Sou nascido e criado no Rio de Janeiro. Na periferia,
quase Baixada Fluminense. Sou carioca da clara. Moro em Salvador há três anos e
meio. Duas cidades muito parecidas entre si, no que têm de bom e no que têm de
ruim.
Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria
da História na Universidade Federal da Bahia
Violência, caos urbano, desigualdade social pornográfica.
Cidades africanas e estruturalmente racistas. Festa, Carnaval, cartão postal.
Muitas semelhanças, muitas mesmo.
Salvador leva vantagem sobre o Rio de Janeiro porque tem
praia na periferia. Acho fascinante. Uns bairros periféricos, casas humildes e
vista pro mar. Praias bonitas, de banho bom. No Rio de Janeiro, estar perto do
mar é privilégio. Fico aqui pensando a festa que não seria se tivesse praia em
Madureira. Seria outra Copacabana.
Imaginem só, conterrâneos, duas Copacabanas numa mesma
cidade!
Mas Salvador também perde em relação ao Rio. Não tem
Flamengo na Bahia. Tem muito flamenguista, por todos os lugares. Mas não tem
Flamengo. Faz falta.
Mas não é exatamente das cidades que quero falar. Nem do
Flamengo. Não hoje. Não aqui.
Quero falar é de suas mais importantes lideranças
políticas: Eduardo Paes e ACM Neto. Também muito semelhantes entre si.
Ambos são do DEM, tantinho picaretas,
relações próximas com o grande capital. Caixa dois em campanha. Gentrificaram
as cidades. Eduardo Paes chegou às vias de fato, com remoções criminosas na
época das Olimpíadas.
Carisma faceiro, malandreado, cheio das ousadias. Se
existem carioquique e soteropolitanisse como traços culturais, Eduardo Paes e
ACM Neto as encarnam perfeitamente. Se metem no meio da festa, do carnaval,
bebem, são flagrados bêbados pelas câmeras.
Gestores habilidosos, bons comunicadores. Ambos amam o
poder.
Políticos profissionais são indispensáveis
para a vida social. São eles que cuidam da rua, da praça, para que eu, pessoa
privada, possa cuidar em paz da minha casa. Essa é a lógica das modernas
democracias de massa, tão bem teorizada e criticada por Tocqueville. Os
políticos governam para que as pessoas comuns possam se dedicar aos seus
negócios particulares.
Tolos são aqueles que odeiam os políticos profissionais e
entram na onda desses outsiders neófitos aloprados que não entendem da máquina,
que não sabem governar. Pior que o político corrupto só o político
incompetente.
Políticos profissionais! Tá aí uma boa forma de definir
Eduardo Paes e ACM Neto. Os dois são profissionais. Dominam com excelência seu
ofício. Para o bem e para o mal.
Amados nas periferias e odiados pelas esquerdas. Eduardo
Paes e ACM Neto jogam na nossa cara o quanto estamos desconectados da
realidade, afastados dos sentimentos da maioria.
ACM Neto se elegeu duas vezes prefeito de Salvador. A
segunda, em 2016, foi de lavada, com os pés nas costas. Molezinha. Tá dando um
show de eficiência na gestão da pandemia da covid-19. Se nada de muito
diferente acontecer, elegerá com alguma facilidade seu sucessor nas eleições
municipais agendadas para novembro próximo.
Eduardo Paes também venceu duas vezes. Na reeleição, em
2012, venceu no primeiro turno. Na ocasião, Marcelo Freixo, do PSOL, ficou em
segundo lugar. Lembro que o PSOL comemorou a derrota. Teve até documentário: “A
primavera carioca”.
É isso mesmo que você leu! O PSOL carioca produziu um
documentário louvando uma derrota no primeiro turno!
“Campanha bonita, colorida, inclusiva”.
Políticos do quilate de ACM Neto e Eduardo
Paes não entram em campanha pra fazer pedagogia, festa, congraçamento. Entram
pra vencer. Querem vencer. Estão dispostos a tudo para vencer. Querem governar.
Amam o poder.
Amam o voto dos pobres. Não amam exatamente os pobres.
Amam mesmo é o voto dos pobres. Sabem que pra ter poder precisa ganhar eleição.
Sabem que pra ganhar eleição, tem que ter, pelo menos, metade +1 dos votos
válidos.
Especialmente em eleições municipais, pra conquistar o
voto dos mais pobres, carece de entregar alguma coisa, principalmente quando se
tem a máquina na mão. Quem gosta de campanha bonita, festiva e colorida é
estudante universitário. Povão gosta é de eficiência. Quer ganhar alguma coisa
na forma de bem-estar social. O cálculo do povão é pragmático, como deveria ser
todo cálculo.
Asfalto na rua pra criatura deixar de melar a perna de
lama até o joelho quando sai pra trabalhar. Parque público bonitinho pra levar
os meninos pra andar de bicicleta no domingo, fazer showzaço da Anitta de vez
em quando, de graça.
Carnaval apoteótico, cheio de artistas famosos. Orla
revitalizada. Academia pras tias e pros tios mexerem os músculos e manter as
juntas fortes. Posto de saúde funcionando.
Sou um sujeito de esquerda. Por coerência
ideológica, eu não deveria gostar de Eduardo Paes e ACM Neto. Mais ou menos.
Ser de esquerda significa, antes de qualquer coisa, usar a política para
melhorar a vida de quem mais precisa do Estado. Eduardo Paes e ACM Neto fizeram
isso, de alguma forma, em alguma medida. Se fizeram muito ou se fizeram pouco é
conversa pra mais de metro. Quem acha que fizeram pouco precisa apresentar
projeto melhor, viável. Precisa vencer eleição.
Fato é que o povão referendou. Os caras foram reeleitos em
primeiro turno. Isso não é dado irrelevante. O povo não é burro e nem
facilmente manipulado.
Não confio em liderança política que não gosta de poder,
que não tem tara pelo poder. Esses não têm responsabilidade com a realidade.
Têm compromisso apenas com as próprias ideias. Não vencem eleição. Não melhoram
a vida dos mais frágeis, nem mesmo dos grupos que dizem representar.
Gosto de Netinho e do Dudu Paes. Não deveria, mas gosto.
Este texto não
reflete, necessariamente, a opinião do Jornalistas Livres
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