sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Nan Goldin no Brasil das ironias

"Não fui censurada pelas drogas ou pelo sexo, mas por causa das crianças"
A fotógrafa Nan Goldin teve sua exposição cancelada no Rio de Janeiro. O centro cultural Oi Futuro, que cederia três salas para a exibição fotográfica, decidiu cancelar a apresentação. A alegação foi de um conflito com seu projeto educacional. Agora, a mostra será levada ao MAM em fevereiro de 2012.
 
Nan Goldin tem uma obra que pode ser chamada de autobiográfica. Fotografou a si própria, namorados e namoradas, amigos e pessoas próximas. Travestis, bissexuais, drogas, homossexuais, jovens, grávidas, crianças. Conhecida mundialmente, inclusive tendo participado da última Bienal de São Paulo, espantou-se com aquilo que chamou de censura no Brasil.
 
O jornal O Globo, em versão impressa e online, publicou uma ótima entrevista com a fotógrafa, a qual reproduzo abaixo. Antes, destaco uma citação de Nan sobre a polêmica:
"É irônico que isso aconteça no Brasil, um país que sempre me pareceu
A fotógrafa Nan Goldin teve sua exposição cancelada no Rio de Janeiro. O centro cultural Oi Futuro, que cederia três salas para a exibição fotográfica, decidiu cancelar a apresentação. A alegação foi de um conflito co
muito aberto, um lugar onde eu achava que as pessoas eram livres, sem aquele medo do corpo que costuma gerar restrições sociais puritanas"
Nan Goldin
Nan Goldin critica polêmica gerada em torno de suas imagens
Artista plástica se diz surpresa com com cancelamento da exposição no Oi Futuro
 
RIO - Até a semana passada, a artista americana Nan Goldin, de 58 anos, que tem obras nos principais museus do mundo, achava que o Brasil era um país “muito aberto”, um lugar onde não havia espaço para aquele “medo do corpo que costuma gerar restrições sociais puritanas”. Nesta semana, depois de ter recebido do Oi Futuro Flamengo, centro cultural onde exporia sua obra a partir do dia 9 de janeiro, o pedido para que retirasse de seus slideshows toda e qualquer imagem de criança, comprovou seu engano.
 
Em entrevista ao GLOBO, de Munique, Nan se diz surpresa por constatar que o Brasil também foi engolido pela onda de “caça às bruxas” que assola o mundo quando o assunto é criança e a sexualidade. Ressalta que suas fotos retratam a dificuldade humana de se relacionar e não apenas o submundo das drogas e do sexo e diz que jamais faria mal a um menor de idade. Defende, inclusive, que eles tenham acesso livre a seu trabalho.
Com voz rouca, Nan afirma que considera uma ironia que, no mesmo país onde há crianças nas ruas, vivendo “vidas difíceis e perigosas, sendo ameaçadas e mortas até pela polícia”, suas fotos causem tanto alvoroço.
 
Exposição em Berlim
 
Como soube da polêmica em torno da exibição no Rio?
 
NAN GOLDIN: Eu estava em Munique, fotografando para um jornal alemão, e soube da censura por meio de Thomas Dupal, meu assistente em Paris. Ele fala português e traduziu as notícias publicadas na imprensa brasileira.
 
E qual foi a sua reação?
 
É uma situação ridícula e quero que um ponto fique claro: não fui censurada pelas drogas ou pelo sexo, mas por causa das crianças. E, apesar de já ter sido muito censurada na vida, nunca, em lugar nenhum do mundo, o slideshow “The ballad of sexual dependency” (A balada da dependência sexual) havia sido censurado por causa delas.
 
A curadora da mostra, Ligia Canongia, contou que você pensou em usar cartazes pretos em substituição às imagens vetadas. Por quê?
 
Para evidenciar a censura. Eles me pediram que retirasse imagens de crianças usando fraldas!
 
E como interpreta essa situação?
 
É irônico que isso aconteça no Brasil, um país que sempre me pareceu muito aberto, um lugar onde eu achava que as pessoas eram livres, sem aquele medo do corpo que costuma gerar restrições sociais puritanas. Fora isso, por conta de filmes e leituras, acredito que, no que tange ao respeito às crianças brasileiras, há uma crise muito maior acontecendo por aí. Muitas delas estão nas ruas, levando vidas difíceis e perigosas, sendo ameaçadas e mortas até pela polícia (em referência à chacina da Candelária, de 1993). São problemas muito, mas muito mais graves do que a questão fabricada em torno do trabalho que faço. Por que, de repente, tão protetores? Pretendo discutir esse assunto mais profundamente algum dia.
 
Sua arte também é para crianças ou é apenas para maiores de idade?

Minhas fotos também são para crianças! Muitas já assistiram a meus slideshows e gostaram. Crianças que fotografei há mais de dez anos são hoje minhas amigas e têm orgulho de estar na obra. Nunca vi uma criança triste! Nunca fiz mal a nenhuma delas

Mas algumas pessoas acham que você se aproveita delas...
 
Não faço meu trabalho para vender ou chamar a atenção. Trabalho para mim e para meus amigos. Até por isso não vendo muito. E mais: nunca abusaria de uma criança! Jamais registraria o abuso de uma delas. Nunca fotografei ninguém para fazer sensacionalismo. O que há, hoje em dia, é uma caça às bruxas no que diz respeito a crianças e sexualidade.
 
Essa polêmica no Rio pode render algum fruto positivo para alguém?
 
Sim. Espero que os artistas brasileiros se unam e montem um grupo para vigiar esse tipo de questão e evitar que a censura aconteça. Em 1999, em Nova York, o governo tirou o apoio financeiro de um evento sobre Aids e acabou dando mais publicidade a ele. Quinze mil pessoas foram protestar, e nasceu um grupo de artistas contra censura. Seria maravilhoso se algo parecido acontecesse por aí.
 
Sua vinda ao Rio está mantida?
 
Não sei, mas acho que devo ir em janeiro para ajudar a montar a exposição no Museu de Arte Moderna. Estou animada com a ideia de exibir lá.
 
Não pretendia fotografar por aqui?
 
Tenho alguns projetos na cabeça. O candomblé é uma opção, mas também quero clicar crianças brasileiras para acrescentar um capítulo ao slideshow “Fire leap”, que já tem 15 minutos de duração e não para de crescer. Também poderia fotografar drag queens de novo ou um grupo de soropositivos. Outra ideia é o dia a dia de lésbicas. Mas não sei.
 
Os artistas brasileiros saíram em peso em defesa de sua exposição...
 
Eu soube. Estou impressionada e emocionada com o apoio que recebi. Quem sabe não fazemos uma grande festa para conhecê-los? Seria ótimo.
 

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