Conforme noticiário da imprensa, enriquecido por um pitoresco registro fotográfico, um grupo de senadores da República, aderindo à moda dos rolezinhos, criada por jovens manifestantes que agem em grupos de modo espetacular, deixou o suntuoso ambiente senatorial e saiu pelas ruas de Brasília, dirigindo-se ao Supremo Tribunal Federal. Coerente com esse tipo de manifestação, o rolezinho de senadores foi até à Suprema Corte para manifestar-se contra algo mais ou menos definido: iriam pressionar os ministros do Supremo Tribunal para afastarem o risco de que eles, senadores, sejam investigados por uma Comissão Parlamentar de Inquérito.
Não há qualquer dúvida de que as discussões jurídicas sobre o cabimento e a abrangência das Comissões Parlamentares de Inquérito, que chegaram ao Supremo Tribunal Federal, estão ligadas a uma disputa política e só ocorreram porque este é um ano eleitoral. E é profundamente lamentável o uso do Supremo Tribunal Federal para alimentar essa disputa. Quanto aos aspectos jurídicos, o primeiro ponto a ser lembrado é que as comissões parlamentares de inquérito são previstas no artigo 58 da Constituição, estabelecendo o parágrafo 3º que elas poderão ser criadas “para a apuração de fato determinado”. Isso significa que não basta afirmar que ocorreram ilegalidades, mas é preciso indicar um fato determinado. O Regimento Interno do Senado, por sua vez, dispõe, no artigo 145, parágrafo 1º, que o requerimento de criação de uma Comissão de Inquérito “determinará o fato a ser apurado”. É oportuno lembrar que as comissões parlamentares de inquérito são reguladas pela Lei Federal número 1.579, de 1952, que no seu artigo 5º, parágrafo 1º, estabelece que, “se forem diversos os fatos objeto de inquérito, a comissão dirá, em separado, sobre cada um”. Como é evidente, a mesma comissão poderá investigar fatos diversos, devendo destacar, entretanto, as irregularidades de cada um.
Para deixar evidente o uso eleitoreiro que vem sendo feito das Comissões Parlamentares de Inquérito, basta uma breve síntese do que vem ocorrendo na prática. Estão em andamento para criação quatro propostas, que passamos a enumerar. Uma delas, de iniciativa de senadores que fazem oposição ao governo, tem por objeto a investigação da aquisição de uma refinaria pela Petrobras em Pasadena, nos Estados Unidos, em 2006. Outra, proposta por senadores integrantes da base de apoio ao governo, requer que seja criada uma comissão para investigar negócios irregulares da Petrobras, mas também irregularidades cometidas nas obras do metrô de São Paulo e no porto de Suape, em Pernambuco. Uma terceira, que é mista, integrada por senadores e deputados, tem também por objetivo exclusivamente as atividades da Petrobras. Uma quarta, também mista, tem por objeto atividades da Petrobras e também a aquisição de trens do metrô de São Paulo e do Distrito Federal, a realização de obras no porto de Suape, em Pernambuco, e irregularidades em contratos da refinaria de Abreu e Lima, também em Pernambuco.
Em decorrência dessas iniciativas, foi impetrado um mandado de segurança junto ao Supremo Tribunal Federal pedindo a sustação das investigações sobre a Petrobras, com base no argumento de que não foi indicado um fato determinado que configurasse a ilegalidade. A esse respeito, o presidente da Comissão de Constituição e Justiça enviou consulta ao Supremo Tribunal Federal, indagando sobre a validade da abrangência múltipla da mesma comissão de inquérito. Outro mandado de segurança pede que o Supremo Tribunal Federal determine a exclusão de investigações sobre questões alheias à Petrobras.
Aí está um quadro profundamente lamentável e que, certamente, não contribuirá para dar uma imagem positiva dos senadores da República, como defensores do interesse público. É óbvia a busca do espetáculo para fins político-eleitorais. E o desfile dos integrantes do rolezinho de senadores, absolutamente oposto à imagem de seriedade, equilíbrio e serenidade, que devem ser atributos dos que integram esse órgão da República, deixa evidente que é preciso refletir seriamente sobre a necessidade de uma reforma política. Esse comportamento de um grupo de senadores, indo às ruas de modo espetacular e em manifesto desrespeito ao Supremo Tribunal Federal, será mais um elemento importante para uma séria e profunda reflexão sobre a organização política do Brasil. Entre outras questões, é necessária a existência do Senado ?
*Dalmo de Abreu Dallari é jurista. - dallari@noos.fr, sdallari@uol.com.br.
Fonte: AposentadoInvocado
Nenhum comentário:
Postar um comentário