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Em entrevista concedida ao Diário da Manhã, jornal de Goiânia, o ex-presidente da UNE Aldo Arantes fala sobre financiamento privado de campanha. Ele acredita que para aprofundar a democracia é necessário uma reforma política no País e a democratização dos meios de comunicação.
O Secretário Nacional do Meio Ambiente do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), Aldo Arantes, concedeu entrevista ao Diário da Manhã e comentou sua trajetória na militância política à frente da presidência da União Nacional dos Estudantes (UNE) no contexto da ditadura militar. Aldo Arantes foi o primeiro goiano a ser presidente da UNE antes do golpe militar de 1964, e alguns fatos marcaram o período de militância em defesa do movimento estudantil. Além dos assuntos relacionados à militância, Aldo Arantes comentou sobre a política brasileira e o quadro de desenvolvimento do País. Eleito quatro vezes deputado federal, sendo em dois mandatos eleito nota 10 pelo Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar, o secretário afirma que o futuro do Brasil está no comunismo.
COMO FOI O PERÍODO DE MILITÂNCIA POLÍTICA EM QUE FOI PRESIDENTE DA UNE?
O então presidente da República, Jânio Quadros, renunciou o mandato e o governador, Leonel Brizola, desencadeou o movimento que visava impedir o golpe, que era contra a posse do vice-presidente da República João Goulart e criaram o movimento da legalidade no Rio Grande do Sul. Eu, como presidente da UNE, desloquei a sede, e neste momento, a UNE pegou um papel extremamente importante. Enquanto Leonel Brizola falava da legalidade para o povo brasileiro, eu falava pela da legalidade para os estudantes brasileiros e esse foi um momento marcante para a história do movimento estudantil e da luta democrática do povo brasileiro. Tanto assim que João Goulart esteve na sede da UNE para agradecer. Essa foi a primeira vez que um presidente esteve na sede. Um dos fatos importantes que marcaram o período foi o da Univolante, uma visita em quase todas as capitais do Brasil levando o resultado do seminário da reforma universitária e o centro popular da UNE, que esteve em Goiânia, no Teatro Goiânia, que projetou vários artistas. Como naquele momento a UNE tinha uma posição muito clara na luta democrática pela luta de reforma de classes, fiquei com uma militância marcada. Fui preso duas vezes, torturado, quando já era dirigente do PCdoB. Fiquei 11 anos na clandestinidade e depois de 17 anos voltei para Goiás.
COMO INICIOU NO PROCESSO ELEITORAL?
Os políticos tradicionais daqui disseram que eu deveria ser candidato a vereador, mas a decisão do meu partido era que eu fosse candidato a deputado; isso quem disse foi o Mauro Borges, presidente do PMDB. Era difícil as pessoas compreenderem na política tradicional o fato de ficar 17 anos fora e de não ter um vínculo permanente. O movimento da anistia era feito em torno de vários nomes e eu destaco o meu. Quando voltei para Goiás, tive uma recepção calorosa; os jovens, os trabalhadores e os setores mais conscientes da sociedade abraçam a minha candidatura, a campanha mais bonita e mais leve, que foi instrumento de luta contra a ditadura militar, de afirmar a democracia, elegendo pessoas que tinham esse perfil político. Tive a honra, até como militante da UNE, de ter o projeto de lei aprovado que legaliza a UNE e os grêmios estudantis, o que deu autonomia política para Anápolis, que era área de segurança nacional. Tenho vínculo muito forte com a luta pela educação, cultura, reforma agrária. Ligado ao meio ambiente, lancei um livro sobre a questão ambiental e mudanças climáticas, trouxe um seminário internacional sobre mudanças climáticas com cientistas da China, dos EUA e grandes cientistas brasileiros, representando os movimentos sociais. Continuo fazendo política de outra forma.
QUAL A DIFERENÇA DA MILITÂNCIA NA ÉPOCA DA DITADURA MILITAR E AS LUTAS DOS MOVIMENTOS ESTUDANTIS DE HOJE?
É uma situação diferente, porque na época, no inicio da militância, o nível de politização da sociedade era muito elevada. Foi um momento de muita liberdade, foi um negócio marcante na política brasileira. Houve um período da luta contra a ditadura militar em que pessoas foram presas. É um tipo de luta completamente diferente, confrontando com a possibilidade de ser preso, assassinato. Quando fui preso, foram assassinados três companheiros na chamada Chacina da Lapa. A luta política no período posterior vem com outra característica – o Brasil se desenvolveu, houve um processo de estratificação das classes sociais. A entidade que conduzia era o movimento estudantil, não tinha centrais sindicais. O nível de organização era pequeno, por exemplo, o movimento camponês era mínimo e o da intelectualidade menor ainda. Acho que com a ditadura militar teve dois elementos que alteraram bastante o quadro: o papel diferenciado em que os trabalhadores passam a jogar o papel maior na vida política do País, há uma alteração disso. Uma coisa muito importante foi conduzida juntamente com a crise do socialismo – o processo de despolitização, de dizer que estudante não podia participar da política. Uma rebeldia acaba jogando o jovem para a luta social. É um simplismo dizer que a UNE naquela época era boa, pois a UNE continua com as mesmas bandeiras, o que muda é o cenário. Agora a realidade da sociedade é outra, temos que enfrentar essa sociedade e, particularmente, acho que estamos vivendo um momento novo após o governo Lula, não tenho a menor dúvida disso.
A LUTA DOS MOVIMENTOS ESTUDANTIS, NO CONTEXTO ATUAL, FICOU MAIS ACESSÍVEL?
Hoje é mais complexo. Apesar de a ditadura militar ser mais perigosa, era mais visível; o inimigo estava visível, e hoje não. Em certo sentido, era mais difícil para colocar a vida em risco, mas hoje tem um problema, porque a grande mídia confunde e não informa, é o grande inimigo, e isso dificulta muito a luta da juventude e a luta política. Para democratização dos meios de comunicação seria necessário uma campanha de esclarecimento da opinião pública. Por exemplo, eu acho que uma entidade que poderia assumir um liderança assim é a OAB; a história brasileira deu à OAB um papel importante para o processo de democracia, e a OAB poderia ter a iniciativa da campanha da reforma partidária e do financiamento de campanha, pois é aí que está a raiz da corrupção.
O QUE MUDOU APÓS O GOVERNO LULA?
Isso só foi possível porque houve um acúmulo da luta na ditadura militar, das pessoas que morreram, e isso criou condição para uma nova situação. Esse processo de acúmulo de forças criou condições para que uma força política fosse se consolidando. A esquerda foi crescendo, o PCdoB cresceu, o que considero um fato importante. A história demonstra, o Brasil na época do FHC era uma coisa, hoje é outra, cresceu economicamente, democratizou o poder político em que o Brasil hoje é respeitado, teve um papel destaque no Rio+20. No passado, eram os EUA vindo e dando o sinal, ou outros países desenvolvidos; a nossa relação com o mundo mudou. Isso não significa dizer que o Brasil não tem mais problemas, pelo contrário, ainda temos muitos problemas sociais. A diferença entre os mais ricos e pobres ainda é muito grande, principalmente entre os trabalhadores do campo, a luta pela reforma agrária.
O QUE É PRECISO PARA O DESENVOLVIMENTO DO PAÍS?
Por exemplo, eu acho que o Brasil para avançar hoje, para aprofundar a democracia, tem várias bandeiras, mas para mim tem duas que são decisivas, uma é a reforma política no País. É inaceitável que estejamos vivendo um momento em que o financiamento de campanha é feito através do financiamento privado, o que resulta no caminho para a corrupção. Uma questão fundamental para ir na raiz da corrupção, a ficha limpa ataca a consequência e não na causa. Deve haver medidas diferentes e não as mesmas medidas para delitos diferentes, é uma coisa irracional. A solução é financiamento público, voto lícito, é você fortalecer os partidos políticos. E a outra coisa, na minha opinião, é a democratização dos meios de comunicação, fundamental para o avanço democrático. Hoje há um grande monopólio dos meios de comunicação, onde a voz é de interesse das minorias que detém o poder. Um exemplo fantástico é um da presidenta da Argentina, que diz “Que todos hablemos”. É que hoje a elite é que fala e é preciso que os trabalhadores também falem. É necessário que se abram os meios de comunicação para os partidos políticos, para as entidades sociais, para as universidades. A democracia avança assim que a sociedade tem o conhecimento das diversas concepções. Hoje você conversa com um jovem e o discurso dele é o que a Globo falou.
E O QUE É PRECISO SER FEITO PARA REVERTER ESTE QUADRO?
Eu acho que é possível se houver um grande movimento da opinião pública. Porque o Congresso, pela sua composição, não adota essa posição e interfere em públicos econômicos que não têm interesse em mudar o jogo. Os partidos de oposição estão expressos nos grandes meios de comunicação. É você pegar os grandes canais de comunicação e não há nenhum que seja favorável ao governo federal.
COMO O GOVERNO CONSEGUE ESTABILIDADE?
Houve uma investida no problema do mensalão no primeiro mandato do presidente Lula, e o que eles queriam era o impeachment do presidente. E se isso tivesse acontecido o Brasil não estaria onde está em hipótese alguma. Foi exatamente a partir do presidente Lula, da política, das medidas que adotou, que o País caminhou, e é claro que não existe governo sem erro. Não existe ética completa e também não existe corrupção completa. Como vemos, o porta da voz da ética era Demóstenes Torres. Agora você não pode responsabilizar o presidente por problemas localizados. Agora vamos ver com o julgamento do mensalão, espero que façam um julgamento técnico. Qual é o pano de fundo disso? É debilitar a imagem do presidente, a grande mídia batendo no governo, e isso é inaceitável. E a grande verdade é que o presidente Lula é a maior liderança política que o Brasil já teve. Ele se transformou na maior liderança até mais que o presidente Getúlio Vargas, e as elites não ficaram satisfeitas. É importante perceber que, na história do Brasil, sempre que um presidente adotou as causas sobre os pobres, as elites repreendem. Jânio Goulart foi levado ao golpe, e até com Juscelino tentaram golpe. É preciso mudar, mas para tudo isso a sociedade tem que ter informação, essas coisas chegam muito limitadas à consciência das pessoas, por isso que falo que para a sociedade avançar, consolidar uma democracia efetiva, é preciso que a conscientização política cresça com visões diferentes.
DIANTE DESSA CAMPANHA CONTRA O GOVERNO FEDERAL, POR QUE ESSA CONCENTRAÇÃO MINORITÁRIA NÃO CONSEGUIU IMPEDIR A LIDERANÇA DO GOVERNO?
Coisa interessante. Sabe por que? Porque ele conseguiu fazer o que os outros presidentes que caminharam em defesa dos trabalhadores não fizeram, que é tomar medidas profundas de benefícios das camadas mais pobres, esse que foi o X da questão. Ao mesmo tempo que estavam discutindo o mensalão, o salário dos trabalhadores aumentou, têm casa para morar, têm emprego, têm educação. Melhorou objetivamente, e essa situação estabilizou o governo. Esse discurso que a elite faz atinge os setores pequenos na sociedade. O povão está em outra quando questionado sobre o mensalão. É a solidez das medidas no conjunto da sociedade, até no setor empresarial. Antigamente, os brasileiros que saiam do País; hoje temos os americanos que procuram empregos aqui no Brasil, que coisa interessante. Era a maior complicação conseguir um visto, hoje o presidente Obama veio a público chamar os brasileiros para o país, para facilitar. Não mudou gratuitamente. As políticas internas adotados juntamente com as influências externas que ajudaram o Brasil a caminhar. Esse negócio do mensalão vai esgotar, terá um julgamento técnico e não político. Se olhar os editoriais dos jornais, não há o que julgar mais, já está julgado. A oposição hoje não tem discurso, está completamente acuada e as expectativas dos meios de comunicação era abalar a liderança do presidente Lula, que, nas pesquisas, hoje tem mais incidência para ser presidente da República novamente do que a própria presidenta Dilma. Eles pensaram que iriam aniquilar a partido de esquerda, até apressando o julgamento, visto que estamos em período de eleições, mas não é o que acontece.
PARA AS ELEIÇÕES MUNICIPAIS, QUAL A REPRESENTATIVIDADE DO PARTIDO COMUNISTA?
Como você pode ver, o PCdoB tem hoje a grande vantagem de ir para o segundo turno nas grandes capitais como Manaus, Florianópolis e Porto Alegre, o que é um fato histórico, porque até certo tempo disseram que o partido comunista tinha acabado no Brasil. E a crise do capitalismo, pelo contrário, trouxe à tona exatamente a necessidade de uma sociedade superior. O marxista era considerado como algo acabado, mas hoje até a academia utiliza os instrumentos de Marx para análise da crise do capitalismo. Colocando a sociedade na perspectiva mais avançada, isso está relacionado com os países em desenvolvimento, papel que a China joga no mundo, que é comunista, e tem grande expressividade econômica mundial com a perspectiva de ultrapassar os EUA. No Estado, o partido estava em um momento positivo. Claro que cada Estado tem suas particularidades. Esse fato pode ser exemplificado por termos uma candidata em segundo lugar nas pesquisas. É muito significativo. No passado, havia muita discriminação, que aos poucos é dissolvida com a realidade. O militante faz política por ideal, que fortalece o partido. Um exemplo é o Netinho – teve 7 milhões. Onde já se viu um comunista ter esse número de votos? Aqui em Goiás o partido está se consolidando, se afirmando não só nas questões locais. Por exemplo, o que aconteceu aqui com o Cachoeira praticamente revolucionou a política goiana, isso levou com que o governo do Estado ficasse sem base política, completamente na defensiva, tanto que não tiveram condições de lançar candidato. Sabemos que é possível avançar. É um fenômeno interessante, além de ser comunista, e há mulheres em todos as outras cidades. Assim como a juventude muitas vezes não segue os interesses dos pais, por idealismo possui opinião contraria e isso acontece com as mulheres. Tanto assim que a presidenta é uma mulher. Para você ver que a sociedade está avançando, elegemos um operário que não tem faculdade, não tinha universidade, e agora elegemos uma mulher. É um avanço.
COMO AVALIA O GOVERNO NA CAPITAL?
É razoável. Cada dia que eu fico mais velho percebo isso. É um erro você querer absolutizar as coisas. A realidade é mais complexa, ela é contraditória, tem fatores de atraso e de avanço. O que você precisa analisar é o que é mais relevante em determinado momento. O comunismo é a sociedade do futuro, mas, para chegar a isso, terá vários estágios. Nossa concepção é científica, na história da sociedade. Por exemplo, na Europa tivemos o escravismo, que, em determinado momento, foi finalizado. Outro tipo de sociedade que se formou foi o feudalismo, que se esgotou. Depois veio o capitalismo. Assim como as pessoas nascem, crescem, se desenvolvem e morrem, na sociedade também é o mesmo processo. O capitalista acha que é um absurdo, não admite, mas a vida é assim. O comunismo é uma sociedade que não tem classe ou tipo superior. Marx utilizava um lema a cada um conforme seu trabalho, e no comunismo é a cada um conforme suas necessidades. O que é complicado, porque a sociedade ainda é carregada de muito preconceito. Tem que ter uma situação de transição, em que as pessoas têm que ser educadas. A sociedade comunista como um futuro. O problema da sociedade socialista é que conquistam o poder pelos trabalhadores.
EM QUAL ESTÁGIO DE DESENVOLVIMENTO O PAÍS SE ENCONTRA?
A imprensa fala na mão da minoria, porque o poder político está na mão da minoria. A essência da transição do socialismo para o comunismo é que o poder passa para as mãos dos trabalhadores. Não é só o governo, mas o poder, e isso implica na socialização dos meios de produção. Significa que a propriedade passa a ser social. Hoje se vive uma situação meio esdrúxula, em que a pessoa é dona de uma coisa, lá coloca alguns trabalhadores, e ela fica ganhando em cima do trabalho dessas pessoas – é uma sociedade irracional. Agora, isso, em um determinado estágio da evolução da humanidade, foi avanço; em um determinado momento, já passa a ser retrocesso. Não é gratuita a posição da grande mídia, que representa esses interesses que não querem mudança, não querem transformação. É um processo de luta política. Nós estamos em um estágio de transição para uma sociedade mais democrática. Quando se fala em aprofundar a democracia, não é só a política, é a econômica, cultural, social, a democracia do financiamento de campanha, dos meios de comunicação; é isso que significa o aprofundamento da democracia. Mas esse é um processo demorado. Falo do comunismo para um período longo e que não sabemos como vai ser. A sociedade vai se organizando. É um processo de preparação lenta.
E QUANTO À DISCUSSÃO SOBRE O CÓDIGO FLORESTAL?
Uma das questões primordiais do código foi dar um tratamento diferenciado para pequenos e grandes produtores rurais. Eu acho que não é razoável você exigir de um pequeno produtor as mesmas regras do grande produtor. Se fosse colocar área de preservação florestal com a reserva florestal, o pequeno produtor ficaria com pouquíssima terra para produzir, então um conceito que você tem de desenvolvimento sustentável é você combinar a preservação ambiental com o desenvolvimento econômico e com as questões sociais. Então, não é viável você colocar regras para os pequenos produtores em condições que não consigam produzir.
Danyla Martins para Diário da Manhã
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