sexta-feira, 22 de julho de 2016

DEM e PSDB na educação é retorno à era FHC: focalizar e privatizar

Para o economista e educador Sérgio Haddad, a aliança entre DEM e PSDB na área da Educação, reeditada por Michel Temer (PMDB-SP), é um retorno aos tempos de Fernando Henrique Cardoso (PSDB-SP). Segundo ele, o conceito de um modelo educacional público, sistêmico e universal cede espaço, no governo interino, a um processo de focalização da ação do Estado em determinados níveis de ensino, deixando os demais à iniciativa privada.

Sérgio Haddad participou na última segunda-feira (20) do seminário "Austeridade contra a Cidadania", em São Paulo. Na atividade, ele avaliou que a nova gestão do ministério – encabeçada pela dupla Mendonça Filho (DEM) e Maria Helena Guimarães (PSDB) – deve caminhar no sentido oposto dos governos de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff. 

“A ideia sistêmica e universal da oferta pública e gratuita da educação se rompe, com a privatização de um lado e a focalização do outro (...) Essa lógica predominou nos governos FHC e deve se repor nesses tempos de restrição orçamentária”, disse. 

O educador destacou que cada nível de educação está diretamente integrado ao outro e, portanto, priorizar um em detrimento dos demais seria uma estratégia equivocada.

“Você não pode priorizar só o ensino fundamental, porque você precisa de professores para trabalhar no ensino fundamental, então você depende da universidade para fazer isso. Todos sabemos também que a educação infantil é imprescindível para no bom desempenho no ensino fundamental, assim como a educação de adultos, a educação dos pais, tem papel importantíssimo para o desenvolvimento dos alunos que estão nos cursos secundários”, exemplificou.

Haddad citou que, hoje, 80% da população é atendida pelo ensino público, tanto nos na educação fundamental como no ensino médio. Já no nível superior, essa relação se inverte. 



Privatização
De acordo com ele, a sinalização de que deverá se aprofundar a privatização do ensino superior pode ser percebida tanto pela “crescente presença do setor privado nas estruturas que definem as políticas de educação”, quanto pelos debates travados na mídia.

Ele deu como exemplo artigo de Alexandre Schneider, ex-secretário municipal de Educação de São Paulo, na Folha de S. Paulo. No texto, ele defendeu que “chegou o momento de discutir com a sociedade brasileira a cobrança de mensalidade nas universidades públicas”.

No artigo, Schneider prega que é preciso focar os esforços do Estado na educação básica, argumentando que “o país gasta hoje cerca de R$ 22 mil por aluno/ano no ensino superior público, enquanto o básico recebe R$ 5.500 aluno/ano”.

Sérgio Haddad rebateu a alegação, e disse que, além de o dado ser falso, não se pode comparar o ensino básico com o superior. Ele ressaltou ainda que o país investe, por aluno, menos que a média dos demais países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

Em 2012, foram gastos US$ 3.441 por estudante da rede pública brasileira, do ensino básico ao superior, montante que corresponde a 37% da média dos 34 países que compõem a OCDE, que é de US$ 9.317. “O investimento em educação é central, sob o ponto de vista de se pensar o direito à educação na perspectiva universal”, afirmou Sérgio Haddad.

“Evidentemente, a focalização vai levar à privatização”, apontou, destacando os efeitos que a PEC 241 – que limita o crescimento dos gastos públicos à variação da inflação do ano anterior –, terá na educação. “É nítido que isso vai afetar os recursos para a manutenção e o desenvolvimento da educação”, disse.

Ele previu que, se aprovada a PEC, será impossível manter a vinculação constitucional de um percentual mínimo de recursos para a educação. Hoje, a Constituição determina que o governo federal destine à educação 18% da receita líquida dos impostos, já descontado o percentual transferido a estados e municípios. “É impossível manter a vinculação com a PEC aprovada”, avaliou, prevendo queda nas verbas destinadas à área.

Diversidade fora do currículo

Para além da lógica da focalização e da privatização, o economista e educador criticou também outro tipo de mudança, um retrocesso no que diz respeito à educação que ultrapassa a sala de aula.

“A ideia da diversidade aparentemente vai sumir do mapa. Isso se reflete na fotografia inicial do ministério do governo Temer. Aquela foto [sem mulheres, negros, índios e jovens] faz parte do DNA do governo. Colocar a questão racial, de gênero, dos direitos humanos sob o Ministério da Justiça é realmente baixar o sarrafo no tema da diversidade”, disse, referindo-se à reforma administrativa promovida pelo governo interino.

De acordo com Sérgio Haddad, a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi) do Ministério da Educação foi a primeira a ter praticamente todos os seus membros afastados.

“A ideia de uma educação contínua, ao longo da vida, será reduzida à ideia de uma educação exclusivamente escolar. Pensar a educação sob o ponto de vista daquilo que vai além da escola, aquilo que diz respeito à formação da cidadania, no sentido de atender à ideia de diversidade, uma educação relativa às relações de gênero, raciais, pensada sob o ponto de vista dos direitos humanos, isso vai desaparecer”, previu.

Para ele, caso se concretize essa investida contra a educação voltada para os direitos humanos, será uma “clara violação de direitos”, uma vez que essa orientação é algo que está gravado não apenas na Constituição, como na Lei de Diretrizes e Bases, na Lei Maria da Penha e nas diretrizes curriculares, por exemplo. “O rompimento desse direito, que está colocado sob o ponto de vista da legislação vinculada à Educação, claramente está se mostrando nesse momento atual”, disse.

Escola Sem Partido
O educador teceu também críticas a projetos como o Escola Sem Partido, que ganha espaço durante o governo provisório. Na sua avaliação, a iniciativa ameaça a liberdade de expressão e a própria ideia de ciência. A proposta do programa é monitorar o que os professores dizem em sala de aula, alegando que há uma doutrinação política e ideológica ocorrendo nas escolas do país.

A página do Senado na web, a E-Cidadania, abriu consulta pública a respeito do Projeto de Lei 193, que de autoria do senador Magno Malta (PR-ES), da bancada evangélica, que pretende incluir entre as diretrizes e bases da educação nacional as propostas do Escola Sem Partido. Até o fechamento desta reportagem, o resultado da enquete estava em 155.492 votos a favor e 169.161contra o PLS.

Sérgio Haddad destaca que projetos semelhantes estão em discussão ou foram aprovados em casas legislativas de municípios e estados brasileiros, algo que ele considera extremamente preocupante.

“Estamos diante não só de uma reforma do ensino, mas de uma ameaça terrível à liberdade de expressão e, mais que isso, à própria ideia de ciência, de construir conhecimento, à participação dos alunos na sala de aula, a toda uma ideia de questionamento sobre os conteúdos que são ensinados, de participação de alunos e professores no processo e ensino e aprendizagem. Isso é um retrocesso absoluto”, condenou.

De acordo com ele, o projeto parte da ideia de “desideologizar” o sistema de ensino, “como se isso fosse possível”, eliminando, na verdade, o pensamento crítico e tratando o professor “como um mero veiculador de certos conteúdos”, algo que “faria com que [o educador] Paulo Freire se revirasse no caixão”, opinou.

Esvaziando o papel do professor
Segundo o economista, o processo de privatização que deverá ser acelerado no governo provisório não se dá só pela presença da iniciativa privada nas instituições de ensino, mas também no que diz respeito aos materiais utilizados em sala de aula.

“Há um movimento extremamente importante, que se dá no plano municipal, através dos sistemas apostilados, que são vendidos pelas editoras junto às secretarias municipais de Educação. Elas entregam esse material, junto com toda uma assessoria, com aulas para professores, de maneira a esvaziar o programa nacional do livro didático, que é um programa importantíssimo – de seleção e compra de material didático pelo governo federal, distribuído gratuitamente para todas as escolas públicas”, explicou.

Segundo ele, essas apostilas “penetram nas escolas com a mesma lógica de esvaziamento do papel do professor, que passa a ser meramente um aplicador desse material. Note-se a similaridade desta lógica economicista – em que você tem um conteúdo, uma verdade a passar para os seus alunos – com a ideia da Escola Sem Partido, entendo o aluno como um mero receptor de conteúdos, que deve devolver resultados nas provas feitas poe esses próprios sistemas”, criticou.

“Eu diria que estamos diante de um processo que é de focalização sobre determinados níveis de ensino, privatização dos demais, aceleração de uma lógica de condenação e vigilância sobre o papel do professor sob o ponto de vista ideológico, com controle da ação dele na sala de aula. E que faz parte dessa aliança entre setores fundamentalistas que estão no poder, junto com setores privatistas, na conformação de algo que preocupa muito os educadores que se importam com o sistema público de educação”, resumiu.

Promovido pela Plataforma Política Social e o Le Monde Diplomatique Brasil, o seminário Austeridade contra a Cidadania integra o projeto Governo Sem Voto e analisou a atual conjuntura e o impacto das reformas propostas por Temer e seu ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, na desestruturação das políticas públicas. Participaram do debate, além de Sérgio Haddad, o ex-ministro da Saúde José Gomes Temporão e os economistas Sérgio Gobetti e Eduardo Fagnani, responsável pela mediação.

 Por Joana Rozowykwiat, do Portal Vermelho

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