A Globo nunca foi conhecida pela isenção jornalística. Filha primogênita da ditadura, a emissora protagonizou episódios vergonhosos ao longo da própria história, mas desenvolveu o hábito de terceirizar o serviço sujo para veículos menos preocupados com a própria reputação, como a revista Veja. Nesta terça-feira (9), porém, ela decidiu sujar as próprias mãos, e estampou na capa do portal G1: “PT vai privatizar 95% do país”.
A matéria em si diz sobre as concessões anunciadas pela presidenta Dilma, a serem leiloadas no período de seu segundo mandato. Com previsão de investimentos de R$ 198,4 bilhões no total, o novo Plano de Investimento em Logística é uma das iniciativas do governo para tentar lidar com a crise econômica pela qual o país atravessa. Não há, em nenhuma das obras ofertadas, quaisquer menções às privatizações, apenas diferentes contratos de cessão para uso comercial por períodos de até 30 anos para rodovias, ferrovias, portos e aeroportos. Não há, de igual forma, nenhuma menção aos tais “95%” descritos no título - este valor nunca chega a ser tocado ou explicado pelo corpo do texto.
A manchete absurda acendeu os ânimos dos leitores do portal, tanto dos que denunciaram o disparate quanto daqueles que absorveram a informação sem questionamentos. Depois de chegar ao primeiro lugar no ranking de leitura do G1 e viralizar nas redes sociais, o texto saiu do ar por alguns minutos, reaparecendo à noite com uma nova chamada: “Governo anuncia novas concessões e prevê investimentos de R$ 198,4 bi”.
Apesar de ter sido alterada, a notícia foi conservada nos links das redes sociais com o título original |
Vergonha, má-fé ou incompetência?
Na Internet, é possível alterar um texto ou até mesmo eliminá-lo a qualquer momento, de forma instantânea. Se não for copiado para outro portal, será como se nunca tivesse existido, e ao leitor comum é negado o direito de checar novamente uma versão excluída. Essa nova realidade cria um dilema ético: diante de um erro estridente, o jornalista deve deixá-lo como está ou corrigí-lo o mais rápido possível? Não há consenso formado, mas uma prática comum é que o editor responsável escreva um parágrafo de correção no início do texto, deixando a versão anterior na íntegra. Desta forma, garante-se a transparência da alteração.
A Globo não se prestou a essas satisfações, e preferiu adulterar o título e o corpo da matéria em silêncio, como se nunca tivesse acontecido. Nada fez quanto à impressão negativa passada às centenas de milhares de leitores pela primeira versão da reportagem, em que a emissora calunia Dilma e o PT de uma prática altamente condenável. Ao divulgar em seu canal digital mais poderoso que o governo iria “privatizar 95% do país”, a Globo tentou infectar a imagem do PT com o negativismo cujos governos do PSDB têm de lidar desde a privataria tucana.
Há apenas três possibilidades para explicar esse acontecido: em uma visão otimista, os profissionais responsáveis cometeram um erro factual aberrante, cuja correção foi feita pelo editor horas depois - neste caso, esse editor foi igualmente incompetente, pois encobriu o erro pelo silêncio ou não teve a coragem de assumir a própria demora. Em uma visão realista, a Globo calculou o impacto negativo que uma chamada sensacionalista traria ao Governo Federal, cujas verbas de publicidade foram reduzidas drasticamente depois do golpismo eleitoral de 2014. Em qualquer um dos casos, prevaleceu a covardia e a falta de ética jornalística - duas marcas que a Globo não deixou de carregar desde suas origens ditatoriais, aliás.
Por Renato Bazan - Portal CTB
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