sábado, 7 de novembro de 2015

Ajuste tucano em SP afeta em cheio a vida de milhares de pessoas


A pretexto de pre­parar es­co­las para atender a “demandas específicas” conforme as faixas etárias, e em tese melhorar o ensino na rede pública, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), resolveu fechar 94 escolas em 36 municípios distribuídos pela Região Metropolitana, litoral e interior, e extinguir o ensino noturno, inclusive dedicado à suplência, no conjunto da rede. Isso sem consultar quaisquer setores da sociedade, apenas algumas diretorias de ensino.

A salvação dessas unidades está agora nas mãos de prefeitos. A decisão de Alckmin prevê que parte da lista já está liberada para ser assumida por prefeituras – se isso não acontecer, a escola será fechada.

Para justificar o desmonte, a Secretaria da Educação pretende fazer funcionar, já no começo do próximo ano, 2.197 escolas em ciclo único. Dessas, 799 receberão apenas o ensino médio, 832, os anos iniciais do ensino fundamental e 566, os anos finais. Há 315 que continuarão oferecendo ensino fundamental e médio. Nessa primeira etapa, não serão “reorganizadas” 2.635 unidades. Deverão ficar para as próximas fases do processo de “reorganização”, a partir de 2017, colocando em risco grande parte delas.

Alckmin alega que as escolas serão “cedidas” aos municípios porque “sobram vagas no ensino fundamental e médio e faltam em creches e Emeis (escolas municipais de educação infantil)”. Mas ensino infantil não é responsabilidade dos estados, conforme a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), e sim dos municípios. O governo que se omite em repassar recursos aos municípios para complementar o financiamento do setor, conforme determina a Constituição, ainda não procurou os prefeitos para discutir o destino das escolas, que teriam de ser adaptadas às necessidades de crianças de até 5 anos.

“Acompanhamos tudo pelos jornais, pelo Diário Oficial. Não fomos procurados. Temos grande demanda por creches e pré-escolas, mas as escolas que deverão ser transferidas, segundo noticiado, não atendem à nossa necessidade. São grandes, para atender a alunos do ensino médio. E as condições desses prédios são as piores no município, que teria de investir pesado para atender de forma digna a população”, diz o secretário da Educação de Santo André, Gilmar Silvério.

Desmentidos

Era de se supor um momento de desmobilização dos professores, voltados à reposição de aulas após uma greve de três meses, e dos alunos, preocupados com o Exame Nacional do Ensino Médio, o Enem. Pode ter sido esse o raciocínio do secretário estadual da Educação, Herman Voorwald, quando anunciou, em 23 de setembro, o projeto autoritário. O Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp) começou a divulgar informações recebidas das escolas que estariam na lista de Herman. Assim como escondeu a crise no abastecimento de água e a violência de sua polícia durante a campanha eleitoral, Alckmin negou o fechamento. Não colou.

O estado foi tomado por manifestações estudantis e de professores apoiadas pela comunidade. O movimento começou com debates internos e protestos no entorno de escolas da capital, da Região Metropolitana e do interior, e ganhou grandes centros. A mais recente, em 29 de outubro, o Grito pela Educação, levou milhares de pessoas à Avenida Paulista. Duas semanas antes, o Ministério Público abriu inquérito. Iniciativas começaram a ser tomadas também nas Câmaras Municipais e na Assembleia Legislativa.

Santo André, no ABC paulista, tinha seis escolas na lista de Herman. A grande pressão estudantil não comoveu o governo, que vai fechar a Professor José Augusto de Azevedo Antunes, na região central, e a Valdomiro Silveira, no Jardim Silvana, próximo ao município vizinho de Mauá. Mas foi vitoriosa ao impedir que o Américo Brasiliense fosse transformado em posto do Poupatempo. Os colegas Fernanda Donegá, Alice Rodrigues, Érica de Oliveira e Paulo Roberto dos Santos, todos do 3° ano do ensino médio, estiveram nos atos, inclusive no “abraço” ao edifício tradicional. “Estamos de saída, indo para a faculdade, mas nos preocupamos com aqueles que precisam trabalhar e ter uma escola como esta, no centro”, resume Paulo Roberto.

Quando o projeto se tornou público, era cogitado o fechamento de mais de mil escolas em todo o estado. Com a pressão nas ruas e o debate acirrado nas redes sociais, em que estudantes e professores estampavam cartazes com as frases “Alckmin inimigo da educação” e “Alckmin exterminador do futuro”, circulou entre as diretorias de ensino a suspeita de que o governo retiraria o pacote impopular para reverter essa imagem. Acabou oficializando 94.

Com apoio crescente, os manifestantes temem o agravamento da superlotação de salas, a piora do ensino e a evasão. De acordo com a Apeoesp, a situação foi agravada a partir do início deste ano, quando foram fechadas cerca de 3 mil turmas – que o governo chama de “ociosas” e que estaria reativando com seu pacote. Não é difícil entender o que significam classes com mais de 50 alunos espremidos.

Os professores têm perda média de 15 minutos por aula, no esforço de atrair a atenção da turma e fazer chamada. Os conteúdos são comprometidos pela falta de tempo e espaço para a atenção individual, reflexões e debates. Em uma suposição mais otimista, com turmas de 40 alunos, um professor que dá aula para 16 turmas – o que não é raro – tem 640 alunos. Como a correção e comentários de uma prova toma cerca de dez minutos, ele necessitaria de mais de 100 horas somente para essa atividade.

“Mesmo trabalhando em finais de semana, feriados, e sem receber, não temos como avaliar o aluno adequadamente”, diz o professor de Geografia Maurício Costa, da Escola Estadual Calhim Manoel Abud, na Vila Califórnia, zona sul da capital.

Em vez de justificar a desativação de prédios, a propalada “queda na demanda por questões demográficas” poderia ser convertida em melhora da qualidade do ensino. “Se é verdade o que diz o secretário, que o governo pretende melhorar a qualidade da educação, devia aproveitar para diminuir a superlotação”, diz o deputado Carlos Giannazi (Psol), da Comissão de Educação e Cultura da Assembleia paulista. “Pelos critérios atuais, classes com 35 alunos são consideradas superlotadas. Imagine com mais de 50.”

Localizada no valorizado bairro da Chácara Santo Antônio, zona sul da capital, a Escola Estadual Padre Saboia de Medeiros esteve na lista. Com aproveitamento de mais de 100% no Idesp – indicador de qualidade do ensino do governo estadual – e histórico de sucesso de seus alunos em vestibulares disputados, a comunidade escolar resistiu.

Não aceitou a desativação de um colégio público prestigiado, com sala de recursos para alunos surdos e projetos de sustentabilidade em parceria com empresas, como reservatórios de água de chuva, coleta seletiva e horta comunitária, curso de fotografia, sala de leitura que tem como voluntária Sônia Mindlin, filha do bibliófilo e empresário José Mindlin (1914-2010), treinamento de rúgbi com atleta de seleção.

Os 800 alunos do Saboia, a maioria trabalhadores, moradores da favela Real Parque, Capão Redondo e Guarapiranga, foram às ruas com apoio da direção. “Devemos continuar mobilizados, alertas a quaisquer manobras do governo para tentar fechar o Saboia nas próximas etapas de seu projeto”, diz a diretora Denise Elisei.

Luta de classes

Para Denise, o temor se justifica pelo fato de não poder abrir novas matriculas para 2016 e o Saboia estar no centro de uma luta de classes. Os moradores antigos ou que herdaram suas casas naquele que foi um bairro operário defendem a escola e matriculam ali os seus filhos. “Para os que se mudaram depois da valorização da região, com prédios de alto padrão, melhor fechar e fazer aqui um shopping”, diz.

A parceria com a especulação imobiliária é outra aposta dos críticos do governo. De acordo com o professor da Universidade Federal de São Carlos Gilberto Cunha Franca, autor da tese Urbanização e Educação: Da escola de bairro à escola de passagem, defendida em 2010 na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, o governo de Mário Covas – Alckmin era o vice – extinguiu as escolas José Alves de Camargo Vila Mafra, na Vila Formosa, e a Martim Francisco, na Vila Nova Conceição. Os terrenos foram vendidos para a construção de prédios de alto padrão.

Franca pesquisou as escolas desativadas a partir de 1995, quando foi baixado o chamado Programa de Reorganização das Escolas da Rede Pública Estadual, imposto pela então secretária da Educação de Covas, Rose Neubauer. Ainda não se sabe ao certo quantas escolas foram fechadas. Fala-se em 148 entre 1995 e 1996. Se forem consideradas as que o estado deixou de manter, transferindo para municípios, o número é de 864 apenas entre 1995 e 1999. No período, o número de professores caiu de 237 mil para 209 mil.

Entre 1995 e 2007, os governos tucanos de Mário Covas, Geraldo Alckmin e José Serra desativaram 34 escolas na capital paulista. Algumas foram transformadas em unidades administrativas da Secretaria da Educação ou em unidades da Polícia Militar.

Agora, Alckmin vai transferir para a gestão municipal 25 prédios, a maioria em regiões periféricas ou de grande vulnerabilidade social. Apenas na favela de Paraisópolis serão três, mais duas em conjuntos habitacionais populares, e outras distribuídas por Itaquera, Parada de Taipas, Pirituba, Jardim São Luís e Piqueri, entre outros bairros. Muitas dessas unidades ofereciam classes de suplência.

Risco de evasão

O presidente da CUT São Paulo, Douglas Izzo, entende que o desmonte na periferia expõe o lado nefasto do atual projeto quando comparado ao de 1995, quando foram desativadas escolas em regiões mais centrais. “A medida de Alckmin vai aumentar em médio prazo a evasão escolar. Ao ter de se deslocar para estudar em outros bairros ou mesmo municípios, como deverá acontecer principalmente nas cidades pequenas do interior, muitos estudantes vão acabar deixando a escola.”

O abandono escolar, segundo ele, é outra face do cerceamento ao direito à educação. O aluno expulso do sistema educacional terá dificuldade para reingressar. “A educação de jovens e adultos tem sido desmontada com o fechamento de salas, sobretudo no período noturno. Com o fechamento de escolas que ofereciam EJA (Educação de Jovens e Adultos), os alunos vão sendo jogados de um polo para outro, mais longe, até que desistem novamente de estudar”, afirma.

Professor de Geografia e de Sociologia na rede estadual, Douglas lembra que a primeira “reorganização”, há 20 anos, deixou marcas profundas. Na época o discurso era o mesmo: adequar os espaços para melhorar a educação.

“Junto com a reorganização vieram o fechamento dos centros de formação de professores, a aprovação automática, que nada mais é que a política do desocupar banco para economizar, e a superlotação. Não houve nenhum avanço. E agora querem piorar o que já estava ruim”, diz o dirigente. Para ele, as manifestações, crescentes, refletem a crise de credibilidade do governo que esconde informações da população e não assume os graves problemas na educação, transportes, segurança e gestão da água.

Na Vila Sabrina, zona norte da capital, a aposentada Maria de Lourdes Ramos, 80 anos, viu a Escola Estadual Professor ­Victor dos Santos Cunha ser construída, há cerca de 40 anos, e ser sucateada nos últimos 20. Ali estudaram suas filhas, que depois fizeram faculdade e passaram em concursos públicos. “Não faltavam professores e o prédio não tinha a aparência degradada, de presídio, que tem hoje, cheia de grades. Nestes 20 anos, o governo abandonou a escola, que foi ficando feia e violenta, que nem os professores querem vir. Os pais foram tirando os filhos. Ficaram só os mais pobres”, desabafa.

O Victor Cunha foi poupado, mas não a escola Professora Laís Amaral Vicente, nas imediações.“É muito triste ouvir que vão fechar, deixar as crianças soltas na rua sem ter escola para estudar. Se com a escola já está difícil, imagina sem”, diz a dona de casa Maria José Siqueira, 65 anos. “Deviam procurar outra alternativa que não o fechamento.”

Moradora do Jardim Peri Alto, também na zona norte, a aluna Lesleiany Mithelle de Sousa critica o projeto que quase fechou sua escola, o Francisco Vocio. Para ela, é um retrocesso incompatível com o estado mais rico da federação. “O projeto é a volta ao passado, ao tempo de nossos pais e avós, que tinham de andar muito para poder estudar.”

A presidenta da Apeoesp, Maria Izabel de Azevedo Noronha, a Bebel, acredita que o governo anunciou uma lista reduzida de escolas a serem fechadas para desmobilizar estudantes e professores. “Ele recuou momentaneamente. Mas vai querer levar o fechamento adiante. E a reação popular vai prosseguir.”

Sem projeto econômico

O projeto tucano de “reorganização”não consta do Plano Estadual de Educação de São Paulo, em tramitação na Assembleia Legislativa. Foi tirado da cartola menos de dois meses depois de o Tribunal de Contas do Estado apontar ressalvas às contas do governador. Pelo quarto ano seguido, os conselheiros apontaram déficit orçamentário. Só no ano passado, os gastos superaram as receitas em R$ 355 milhões. Em 2013, R$ 994 milhões; em 2012, R$ 982 milhões; em 2011, R$ 1 bilhão. O tesouro estadual viu seu cofre minguar de R$ 7,9 bilhões, em 2012, para R$ 1,8 bilhão no ano passado. Caiu também a arrecadação estadual, de R$ 136,2 bilhões para R$ 131,5 bilhões.

Nos seis primeiros meses deste ano, a arrecadação foi menor do que em igual período de 2014. O PIB paulista recuou 1,8% no ano passado, quando o PIB nacional ficou estável, com variação de 0,1%. A falta de investimentos em infraestrutura abala a economia do estado. Dados da Fundação Seade mostram que, em 1995, a riqueza produzida no estado correspondia a 37,8% do PIB nacional. No ano passado, caiu para 28,7%. Mesmo assim, ainda é a maior entre as unidades da federação, e contribui para puxar para baixo o PIB nacional. 


Fonte: RBA
vermelho.org.br

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