quinta-feira, 18 de fevereiro de 2021

Os significados políticos da prisão de Daniel Silveira

O tempo vai passando, passando. Enquanto isso, esperamos 2022 chegar, crentes de que, em caso de derrota nas urnas, Bolsonaro desmontará seus exércitos e se retirará do poder,

Ainda era noite de 16 de fevereiro quando, por ordem do ministro Alexandre de Moraes, a Polícia Federal bateu na porta do deputado federal Daniel Silveira (PSL/RJ) para executar ordem de prisão. A acusação? Conspiração contra as instituições democráticas e ameaça de morte a membros do poder Judiciário.

Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História na Universidade Federal da Bahia

Daniel Silveira não é personagem desconhecido na crônica política. O parlamentar é conhecido pelo comportamento violento. Já invadiu escolas, se recusou a usar máscara em avião, agrediu jornalista. Quebrou a placa de homenagem a Marielle Franco durante a campanha eleitoral, em 2018. Daniel Silveira é bolsonarista típico. É o tipo ideal bolsonarista, manifestado em carne e osso.

A prisão de Daniel Silveira diz muito sobre nossa atual situação política.

Em primeiro lugar, é importante dizer que o STF agiu com quase 30 anos de atraso. Se tivesse feito isso com o então deputado Jair Bolsonaro na primeira vez em que ele abriu a boca para fazer apologia aos crimes contra a humanidade cometidos pela ditadura militar, certamente não estaríamos onde estamos hoje. A democracia brasileira não soube se proteger.

Os legalistas dizem que Moraes errou em ameaçar a autonomia do poder Legislativo e decretar, por ato de ofício, prisão de parlamentar eleito. Há vozes na esquerda que criticam o ministro por ter acionado a Lei da Segurança Nacional. É a lógica do “amanhã pode ser um de nós”.

Em tempos normais, as criticas até poderiam fazer sentido. Hoje não fazem. O que restou de democracia precisa ser defendido, custe o que custar. Pra confrontar os fascistas, é necessário ser um tanto bandido também. Daí, a importância de um sujeito como Alexandre de Moraes. Tomara que não seja tarde demais.

O STF jogou a bomba para a Câmara dos Deputados, a quem, pela Constituição, cabe decidir o futuro dos seus integrantes. Decisão interna corporis, pra ser fiel ao juridiquês.

O dia de hoje, 18 de fevereiro, foi atravessado por conversas e negociações. Arthur Lira (PP/AL), presidente da Câmara dos Deputados, procurou Luiz Fux, presidente do STF, para tentar acordo, uma solução mediana que evite um conflito institucional entre as duas casas e que, ao mesmo tempo, mande um recado ao presidente da República.

O ideal para a Câmara dos Deputados, hegemonizada pelo centrão, é convencer o STF a amenizar a punição. Silveira seria solto, vestindo uma tornozeleira eletrônica e submetido a medidas cautelares, talvez até mesmo mantendo o mandato. Assim, a Câmara dos Deputados diz ao presidente Bolsonaro que tem o poder de salvar, ou de empurrar para a forca, parlamentares bolsonaristas, incluindo aí Eduardo Bolsonaro, um dos príncipes presidenciais, que não poucas vezes fez declarações iguais às de Silveira.

Com isso, se reforça a tendência que vem se consolidando desde a aproximação de Bolsonaro com o centrão. Parte da dita “direita tradicional” acredita ser possível conter Jair Bolsonaro, capturá-lo pela fisiologia e transformá-lo em um presidente “normal”, seja lá o que isso signifique. A aposta, no limite, sugere a possibilidade de distinguir o governo (ministros, base parlamentar aliada) do bolsonarismo (ideologia política disruptiva cujo horizonte sempre será a ruptura com as instituições democráticas).

Certamente, o presidente da República não está gostando de ver o que está acontecendo com um de seus aliados mais leais. Basta lembrar que Silveira gravou uma reunião do PSL em que o presidente da sigla, Luciano Bivar, criticava Jair Bolsonaro. Para provar sua lealdade, Silveira delatou o próprio partido! O evento deflagrou a crise que resultaria na saída de Bolsonaro do PSL, o que aconteceu em novembro de 2019.

Acho mesmo difícil que o presidente se manifeste em defesa de Daniel Silveira, pois bem sabe que ainda não reuniu condições para o enfrentamento final. O mais provável é que a cabeça de Silveira seja mesmo entregue numa bandeja de prata, sob o silêncio de Bolsonaro, em aparente rendição às instituições da República.

Assim, ganha-se tempo para acumular forças. Com a caneta Bic, Bolsonaro vai tentando armar suas milícias civis através de decretos que desmontam a legislação anti-armas. Com a chave do cofre, vai seduzindo as forças armadas com os privilégios que só o dinheiro público é capaz de garantir.

O tempo vai passando, passando. Enquanto isso, esperamos 2022 chegar, crentes de que, em caso de derrota nas urnas, Bolsonaro desmontará seus exércitos e se retirará do poder.

Como se fosse possível que, por uma epifania republicana, o presidente que jamais respeitou as regras do jogo fosse fazê-lo, justamente, no momento de passar a faixa.

É muito grave a crise em que nos metemos. O preço será pago por, pelo menos, duas gerações.

Fonte: https://revistaforum.com.br

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