quinta-feira, 18 de abril de 2019

Jornalismo sem censura é liberdade de imprensa ampla e irrestrita

Plenário do STF.
Plenário do STF.  SCO/STF 

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Ministros do Supremo adotam decisões questionáveis que afetam a imprensa, como no caso da 'Crusoé', e também na falta de liberação da entrevista com Lula para o EL PAÍS.

Em tempos de retrocessos é um alívio ter novos militantes na defesa pública da garantia da liberdade de expressão. O episódio de censura à revista Crusoé, imposta pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, trouxe vários deles a público nos últimos dias. Até mesmo o presidente Jair Bolsonaro e o vice, general Hamilton Mourão, levantaram a bandeira de defesa da liberdade de expressão depois da revista ser censurada. Mais explícito que Bolsonaro, o vice Mourão, ao defender a reportagem da revista Crusoé nesta quinta, descreveu o episódio como “um ato de censura”. Há poucos dias, ele lembrou que é justamente o STF o órgão que deveria ser o guardião das liberdades de imprensa e de expressão, mas que estaria fazendo o papel de censor. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e os candidatos à sucessão de Raquel Dodge na Procuradoria Geral da República também cerraram filas contra o Supremo, e em defesa da Crusoé, assim como outro ministro da Corte, Marco Aurélio Mello. Este último chamou de “mordaça” a decisão do STF de tirar a reportagem do ar.
Nos últimos anos, poucas vezes esquerda e direita se uniram para lembrar que o Brasil ainda está numa democracia, e que a imprensa é a chama que a mantém acesa, como afirmou Bolsonaro nesta mesma quinta-feira. Marcar essa posição é fundamental para consolidar o valor da liberdade e do direito cidadão num país jovem e ainda muito hesitante sobre o que é certo e errado. E este é o momento certo de lembrar que outra decisão inexplicável também impede o exercício do jornalismo do EL PAÍS. Há meses repousa na mesa do presidente da Corte um pedido de entrevista com o ex-presidente Lula na sede da PF em Curitiba. Por duas vezes, em setembro e outubro do ano passado, esse direito foi conferido em despacho do ministro do STF Ricardo Lewandowski. E, por duas vezes, foi negado pelos também ministros do STF Luiz Fux e Antonio Dias Toffoli. Os dois alegaram, na época, que a entrevista de Lula poderia confundir o processo eleitoral, levando eleitores pouco atentos a acreditar que Lula seria candidato.
No episódio mais recente da revista Crusoé, o presidente da Corte, Dias Toffoli, disse em entrevista a alguns órgãos de imprensa que a leitura de que houve censura no caso da Crusoé é “uma narrativa inverídica”. Mas não há outro nome para o cerceamento da revista, pois não é um juiz de primeira instância, mas o Supremo, guardião da Constituição, que abriu um precedente perigoso em tempos em que a chamada à lucidez se torna imperativa. Muito barulho por quê? O texto que foi objeto de censura menciona um trecho dos esclarecimentos do empresário Marcelo Odebrecht, prestados à Polícia Federal, de uma conversa interceptada em troca de e-mails, em 2007, entre Odebrecht e executivos da empreiteira sobre uma pessoa de codinome "O amigo do amigo do meu pai". Instado a esclarecer quem seria essa pessoa, Odebrecht explicou no começo do mês à Polícia Federal que a alcunha era atribuída ao, na época, advogado-geral da União, Dias Toffoli. A revista faz a ressalva de que o depoimento em nada compromete Toffoli, embora sugerisse que ele dê explicações. Alexandre de Moraes, contudo, determinou a retirada da reportagem da página da revista, no âmbito do inquérito aberto pela própria corte contra fake news. A atitude drástica do ministro, que ingressou no Supremo em 2017, gerou a grita generalizada que está na pauta diária da imprensa.
Há de se perguntar se as decisões do Supremo têm sido calcadas na essência do direito ou se não são uma reação a um grupo que o próprio Toffoli identifica agora, no episódio da Crusoé, como favorável a interferir no debate político, quando está para ser remarcado o julgamento da prisão em segunda instância. Assim, haveria um movimento orquestrado para algo que ele chamou de “obstrução de administração da Justiça”. Evitar que Lula se manifeste na imprensa também entra nessa leitura? Há muito de subjetivo nas decisões, que abrem brechas para o papel do Supremo. Se nos tempos da eleição, uma entrevista poderia favorecer o Partido dos Trabalhadores, então a Corte teria trabalhado ali de modo a favorecer o então candidato Bolsonaro? A resposta certamente é não, pois se não for assim, o Supremo então atuaria sob uma tutela oculta que agora se volta contra ele.
A eleição passou, a chapa Bolsonaro/Mourão, bem ou mal, governa o país e Toffoli continua sentado em cima de uma decisão que garante o direito de jornalistas exercerem livremente sua profissão. Informalmente, Toffoli disse “vamos ver” quando foi questionado em um evento sobre a liberação da entrevista. O processo do EL PAÍS transitou em julgado, e já não existe mais liminar questionando a decisão. Agora é uma questão de garantir os direitos constitucionais, liberando a entrevista, que completa, neste mês, sete meses de espera.
Por que se nega o direito de o jornal El PAÍS Brasil entrevistar o ex-presidente Lula? Afinal, quais justificativas estariam por trás dessa atitude, que não se pode interpretar de outra forma, se não censura? Os defensores da liberdade de imprensa podem colocar isso na mesa. Quando houve a proibição da entrevista ai ex-presidente viu-se ali um risco no processo eleitoral. Mas essa mesma resignação para a recusa da entrevista abriu as portas para outras atitudes de cerceamento do trabalho jornalístico. Quem ergue a bandeira de defesa do jornalismo o faz de maneira irrestrita. Vale para a liberação da reportagem da Crusoé e para a entrevista de Lula no EL PAÍS. Ambas estão amparadas na Constituição. Autorizar as duas vai ser um gesto importante para garantir que o Supremo não é refém de nenhuma milícia virtual, mas escravo da democracia.
Fonte: https://brasil.elpais.com/brasil

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