNE em Salvador. “Um espaço só de mulheres onde tudo era construído por consenso, foi totalmente diferente da ideia que eu tinha do movimento estudantil – sempre tive uma visão que o ME era muito burguês, muito branco – voltei de lá muito mais feminista”, conta.
O segundo espaço em que ela se encontrou dentro do movimento estudantil foi o Encontro de Negras e Negros da UNE, em 2012, também realizado em Salvador.
Mas foi a pluralidade de forças políticas e a convicção que cada um defendia suas ideias, durante o 14º Conselho Nacional de Entidades de Base, o Coneb, em 2013, no Recife, quando ela decidiu fazer parte da UNE.
“Eu nunca vou esquecer quando entramos no ginásio, o que vi foi um mar de jovens que acreditavam tanto na política que construíam, que defendiam suas opiniões com empolgação, tinha muita divergência, mas estavam todos construindo juntos o mesmo espaço, de uma forma muito irreverente. Pensei: cara, que legal, eu quero construir essa entidade”.
Seis meses depois ela já era Secretária geral da UEE de Minas Gerais e depois a UNE. Por meio do Enem, ela mudou para Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), onde é cotista do 7º período de Engenharia Civil.
“A minha família é muito fruto das políticas públicas dos últimos 10 anos de governos de esquerda. Eu acho que isso me mobiliza até mais a lutar com tudo isso que está acontecendo, meus dois irmãos também fazem engenharia na UFMG por cotas, minha mãe é cotista e bolsista do ProUni e meu pai é estudante do Fies em uma faculdade particular agora depois dos 50 anos” .

“A CARA QUE A UNE TEM HOJE É A QUE LUTAMOS MUITO PARA CONSTRUIR”

Para Carina Vitral, é muito simbólico neste momento que estamos vivendo no país a UNE ter a primeira presidenta negra. “ A UNE conquistou inúmeros avanços nos últimos anos junto com o nosso país e a nossa gestão é a prova disso. Estamos marcando a história com muitas primeiras vezes e termos a Moara, mulher, negra e feminista na nossa linha de frente é a certeza que estamos no caminho certo”, destacou.
Moara concorda. “Tivemos vários avanços nos últimos treze anos e agora temos que barrar os retrocessos que estão acontecendo e garantir que essas pessoas, que somos nós, não saíamos dos espaços que a gente ocupou”.
A agora presidenta temporária também afirma que “não é mais uma exceção na UNE”. Ela também ressalta que a gestão 2015/2016 é muito feminina e feminista, desde a direção executiva até as UEEs.
“É também a gestão mais negra que já tivemos, é a primeira vez que temos companheiras trans na diretoria, somos uma gestão muito popular, com pessoas de universidades particulares que antes não víamos muito no ME, então ter uma presidenta que é mulher e negra é a coroação desse processo que a UNE construiu, de democratização da universidade, que obrigou a democratização do ME. Porque os universitários hoje não são mais só de classe média e brancos, não são mais só os homens que participam da política, as mulheres começaram nos DAs, nos DCEs e hoje são dirigentes das entidades”. E ressalta: “a cara que a UNE tem hoje é a que a gente lutou muito para construir.’
Moara é consciente do processo histórico que trouxe ela para a representação máxima dos estudantes brasileiros. “Se estou aqui é porque a juventude negra no movimento estudantil falou ‘eu quero me ver representada na UNE, eu quero construir essa entidade como um dia eu quis, mas eu quero ver a minha cara nela’. Não só a juventude negra, mas como as mulheres”.
A defesa pelas políticas de democratização da universidade também está sempre destacada na fala da estudante de engenharia.
“Eu não estaria na universidade se não existisse Enem, ProUni, cotas. Meus pais não têm curso superior, então eu enxergar este espaço como algo que eu poderia conquistar foi também fruto de muita luta de vários movimentos sociais para que isso pudesse acontecer”.

RADICALIZAR NO “FORA TEMER!” E PELAS “DIRETAS JÁ!”

Sob o comando da UNE, Moara destaca que é preciso esclarecer o país do estado de exceção que estamos vivendo. “Tiraram uma presidenta sem ter crime de responsabilidade, estão prendendo as pessoas por convicção e não por provas”.
Para ela, a luta central é conseguirmos restabelecer a ordem democrática no país.
“O povo tem que decidir qual é o rumo que o país tem que tomar porque não existe construção de política pública sem o restabelecimento da ordem democrática, não existe construção de nenhum avanço”.
Na educação ela ressalta que o governo golpista já disse bem ao que veio quando escolheu o Mendonça Filho para a pasta.
Desde que assumiu o MEC, o ministro do DEM tem imposto uma agenda de retrocessos cada vez mais nefasta para os estudantes. Já foi anunciado fim de uma parte do programa Ciências Sem Fronteiras, Fies, do Pibid, os 45% de cortes no setor no próximo ano e até mesmo a gratuidade da universidade pública foi ameaçada.
“Não temos como sequer negociar com este governo, por isso a nossa luta central é o Fora Temer”, pontua.
“Todo dia é uma novidade que ameaça nossos direitos. É um governo que não aceita e não admite a entrada na universidade de pessoas como eu, da classe trabalhadora, mulher, negra, cotista” denuncia.
Para a presidenta temporária, a grande tarefa da UNE é garantir as nossas conquistas e tornar a educação um espaço de resistência a estes retrocesso e, principalmente, contra o governo golpista.
Ela propõe que os comitês formados nas universidades contra o golpe se reorganizem e mobilizem as Diretas Já e que a UNE como um todo se incorpore às lutas gerais do movimento social. “Tem sido um acerto grande nesse período a nossa união às frentes Brasil Popular e Povo Sem Medo”, avalia.
Moara ainda ressalta que é preciso reforçar essas mobilizações conjuntas. “No dia 22, por exemplo, está prevista o início da construção de uma greve geral, para os trabalhadores pararem as fábricas e os estudantes pararem as universidades, assim como as ocupações urbanas vão parar as rodovias. A UNE tem que se incorporar a este momento, da juventude radicalizar e dizer que nós não topamos um governo que quer destruir a nossa educação”.
Fonte: UNE

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