Nos últimos meses, temos acompanhado no noticiário paulistano os escândalos da máfia do ISS (Imposto Sobre Serviços) e do cartel metroferroviário de São Paulo.
No primeiro caso, a máfia que atuava na prefeitura reduzia o ISS cobrado pela realização de obras, garantindo, em troca, propina para funcionários da administração paulistana. Já o esquema que está sendo investigado no metrô de São Paulo e na CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos) envolve fraudes em licitações e pagamento de "caixinha" para funcionários, beneficiando diversas empresas prestadoras de serviços ao governo do Estado.
Em ambos os casos, embora ainda não claramente comprovados, existem indícios de que a participação de políticos --parlamentares ou detentores de cargos comissionados nos governos-- e o financiamento de campanhas também fazem parte dos esquemas.
São inquestionáveis os danos aos cofres públicos causados por esses e outros casos de corrupção. E, obviamente, tanto os agentes públicos envolvidos como as empresas privadas corruptoras devem ser punidos após investigação e conclusão dos processos judiciais.
Mas existe algo mais profundo na relação perversa estabelecida entre essas empresas e o poder público que pouco está sendo comentado: trata-se do quanto isso interfere no rumo de nossas cidades, através da definição de projetos, obras e políticas urbanas.
Em casos como esses, os recursos desviados ou superfaturados não apenas beneficiam as pessoas diretamente envolvidas (corruptores e corruptos), mas também financiam e viabilizam campanhas de candidatos dos mais diversos partidos, em eleições para cargos tanto no parlamento como no Executivo.
Depois de eleitos, seja nas câmaras, assembleias ou controlando secretarias nos governos, estes representantes buscam implementar projetos e programas que favoreçam os interesses das empresas que financiam suas campanhas.
Isso explica, por exemplo, como de repente aparece uma ponte ou um viaduto no meio de um projeto urbanístico que não previa isso originalmente, gerando mais uma obra milionária para uma empreiteira.
Quem já não viu também aparecerem emendas apócrifas em projetos de lei que mudam regras de uso e ocupação do solo, favorecendo claramente os interesses de construtoras e incorporadoras, em meio a negociações "difíceis" para a aprovação de projetos?
Quantos planos, projetos e regras, depois de amplamente debatidos nas instâncias públicas formais, acabam sendo mudados para atender os interesses específicos dos financiadores de campanhas/alimentadores de esquemas de corrupção?
Por onde passam, por exemplo, as decisões sobre que linha de metrô vai ser construída ou ampliada primeiro, ou se o novo trajeto vai passar por aqui ou por ali?
Essas definições interferem na vida de milhões de pessoas, cujas opiniões, em geral, não são determinantes nas decisões, já que a máquina de reprodução de mandatos e seus financiadores estabelecem um canal paralelo de tomada de decisões, mais poderoso e eficiente do que os mecanismos existentes para escuta, debate e participação dos cidadãos.
Por esta razão, apenas denunciar corruptos e corruptores, como se o problema se resumisse a uma questão de natureza ética e de volume de recursos públicos perdidos ou desviados é, infelizmente, uma cortina de fumaça que nos impede de ver o quanto estes esquemas na verdade definem o destino de nossas cidades.
Raquel Rolnik é urbanista, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo e relatora especial da Organização das Nações Unidas para o direito à moradia adequada
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