segunda-feira, 16 de novembro de 2020

A volta ao mar grande " Eleições 2020"

As urnas são um manancial para entender a sociedade brasileira num momento de grandes mudanças sociológicas e comportamentais.

Depois do estresse de 2013, culminado com a crise de 2016 e a vitória da extrema-direita em 2018, a gramática da disputa eleitoral deixou de lado a negação da política, a mensagem antissistema, a pauta do ódio.

A vencedora nas urnas é a Política. A disputa voltou a uma racionalidade política que não é a polarização dos extremos, mas a disputa pelo consenso médio da sociedade.

Voltam ao centro do debate os problemas econômicos e sociais da população, vistos pelo prisma da situação das cidades. A pandemia, o confinamento e as carências sociais, não a negação, ditam a racionalidade do voto popular.

No concernente à lógica da eleição em 2018, foi desta vez uma disputa pelo eleitor bolsonarista e antipetista furibundo, rachado e disperso em múltiplas vertentes, ao lado da disputa pelo eleitor petista, mais disperso hoje.

Dadas as contingências da campanha, beneficiaram-se muito os atuais mandatários, sobretudo quando enfrentaram bem a pandemia.

Manteve-se a insana pulverização das legendas partidárias, estimuladas mais ainda com o fim das coligações proporcionais. A votação dos candidatos em geral reduziu-se. A judicialização das campanhas seguiu, inclusive com normas estapafúrdias implantadas com o jogo já começado, ilegítimas segundo o ordenamento político-jurídico em voga.

Tudo isso se Isso se expressou nas urnas. Evidencia-se a derrota política e eleitoral do bolsonarismo. Por outro lado, alcançam mais força os maiores derrotados de 2018 – a direita e centro-direita liberal (DEM, PSDB, MDB e PSD entre outras legendas). Houve espaço para a manutenção do previsível esquema do Centrão, um rendilhado de legendas que se fortaleceram, estando no governo federal e beneficiado por emendas da ordem de 23 bi de reais.
Um terceiro pólo é a esquerda. Vê-se um início de recuperação com caras novas (Boulos e Manuela, pex) e o PT se recuperou parcialmente sem renovar-se, apesar do antipetismo remanescente. Todos foram muito penalizados pela falta de seu predicado fundamental em campanhas, que é a mobilização popular. A centro esquerda manteve suas já importantes posições (PDT, PSB).

O mais importante é que a esquerda retoma o diálogo com a grande maioria da sociedade com base nos problemas do cotidiano. É a volta ao grande mar, deixando as lagoas e poças de água dos nichos autoreferidos.

Não houve maior esforço de unidade entre as forças do campo popular e trabalhista. O fim das coligações, as diversas barreiras implantadas para essas legendas, mais a interdição política entre PT e o PDT-PSB e a estreiteza de alianças do PSOL, explicam isso. Mas no segundo turno volta também essa racionalidade.

As bandeiras da diversidade vieram para ficar, usada com diferentes estratégias políticas. Mulheres e negros foram valorizados na campanha, mas há que analisar os efeitos na eleição de mandatos propriamente ditos. As fake news deixaram de ser a mãe de todas as batalhas. O espaço central da campanha foram as redes e manteve-se indispensável na campanha o programa de TV dos candidatos. Os índices de abstenção, votos nulos e brancos se mantiveram nos marcos tradicionais (a ver), malgrado o confinamento social.

O peso desses resultados políticos para a situação das crises múltiplas no país ainda precisa ser melhor avaliado. Bolsonaro não tem partido, não ganhou eleições, dispersou-se em boa medida a polarização que provocou, faz um governo trôpego num país à deriva, cheio de conflitos e sem rumo. Perdeu também com Trump e está isolado internacionalmente. Vai contar com o que em sua estratégia única hoje, que é reeleger-se?

O jogo volta a ficar aberto. O resto depende da disputa legítima entre projetos para o Brasil, pactuando o ambiente democrático necessário. Ainda não se deve subestimar os arreganhos de Bolsonaro, uma ampla frente tácita das forças democráticas é necessária. E, mais que nunca, é preciso manter desinterditados os canais da política, do diálogo e concertação política, ao lado de retomar com força o trabalho de base popular, porque a crise brasileira é tremenda e pode piorar com o seu aguçamento político em 2021.

Fonte: http://waltersorrentino.com.br

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