quarta-feira, 10 de maio de 2017

Fagnani: “Se a Reforma da Previdência passar, vamos ter velhos morrendo embaixo da ponte”

Escrito Por RENATO BAZAN

O professor Eduardo Fagnani, do Departamento de Economia da Universidade de Campinas, é uma figura conhecida no debate da Previdência Social. Além de dar palestras frequentes sobre o tema, Fagnani é uma das cabeças por trás da Plataforma Política Social, um portal de análises econômicas aprofundadas.
Falamos com Fagnani pouco antes do espetáculo de horrores que foi a reunião da Comissão Especial da Reforma da Previdência nesta terça-feira (9), quando o Congresso foi cercado por grades e chamou policiamento ostensivo (com armas de fogo) para impedir o acesso dos manifestantes à sessão que aprovou o substitutivo da PEC 287/16.
Enquanto a Reforma avança como um rolo compressor, algumas mudanças de última hora apareceram para torná-la mais fácil de engolir. Bastante irritado, Fagnani nos deu sua avaliação sobre essa “nova” Reforma da Previdência. Confira.
Portal CTB: Depois da grande rejeição da Reforma da Previdência pela população, os deputados propuseram uma série de medidas para torná-la mais “agradável”. Como o senhor avalia essas mudanças?
Eduardo Fagnani: Olha, são mudanças cosméticas. Porque eles reduziram a idade mínima da mulher, dos rurais, mas mantiveram um tempo de 25 anos de contribuição. Aí não muda nada!
O maior problema pra mim é esse, porque 80% das pessoas não conseguem chegar a isso. Há pouca gente que chega a 25 anos de contribuição, e eu estou te falando isso antes da terceirização e da reforma trabalhista. O Dieese mostra que, em média, o trabalhador só consegue contribuir 9 meses a cada 12, por conta da informalidade, que já chegou a 50%, e por conta da rotatividade. E a terceirização amplia a rotatividade - DOBRA ele, na verdade.
Aí você coloca a Reforma Trabalhista, que vai piorar isso também, porque vai criar empregos temporários, de curta duração e com prazo determinado, e tudo vai ampliar essa dificuldade de a pessoa ficar 25 anos contribuindo. Se o cara contribui durante 9 meses em 12, então ele vai precisar de 33 anos para completar os 25 de contribuição.
Isso é para conseguir 75% do benefício. O que mudou quanto à concessão da aposentadoria integral?
Essa é outra questão - toda essa conversa é só para 75% da aposentadoria, não é integral. Ele propuseram substituir aqueles 49 anos por 40, mas isso é excrescência, é uma piada de mal gosto. É impossível - é IMPOSSÍVEL, pelas condições do mercado de trabalho atual, e será ainda mais impossível com as reformas, alguém conseguir chegar a 40 anos de contribuição. Eles estão se divertindo com isso!
Mesmo com a redução de 49 para 40, isso ainda é mais elevado do que diversos países desenvolvidos. Não dá nem para comentar direito.
As regras de transição também sofreram mudanças, que o governo diz serem positivas. O senhor concorda?
Não, não mesmo. A realidade é que sequer a aposentadoria parcial o pessoal vai conseguir, porque a nova regra é inatingível. É um escárnio total. A nova regra de transição para o Regime Geral da Previdência Social (RGPS). Ela começa para mulheres de 53 anos e homens de 55, só que isso vai mudando um ano a cada dois anos a partir de 2020. Ou seja, a mulher de 53 anos, ao chegar em 2020, quando ela estiver quase para se aposentar, vai precisar de 55, e o homem, 57. Aí quando chegar em 2022, vai precisar de 57. E depois de dois anos, ela está quase lá, aí vira 59.
É uma corrida de obstáculos que você já sabe que vai perder, e não termina aí: além dessa mudança de idade, o tempo de contribuição, que hoje é de 15 anos, na regra de transição sobe 6 meses a cada ano, até chegar em 25 anos. Então se você tiver 55 anos de idade e 14 de contribuição, não vai conseguir se aposentar aos 57, porque já não serão mais 15 anos de contribuição, e sim 16. Aí no fim do ano já não serão exigidos 16, e sim 17.
"É impossível - é IMPOSSÍVEL, pelas condições do mercado de trabalho atual, e será ainda mais impossível com as reformas, alguém conseguir chegar a 40 anos de contribuição. Eles estão se divertindo com isso!"
As exigências sobem mais rápido do que a capacidade de cumprí-las?
Sim! Você entende essa situação? São duas corridas de obstáculo que você sabe que vai perder. Em suma, a regra de transição não é uma regra de transição, é uma regra de imposição da aposentadoria aos 65 de idade e 25 de contribuição para o homem, ou de 62 para a mulher. Eles fizeram a regra de tal forma que necessariamente as pessoas só irão se aposentar aos 65, a não ser em casos muito específicos. É uma regra de imposição.
E tem mais um dado ainda: os 65 anos mínimos também sobem. Sempre que a expectativa de sobrevida aos 65 anos aumentar um ano, a lei muda automaticamente a idade mínima na mesma forma. Hoje a sobrevida fica em torno dos 18 anos. Então até a pessoa que está ganhando aquela corrida de obstáculos, na hora que falar “agora eu vou!”, não vai conseguir, porque aumentou a idade mínima.
A expectativa de vida no Brasil aumenta um ano a cada 5 ou 8 anos, então daqui a 20, nós já podemos ter uma idade mínima de 67. É uma prova de obstáculos em que você sempre perde. Não é uma regra de transição, é uma regra de imposição dos 65 anos com 25 de contribuição, e que pode subir a qualquer momento.
E quanto à aposentadoria rural? O que muda?
Houve uma redução para o trabalhador da agricultura familiar - não o assalariado rural, só o familiar. Então agora a agricultura familiar mantém a idade mínima de 60 anos para o homem e sobe 2 anos para a mulher, passando a 57. A única coisa positiva de verdade é para o homem, que permanece na mesma.
Mas há um problema aí. Apesar da idade reduzida, eles estabeleceram, para esse trabalhador, 15 anos de contribuição MENSAL, ou seja, não mais sobre a produção. Mas o trabalhador da agricultura familiar não tem dinheiro para pagar o INSS todo mês. Ele funciona de acordo com a safra, ele planta, capina, rega, colhe, armazena e vende. Aí ele tem dinheiro uma ou duas vezes por ano, e paga as contas dele. Ele não guarda dinheiro na poupança, então ele não vai contribuir 15 anos. Ela não consegue, então não vai.
E como era antes? Se você fosse rural, você contribuia sobre a comercialização do seu produto. Agora você vai ter que ir todo mês no banco fazer a contribuição. Então ele não vai! Trabalhador rural, no Brasil, não tem poupança. Ele recebe o regime de safra e paga os custos que teve, compra comida para a casa, compra sementes para a próxima safra. Ele não dinheiro guardado na poupança para pagar contribuição. E aí ele não vai ter proteção, você vai ter um monte de velhos vagando por aí, morrendo embaixo da ponte. 15 anos de contribuição mensal, para o rural, é um absurdo.
Quanto à pensão por morte, a nova proposta faz diferença?
Na questão da pensão por morte, eles recuaram. Eles mantiveram a concessão só de 50% do salário do morto, acrescido de 10% por dependente, só que agora você pode acumular outra pensão. Isso vale até 2 salário mínimos. Então se a pessoa tem uma aposentadoria e o marido morre, ela não tem mais que optar entre as duas. Até dois salários mínimos você pode acumular. Não é uma concessão suficiente.
"15 anos de contribuição mensal, para o rural, é um absurdo. E aí ele não vai ter proteção, você vai ter um monte de velhos vagando por aí, morrendo embaixo da ponte."
O senhor mencionou em outras ocasiões a sua preocupação com o Benefício de Prestação Continuada de Assistência Social (BPC). Houve também um recuo nisso.
O que eles estão fazendo com o BPC é uma crueldade. Agora eles abaixaram a idade mínima de 70 para 68 anos. Mas o que é o BPC? É a pensão das pessoas que não conseguiram contribuir para a Previdência e que têm até 1/4 de salário mínimo como renda familiar per capta. O cara tem que ganhar menos de R$ 234, aí pode ter um benefício assistencial, contando aí os portadores de deficiência. Os atendidos pelo BPC são as pessoas mais vulneráveis da sociedade, que normalmente não vivem até os 68, 70 anos. Antes era 65 anos.
Na verdade, tem uma jogada aí: com essa redução, eles já estão admitindo que a reforma é excludente. Eles sabem que um monte de gente não vai conseguir se aposentar pela Previdência, que é contributiva, e isso vai pressionar o BPC. Aí eles colocam um muro lá na frente, aumentam a idade disso também, para que não tenha uma pressão, uma corrida pelo benefício assistencial.
Então você deixa o sujeito desprotegido. Isso já é uma confissão do caráter excludente da reforma.
Os servidores públicos são alvo de críticas recorrentes dentro dessa reforma, são considerados privilegiados. Como o texto trata isso?
São regras muito mais severas que estão sendo colocadas aí, mas não mudaram muito desde a última versão. Alguns casos, como o dos professores, tiveram uma redução na idade mínima - as regras ficaram mais duras, mas não são as mesmas dos demais. Os policiais também.
Olha, vamos colocar o seguinte: o problema do servidor público para 2050, 2060 JÁ ESTÁ RESOLVIDO. Isso ninguém fala. A Reforma do servidor público começou a ser feita com a Emenda Constitucional nº 20/1998, do Fernando Henrique Cardoso, que criou o Sistema de Aposentadoria Complementar Privado, e o Público também.
O privado passou a funcionar rapidamente, enquanto o público levou quase 20 anos para transitar. Começou com a Emenda 41, do Lula, em 2003. Depois com a Emenda 47, de 2005. E finalmente a Reforma foi feita em 2012, pela lei nº 12.618/2012, que criou o Funpresp, que é o Fundo de Previdência Complementar do Servidor Público. Esse Funpresp determina que quem entrar no serviço público a partir de 2012 vai ter um teto de aposentadoria, que é o mesmo o RGPS - R$ 5.000.
Portanto, em 2040, em 2050, não vai ter mais déficit do servidor público, porque se ele quiser um salário semelhante a quando ele estava na atividade, ele vai ter que contribuir para esse Funpresp. Tem no Executivo Federal, outro no Legislativo, outro no Judiciário, e é obrigação dos estados e municípios criarem os seus próprios, apesar de muitos ainda não terem feito.
Sabe o que ficou de fora aqui? O parlamentar. Então a questão toda é o seguinte: o tal servidor público marajá não existirá mais em 2040, 2050, exceto o marajá do parlamento. O que a gente tem que ver é o estoque de benefícios, ou seja, as pessoas que já recebem essas pensões imensas. Mas nem isso é tão grave, porque elas vão morrer, servidores públicos também morrem. Esse pessoal não existirá mais em 2050, então se eu estou fazendo uma reforma para 2050, isso já está resolvido.
Parlamentares, militares e servidores mais antigos são o problema. E esses estarão de fora. Mas aí eles usam a imagem do marajá do serviço público, esse que ganha R$ 30 mil por mês, para justificar a reforma da aposentadoria rural. É um escândalo, é uma estupidez. E eles ficaram fora!
Como essa reforma poderia ser alterada para melhor resolver a sustentabilidade da Previdência?
Essa Reforma não tem nenhuma medida para acabar com a DRU, para acabar com as isenções fiscais que atingem as fontes de custeio da Previdência e da Seguridade Social. O agronegócio exportador continua sem pagar a Previdência e não há nenhuma medida que combata a sonegação, que amplie a fiscalização - pelo contrário, agora eles estão premiando de novo os sonegadores, concedendo um refinanciamento de 20 anos para pagar as dívidas. Então estão dando um prêmio para essas pessoas.
Não há nenhuma medida que resolva alguma coisa ali. É apenas um choque de despesas, sem nenhuma medida que enfrente a questão da Previdência pelo lado da receita. Acaba sendo um ajuste fiscal que só penaliza os mais fracos e premia os mais fortes. Eles poderiam ter a decência de fazer uma emenda assim: “em 5 anos, o governo vai acabar com as desonerações fiscais sobre a folha, a partir de agora não tem mais refinanciamento de dívidas com a Previdência”. Mas não.
É evidente que eu estou falando das questões técnicas aqui. Esse governo não faria uma coisa dessas, porque nós estamos assistindo a um negócio chamado “luta de classes”: tem uma classe, ela tomou o poder e está fazendo todo o possível para preservar o seu status quo. Em função disso, não mexem no próprio bolso. O agronegócio, por exemplo, continua sem contribuir com a Previdência Rural, mesmo sendo 50% das exportações brasileiras. Tem toda essa questão das entidades beneficentes, que continuam com milhões em isenção, e ninguém mexeu aí.
Por ano, se retira R$ 160 bilhões por conta de isenções, e ninguém mexeu nisso. Por ano, é desviado do orçamento da Seguridade R$ 120 bilhões, e ninguém mexeu nisso. E não há nenhum aceno para uma reforma tributária que reveja essas coisas. Mas isso não vai mudar, eles não deram um golpe desse tamanho para correr riscos!
"Parlamentares, militares e servidores mais antigos são o problema. Mas aí eles usam a imagem do marajá do serviço público, esse que ganha R$ 30 mil por mês, para justificar a reforma da aposentadoria rural. É um escândalo, é uma estupidez. E eles ficaram fora!"
Enfim, como o senhor vê esse substitutivo, que agora já se encaminha para o Plenário da Câmara?
As regras que serão votadas ainda são superiores às praticadas em muitos países desenvolvidos, incomparáveis quanto às condições de trabalho e os indicadores socioeconômicos e demográficos do Brasil. São regras mais severas, absolutamente incompatíveis com a realidade do mercado de trabalho brasileiro, que irão se agravar com a terceirização e a reforma trabalhista. E as regras de transição são, na verdade, regras de interdição. Isso penaliza a mulher, penaliza o rural, e o aposentado pelo BPC sofre uma crueldade ainda maior.
Aí aparece muito economista babaca, que fica falando que Reforma da Previdência “não vai atingir os pobres”! A gente precisa saber quem são os pobres, então, porque se quem recebe o BPC não é pobre, eu realmente não entendo mais nada. Se o trabalhador rural que vive na zona rural do Nordeste, onde está 70% da pobreza extrema, não é pobre, eu não consigo entender mais nada. Esse é o saldo.
Por Renato Bazan - Portal CTB

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