Criador do movimento Occupy Wall Street, o ativista Micah White culpa a influência de corporações nos governos pela crise política e afirma que os protestos são ineficazes e precisam se reinventar
Uma onda de revoltas contra o sistema político tomou o mundo desde 2010, com protestos se estendendo de Túnis a Brasília, passando por Madrid, Atenas e Nova York. Apesar de separados por milhares de quilômetros, os atos possuem elementos comuns. Para Micah White, ativista e criador do Occupy Wall Street, as revoltas e protestos expõem odescontentamento da população em relação à representação política e à influência do dinheiro das corporações nos governos.
Segundo o ativista, as diversas manifestações, que aconteceram em diferentes continentes e em um espaço curto de tempo, são um sintoma de um "sentimento contagiante de descontentamento" e só "foram possíveis graças à internet". Contudo, tanto a Primavera Árabe, em 2010, quanto o 15M na Espanha, em 2011, ou as manifestações de junho de 2013, no Brasil, foram incapazes de produzir os resultados esperados. "Estamos vivendo o período com mais protestos da história humana, porém eles não estão funcionando. E quando se alcança esse momento, em vez de repetir os comportamentos tradicionais, de gritar e segurar cartazes, é preciso inovar", afirma Micah White em entrevista aCartaCapital, na qual fala também sobre seu livro, O fim do protesto.
CartaCapital: Existe uma crise nas democracias representativas de hoje em dia?
Micah White: Com certeza. Além de uma crise na democracia representativa, existe uma crise no modelo de ativismo, de como as pessoas protestam. Existe uma crise no poder dado às pessoas para forçar os governos a fazer o que elas querem. Como não há uma forma para que pessoas comuns protestem e aprimorem ou mudem os governos, de certa forma, não existe democracia. Essa realidade gerou o Occupy Wall Street e diversos outros protestos que estão acontecendo ao redor do mundo.
CC: O problema é que a democracia já não funciona mais ou que não temos instrumentos de democracia direta?
MW: No caso dos Estados Unidos, eu realmente não acho que haja democracia no sentido de pessoas conduzindo o governo. O que realmente acontece é que o dinheiro conduz o governo e é impossível se eleger sem ter muito dinheiro. A outra ponta dessa realidade é que quem gasta mais dinheiro vence as eleições. Essa é a crise de representatividade. Com isso, também temos o problema de corporações e associações poderem financiar partidos políticos de forma ilimitada. Na verdade, nós não temos uma democracia. Temos alguma outra coisa, algo mais distante.
CC: Isso significa que o sistema democrático não funciona mais?
MW: Eu não acho de forma alguma que o sonho da democracia esteja morto. O sonho da democracia vem acontecendo desde o princípio da civilização e os humanos sempre estiveram lutando por democracia. Por cinco mil anos derrubamos faraós, reis e tiranos à procura de democracia. Agora, estamos em um daqueles momentos da história em que temos um ponto baixo de democracia, mas haverá um ponto alto de democracia logo. Isso requer, contudo, um tipo de inovação dentro de nossos conceitos de ativismo.
CC: Como é possível reduzir o poder de corporações no governo, seja por meio de financiamento de campanha, seja por meio dos lobbies dentro do Congresso?
MW: A única forma de remover o poder das corporações em nossa sociedade seria criar um movimento social capaz de vencer eleições. Como movimentos e como ativistas, nós temos evitado a única solução, que é: nós temos que construir movimentos sociais que também possam funcionar como partidos. Essa é uma necessidade que não queremos ouvir. Pensamos que podemos apenas organizar protestos baratos e ficar realmente bravos. O Occupy Wall Street foi um evento que acontece uma vez na vida e não funcionou porque estávamos perseguindo uma falsa teoria de como mudanças sociais acontecem. Nós acreditamos, ou quisemos acreditar, que um grande número de pessoas indo para as ruas causarão possíveis mudanças em seus governos, mas quando se alcança isso percebe-se que isso não é verdade. A única forma de vencer é criar algo híbrido entre um movimento social e um partido político. Algo que não tenha líderes, mas que tenha porta-vozes e uma organização que dure mais do que seis meses.
CC: Como é possível alcançar mudanças sociais por meio dos protestos?
MW: Hoje, os movimentos sociais pedem para que seus participantes façam coisas muito básicas e pequenas, como ir às ruas, segurar cartazes ou gritar. Esses são comportamentos muito básicos e que não possuem mais efeito. O Occupy Wall Street e o 15M, na Espanha, trouxeram comportamentos mais complexos, como participar de assembleias gerais ou com gestos de mãos, mas ainda são coisas muito simples. Eu acho que temos de pedir mais dos participantes. Temos de mostrar que movimentos sociais requerem coisas difíceis, como vencer eleições, escrever legislações, governar nossas cidades... Precisamos de comportamentos que envolvam um investimento maior do que apenas aparecer, e a internet nos permite isso. Graças às redes sociais, é hora de tratar os participantes como capazes de desenvolver comportamentos sofisticados e ensiná-los a fazer isso.
CC: As redes sociais podem ter um novo papel para organizar e promover as comunicações dos protestos?
MW: Absolutamente. Eu acho que o papel da internet é espalhar emoções contagiantes. Se olharmos para a Primavera Árabe e o Occupy Wall Street parece que o gatilho do movimento foi uma sensação que se espalhou pelo mundo inteiro e era uma sensação de basicamente perder o medo. Pessoas diziam “eu não me importo, este é o momento” e iam às ruas. Isso é o que as redes sociais fazem: elas nos permitem transferir essa sensação para o mundo todo. O outro poder é nos permitir inovar nossas táticas em tempo real. A partir do momento em que pessoas vêm algo nosso surgir em um lugar, elas podem reproduzi-lo em outro. Foi assim com o Occupy Wall Street.
CC: A internet pode se tornar algo maior do que uma rede na qual sentimentos são espalhados?
MW: Existe uma esperança que talvez a internet nos permita uma democracia eletrônica. Essa é a ideia do Movimento 5 Estrelas, na Itália. Os participantes vão aos debates eleitorais, mas também usam a internet para decidir sobre a legislação e até eleger os candidatos das eleições. A ideia de a internet ser um grupo decisão é muito interessante, mas difícil de atingir.
CC: Algumas pessoas preferem um ativismo digital a sair às ruas. O que você acha disso?
MW: Nos estágios iniciais, a internet foi muito importante para os movimentos sociais. Contudo, com o tempo, a internet passou a ser prejudicial porque as coisas começaram a parecer melhor na internet do que na vida real. Com o Occupy foi assim. O protesto parecia melhor no Facebook do que ele era nas ruas. Isso é negativo porque as pessoas começam a preferir a experiência online à do mundo real. Por isso, é uma faca de dois gumes. A internet é uma arma, que não está totalmente sobre o nosso controle, e que é muito difícil de usar.
CC: Você acredita que o avanço do neoliberalismo ajudou a reduzir a importância dos movimentos sociais pelo mundo?
MW: Protestos são uma forma de guerra e guerra é a política por outros meios. Protestos são formas de influenciar o sistema político por métodos não convencionais. E a revolução é uma mudança no regime legal. É transformar o legal em ilegal ou o ilegal em legal. Ou seja, é uma forma de estado de guerra. Por isso, é claro que as forças que estão no poder irão usar todos os meios possíveis para destruir os movimentos sociais. O problema é que não vemos os protestos no contexto de guerra. Nós os vemos como uma grande festa ou coisa do tipo, enquanto o outro lado percebe a importância disso. O mais importante, contudo, não é culpar os outros, mas culpar a si mesmo. Movimentos sociais não falharam porque a polícia era muito forte. Durante a história, pessoas derrubaram governos com uma polícia muito mais forte, seja porque eles descobriram uma forma ou porque conseguiram fazer com que a polícia mudasse de lado. Por isso, quando falhamos é porque nossa teoria estava errada e não porque o outro lado era mais forte.
CC: Occupy Wall Street nasceu em 2011 e influenciou diversos movimentos pelo mundo. Até hoje, temos diversos movimentos sociais surgindo na Europa ainda influenciados pelo 15M ou pelo Occupy. Você atribui isso à internet?
MW: O que aconteceu é que uma nova tática surgiu e funcionou, por isso, se espalhou. Occupy Wall Street combinou táticas usadas no Egito com as da Espanha e aplicou nos Estados Unidos. A polícia não soube responder a essa nova estratégia e é por isso que o movimento funcionou. Uma vez que a polícia descobre como responder, ela destrói todos os movimentos da mesma forma. É guerra constante de novas estratégias de ataque e contra-ataque. O interessante do momento em que estamos é o aumento da frequência dos protestos, assim como da repressão. Isso é muito bom, mas por outro lado, é preciso ser cético porque estamos vivendo o período com mais protestos da história humana, porém eles não estão funcionando.
CC: Você acredita que podemos estar em momento histórico de ruptura?
MW: O que eu imagino é o nascimento de um movimento social que ganhe eleições em um país e depois começa a ganhar eleições em múltiplos países. Aí você terá Podemos, Syriza ou o Movimento 5 Estrelas em cinco, seis ou dez diferentes países. É... eu realmente acho que é sobre esse enredo de um movimento social global.
CC: Você não se acha muito otimista?
MW: Eu acho que vivemos em um momento em que as pessoas estão tão focadas naquilo que parece possível que nós não alcançamos nada. É preciso incomodar o poder e não agir apenas com aquilo que é seguro. Foi isso que Occupy Wall Street e a Primavera Árabe fizeram. O melhor ativismo é aquele que mexe com as coisas que temos medo.
Fonte> Carta Capital
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