A tentativa de golpe de Estado de 8 de janeiro
fracassou. Mas isso não significa que estejamos livres de novos golpes.
Bolsonaro passou quatro anos alimentando ideologicamente e com milhares de
cargos e armas e muito dinheiro o espírito golpista, não apenas das Forças
Armadas mas das forças policiais como um todo, mais milicianos e CACs. Não é
possível tentar esconder toda essa sujeira debaixo do tapete e fingir que o
governo Lula acabou com o golpe.
Este artigo do frei Betto trata disso e também do que fazer para não sermos
surpreendidos.
A democracia em risco
Não
nos iludamos de novo: nossa frágil democracia continua em risco. Recordo do
governo João Goulart e suas propostas de reformas de base, ao início da década
de 1960. As Ligas Camponeses levantavam os nordestinos. Os sindicatos defendiam
com ardor os direitos adquiridos no período Vargas. A UNE era temida por seu
poder de mobilização da juventude.
Era
óbvia a inquietação da elite brasileira. Passou a conspirar articulada no IBAD,
no IPES e outras organizações, até eclodir nas Marchas da Família com Deus pela
Liberdade. Contudo, o Partido Comunista Brasileiro tranquilizava os que sentiam
cheiro de quartelada – acreditava-se que Jango se apoiava num esquema militar
nacionalista. E, no entanto, em março de 1964 veio o golpe militar. Jango foi
derrubado, a Constituição, rasgada; as instituições democráticas, silenciadas;
e Castelo Branco empossado sem que os golpistas disparassem um único tiro. Onde
andavam “as massas” comprometidas com a defesa da democracia?
Conheço
bem o estamento militar. Sou de família castrense pelo lado paterno. Bisavô
almirante, avô coronel, dois tios generais e pai juiz do tribunal militar
(felizmente se aposentou à raiz do golpe).
Essa
gente vive em um mundo à parte. Sai de casa, mas não da caserna. Frequenta os
mesmos clubes (militares), os mesmos restaurantes, as mesmas igrejas. Muitos se
julgam superiores aos civis, embora nada produzam. Têm por paradigma as Forças
Armadas nos EUA e, por ideologia, um ferrenho anticomunismo. Por isso, não
respeitam o limite da Constituição, que lhes atribui a responsabilidade de
defender a pátria de inimigos externos. Preocupam-se mais com o s “inimigos
internos”, os comunistas.
Embora
a União Soviética tenha se desintegrado; o Muro de Berlim, desabado; a China,
capitalizada; tudo que soa como pensamento crítico é suspeito de comunismo.
Isso porque nas fileiras militares reina a mais despótica disciplina, não se
admite senso crítico, e a autoridade encarna a verdade.
O
Brasil cometeu o erro de não apurar os crimes da ditadura militar e punir com
rigor os culpados de torturas, sequestros, desaparecimentos, assassinatos e
atentados terroristas, ao contrário do que fizeram nossos vizinhos Uruguai,
Argentina e Chile. Assistam ao filme “Argentina,1985”, estrelado por Ricardo
Darín e dirigido por Santiago Mitre. Ali está o que deveríamos ter feito. O
resultado dessa grave omissão, carimbada de “anistia recíp roca”, é essa
impunidade e imunidade que desaguou no deletério governo Bolsonaro.
Não
concordo com a opinião de que só nos últimos anos a direita brasileira “saiu do
armário”. Sem regredir ao período colonial, com mais de três séculos de
escravatura e a dizimação de indígenas e da população paraguaia numa guerra
injusta, há que recordar a ditadura de Vargas, o Estado Novo, o Integralismo, a
TFP e o golpe de 1964.
O
altissonante silêncio dos militares perante os atos terroristas perpetrados por
golpistas a 8 de janeiro deve nos fazer refletir. Cumplicidade não se consuma
apenas pela ação; também por omissão. Mas não faltaram ações, como os
acampamentos acobertados pelos comandos militares em torno dos quartéis e a
atitude do coronel da guarda presidencial que abriu as portas do Planalto aos
vândalos e ainda recriminou os policiais militares que pretendiam contê-los.
“O
preço da liberdade é a eterna vigilância”, reza o aforismo que escuto desde a
infância. Nós, defensores da democracia, não podemos baixar a guarda. O
bolsonarismo disseminou uma cultura necrófila inflada de ódio que não dará
trégua à democracia e ao governo Lula.
Nossa
reação não deve ser responder com as mesmas moedas ou resguardar-nos no medo.
Cabe-nos a tarefa de fortalecer a democracia, em especial os movimentos
populares e sindicais, as pautas identitárias, a defesa da Constituição e das
instituições, impedindo que as viúvas da ditadura tentem ressuscitá-la.
O passado ainda não passou. A memória
jamais haverá de sepultá-lo. Só quem pode fazê-lo é a Justiça.
Fonte: https://blogger.googleusercontent.com
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