quarta-feira, 28 de julho de 2021

O incêndio de Borba Gato (ou quem brinca com fogo, faz xixi na cama)

A estátua de Borba Gato, na Avenida Santo Amaro, cidade de S. Paulo, foi incendiada no sábado (24/07). Um grupo com o exótico nome de “Revolução Periférica” (v. o Instagram do grupo) assumiu a ação.

Borba Gato, genro do famoso Fernão Dias Paes Leme – sobre o qual Bilac escreveu “O Caçador de Esmeraldas” -, foi um dos paulistas que, no século XVII, descobriram o ouro e as pedras preciosas no território do atual Estado de Minas Gerais, o que deu início a um ciclo econômico (e político), que conhecemos hoje mais pelo seu decadente final, denunciado pela Inconfidência Mineira, do que por seu auge.

Isso, naturalmente, não quer dizer que Borba Gato fosse boa bisca. Não foi para desencadear um novo ciclo na História do Brasil que ele buscou, encontrou e explorou, com brutalidade impiedosa, as riquezas da então colônia. Seu objetivo era enriquecer – e extrair a parte da metrópole, da Coroa lusitana, pois Borba Gato era “tenente-general do Mato”, responsável, diante do rei português, pela área mais rica, em sua época, do hoje território mineiro.

Essa brutalidade foi sobretudo em cima de índios e negros, é verdade, mas também em cima de brancos (Borba Gato assassinou até mesmo um enviado da Coroa, nobre, branco e lusitano, que pretendia tirar dele algumas das minas que espoliava, crime pelo qual foi perdoado, em troca de algumas riquezas que passou ao rei).

Todo mundo tem direito de não gostar de Borba Gato. Agora, incendiar a estátua dele – que obedece, aliás, a uma estética de fábrica de brinquedos – é coisa de basbaque.

Primeiro, porque é mera imitação do exterior, onde, nos EUA e Inglaterra, algumas estátuas foram derrubadas nos últimos meses, em geral de escravagistas (se esses derrubadores de estátuas fossem coerentes, teriam que derrubar também as estátuas de John Locke, o teórico dos “três poderes”, e até de Voltaire, ambos acionistas de empresas traficantes de escravos).

Por fim, até a estátua do Padre Antônio Vieira em Lisboa foi depredada – logo Vieira, que, em uma carta famosa, defendeu que a Igreja tivesse sacerdotes negros.

Segundo, incendiar a estátua de Borba Gato é falta do que fazer, no momento em que há muito para se fazer.

Bolsonaro promove um assassinato de mais de meio milhão de brasileiros – sobretudo entre negros, que são a maioria da população, e também entre brancos e índios -, mas a principal atividade desse grupo é incendiar a estátua de um elemento que morreu há mais de 300 anos. É muita vontade de não fazer nada, exceto uma presepada.

Não é à toa que o grupo se intitula “Revolução Periférica”. Parece coisa daquela mídia reacionária, que adora a “ideologia” da periferia, a “arte” da periferia, a sabe-se-lá-o-quê da periferia, para que os pobres – sobretudo os que não são brancos – continuem na periferia.

Agora, portanto, apareceram os que querem fazer a “revolução” na periferia – e deixar o centro para a reação, isto é, para os exploradores da periferia.

Por fim, é evidente que seria aceitável se alguém ou algum grupo promovesse um movimento para retirar a estátua de Borba Gato do local. Afinal, com 13 metros de altura, ela deve ser maior do que qualquer estátua de Zumbi, Tiradentes, Luiz Gama, Getúlio Vargas ou Santos Dumont, que haja em São Paulo, ou, talvez, no Brasil.

Seria, pelo menos, um movimento, algo com um objetivo social ou consciência histórica.

Porém, o incêndio – que, aliás, não afetou a estrutura da estátua – foi pura travessura de crianças querendo aparecer. Ou palhaçada de gente imatura, acreditando-se espadachim em filme de Hollywood.

E, como se sabe, quem brinca com fogo, faz xixi na cama.

Publicado originalmente no portal Hora do Povo.

Fonte: https://waltersorrentino.com.br

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