POR LAURENIO SOMBRA, professor de Filosofia Política – UEFS
Esta é uma provocação para quem: (1) se considera de esquerda, entende que é fundamental que as políticas do nosso país atuem cada vez mais claramente em combate às desigualdades sociais e num freio às medidas atuais que estão indo justamente em sentido contrário; (2) acredita que, apesar de tudo, é importante que a atuação política também tem de ser feita no âmbito institucional e com esses partidos que temos aí (para além do sonho de termos coisa melhor um dia); (3) Tem disposição para fazer algo nas próximas semanas, contribuindo, no seu âmbito, para um resultado melhor nessas eleições.
Tudo o que se fala das eleições é em quem votaremos para presidente (e governador). Quem é de esquerda está dividido entre Boulos, Lula/Haddad e, talvez, Ciro Gomes. Há uma repulsa generalizada, claro, por Bolsonaro, mas também uma percepção de que o mercado tenta impulsionar Alckmin e não consegue, e que Marina há muito tempo deixou de apresentar propostas de esquerda. Os outros são irrelevantes em termos de possibilidades.
Quando são discutidas as propostas, todos os candidatos de esquerda falam em uma reforma tributária mais justa (variando entre mais imposto para patrimônio e herança, cobrança de lucros e dividendos, desoneração das classes mais baixas e/ou médias etc.), reversão das regras draconianas impostas pela reforma trabalhista e pelo teto dos gastos, e defendem uma reforma da previdência mais cuidadosa com a classe trabalhadora e com as classes mais populares em geral.
Todos eles, quando entrevistados, são obrigados a responder: mas como fazer tudo isso com minoria no parlamento? E aí entramos no X da questão. Quase tudo o que os candidatos dizem que vão fazer é realizado no Congresso (Senado e Câmara dos Deputados). E temos a sensação de que, não importa quem seja eleito para presidente, o parlamento será sempre reacionário, conservador e governado por bancadas ruralistas, evangélicas, da bala, dos grandes empresários, dos sistemas de saúde privados etc. Isso implica, caso a esquerda vença, em governos ameaçados constantemente por golpes (como foi o segundo mandato de Dilma) ou coalizões estranhas e acordos de gabinetes em detrimento das promessas de campanha. Ou implica, caso a esquerda perca, um rolo compressor que aprove tudo o que for antipopular, como acontece no governo Temer.
Mas o parlamento não decorre de uma lei da natureza, ele também é eleito. Só que de uma forma tão estranha e pouco intuitiva (de acordo com o tal quociente eleitoral) que a sua votação corresponde muito pouco a qualquer desejo da população.
Didaticamente, talvez pudéssemos dividir o eleitorado em três grupos: (1) pessoas claramente de esquerda, o público-alvo dessa coluna. Estas votam em partidos de esquerda. Mesmo quando não sabem em que deputado votar, votam na legenda (PT, PSOL, PC do B…); (2) pessoas claramente de direita, mesmo que de centro-direita. Podem votar no DEM, no PSDB ou em deputados de outro partido de direita; (3) pessoas que se posicionam pouco politicamente, podem votar em qualquer partido. Normalmente as escolhas destas são: por um candidato por quem simpatizam, independente do partido; por uma causa que parece interessante (o deputado que cuida dos cachorros, o médico fulano de tal, fulana que faz um bom trabalho social etc.); por um candidato famoso; por um amigo ou amigo de amigo; por um candidato engraçado, como uma espécie de voto nulo.
Desconfio que as pessoas do tipo (3) são a maioria. E é justamente o voto delas que produz a sensação de falta de representatividade. Elas não pensam nos partidos. E não percebem, que graças às nossas regras do quociente eleitoral, o voto no seu “candidato preferido” vai ser somado ao conjunto de votos do partido e vai multiplicar o número de deputados desse partido, mesmo que não seja elegendo o seu candidato. Foi assim, por exemplo, que Tirica ou Eneias elegeram diversos deputados com pouquíssimos votos. Não percebem que, nas nossas regras (para deputado ou vereador), o voto é sempre no partido, afinal.
É fundamental que as pessoas percebam, e nós ajudemos nisso, que faz muita diferença em que partido votar. É preciso admitir que nós e os veículos de esquerda não temos sido muito bons nisso. Um exemplo? Toda vez que o congresso faz votações antipovo, é publicado: saiba como votaram os deputados (por exemplo) a favor da reforma trabalhista. E nós multiplicamos esta notícia. Mas não algo que informe: saiba como votou cada partido na reforma trabalhista. No final, não temos uma memória organizada do posicionamento dos partidos em cada eleição. Com isso, eles continuam com “licença para matar” nas eleições seguintes.
Eu tentei fazer um agregado de quatro votações importantes na Câmara dos Deputados. Os últimos anos são especialmente emblemáticos porque a perda de controle do PT deixou os votos mais próximos das “intenções reais” de cada partido. A surpresa é que, gostemos ou não dos resultados, eles são mais coerentes do que parecem.
Por exemplo: se considerarmos a (1) reforma trabalhista, (2) a ampliação total dos terceirizados e (3) a PEC do teto dos gastos, PT, PC do B, PSOL e Rede (a grande surpresa, quero comentar sobre isso depois) não deram nenhum voto a favor.
O PSDB votou 74% a favor da terceirização total, 98% a favor da reforma trabalhista e 100% a favor da PEC dos gastos. O DEM votou 100% por terceirização total, 100% pela reforma trabalhista e 96% pela PEC dos gastos. Outros partidos de direita com bancadas significativas (PR, PTB, PMDB, PP, PSD) tiveram o mesmo comportamento.
Há partidos mais ambíguos. O PSB votou 57% pela terceirização, 47% pela reforma trabalhista e 69% a favor da PEC dos gastos. O PDT só deu 6% pela terceirização, 6% pela reforma trabalhista e 35% pela PEC dos gastos.
Se consideramos o impeachment (sempre na Câmara): PT, PSOL e PC do B foram totalmente contra. O PDT teve 33% a favor. PSB teve 91% de votos a favor. A Rede teve 50% a favor. PSDB e DEM votaram 100% a favor. Todos os partidos de direita citados anteriormente (PR, PTB, PMDB, PP, PSD) foram igualmente a favor, em sua maioria.
O caso da Rede é curioso. Exceto no impeachment, seus deputados (quatro até aquele momento) sempre votaram a favor da pauta da esquerda. A sua grande líder Marina, no entanto, praticamente não se posicionava nessas questões. Ela, que diz “não ser de direita nem de esquerda”, apoiou Aécio Neves nas eleições passadas (2º turno) e assumiu uma política econômica basicamente neoliberal, desde a eleição anterior. Também foi bastante ambígua com o golpe. Foi a favor, mas achava que o TSE deveria cassar a chapa Dilma-Temer. Isso gerou efeitos claros em seu novo partido. Algumas personagens políticas interessantes se filiaram a ele, mas muitas saíram depois (o apoio a Aécio e o apoio ao golpe foram os motivos mais determinantes). Agora, se não me engano, só restaram dois deputados, os que votaram a favor do golpe.
Diante disso, o que fazer? Minha proposta: nós, de esquerda, podemos nos esforçar mais para convencer pessoas do tipo (3), aquelas que votam em qualquer partido ao sabor dos ventos. E não apenas para eleições do poder executivo, mas do parlamento. A energia que eventualmente canalizamos para presidente ou governador deve ser colocada, no mesmo nível, com o poder legislativo. Sem dar voltas: nas condições atuais, os partidos que mais se aproximam de um posicionamento próximo das questões populares são PT, PSOL e PC do B. Os dados que mostrei mostram que esses partidos, com todas as contradições que têm, ainda se posicionam de modo muito diferente em questões capitais. Se tivermos um parlamento mais robusto de esquerda, teremos muito mais condição (ganhando ou não as eleições no poder executivo) de aprovarmos leis mais justas, de rejeitarmos ou mesmo cancelarmos leis mais iníquas.
Cada um pode fazer isso de acordo com suas convicções. Para quem é de esquerda e não concorda com o PT, há pelo menos dois outros partidos de esquerda (PSOL e PC do B) com concorrência viável. Para quem acha que é o momento de apoiar o PT, vale a pena centrar forças nisso. Nesse momento tão particular, da minha parte vou tentar convencer “meus” eleitores do tipo (3) que votem em qualquer um dos três partidos. Para quem não tiver candidatos a indicar, basta sugerir que votem na legenda.
Os itens que escolhi para análise, Reforma trabalhista, terceirização, PEC dos gastos, impeachment, são votações bem convincentes, em minha opinião. E eles são só indicativos de eleições fundamentais no Parlamento que virão a partir de 2019. Continuamos a ter a população rica sem pagar imposto por lucros e dividendos, continuamos a ter um dos mais baixos impostos sobre patrimônio e herança, continuamos a ter uma lei das drogas que pune a população negra e pobre, e assim por diante. Não temos nenhuma chance de reverter essas coisas com partidos de direita com maioria no parlamento brasileiro. Nessas condições, também temos poucas chances de reverter uma PEC que impõe uma paralisação nos investimentos, na educação e na saúde por 10 ou 20 anos.
Que tal cada um escolher uma meta de pessoas a convencer e correr atrás? O parlamento atual não é uma lei da natureza.
Fonte Diário do Centro do Mundo - DCM
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