segunda-feira, 3 de junho de 2013

Desafios para a III Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial

 EDSON FRANÇA - UNEGRO
Beleza Negra

Desafios para a III Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial
Edson França
Está em curso em todo país movimentações com vista a realização da III Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial – CONAPIR, será a primeira conferência sobre igualdade racial no governo Dilma, ao contrário da I e II CONAPIR que se detiveram na elaboração do Plano Nacional de Igualdade Racial - PLANAPIR, essa abordará questões estruturantes na sociedade: desenvolvimento e democracia. O debate desse tema levará o movimento negro a caminhos pouco percorridos em sua trajetória de luta política contra o racismo, terá que disputar a sociedade e não se perder em questões internas que consomem muita energia e produz resultados pífios. Será uma conferência diferente das anteriores, se constituirá num ambiente propício para quebra de paradigmas.

Antes de apresentar algumas reflexões sobre os principais desafios que a III CONAPIR impõe para o movimento negro e para o avanço das políticas de igualdade racial, faço dois destaques que permeiam as conferências de políticas públicas intensificadas a partir do governo Lula. Primeiro, junto com os conselhos, as conferências de políticas públicas são instrumentos importante de participação social e consultas entre governo e sociedade civil, reforçam a contínua luta pelo aperfeiçoamento da democracia, pois permitem que o povo seja um dos atores na formulação das políticas governamentais. Qualquer iniciativa governamental que aumenta a participação social na construção das políticas públicas deve ser valorizada.

Dados da Secretaria Geral da Presidência da República apontam que nos últimos 10 anos foram convocadas 86 conferências, que abordaram 40 áreas temáticas, mobilizaram 07 milhões de brasileiros (em todas as esferas, municipais, estaduais e federais) unidos no esforço de elaborar e pactuar com o poder público políticas públicas inclusivas. Inegavelmente o governo acerta ao promover esse virtuoso processo de mobilização da sociedade civil para formular, aperfeiçoar e propor caminhos aos governantes, porque permite maior qualidade no diálogo do governo com o povo e mais acerto nas meditas adotadas. A democracia participativa coaduna com os anseios dos movimentos sociais, devemos ser convocados para opinar com o voto em dia de eleição e com opinião nos períodos entre eleições.

Segundo destaque é que os movimentos sociais devem delinear com maior precisão seus objetivos, se organizar para participar e não apostar 100% de suas fichas nas conferências, não pode ser ingênuo, pois as conferências têm limites impostos pela institucionalidade e compromissos governamentais, a pauta é estabelecida a partir de projeto e demanda de governo. A 1ª Conferência Nacional de Comunicação deliberou sobre o marco regulatório nas comunicações e a 11ª Conferência Nacional de Direitos Humanos deliberou sobre o III PNDH foram bem elucidativas do que ocorre quando se avança o limite político da conferência: nada. Essas e outras propostas avançadas deliberadas em conferência estão solenemente guardadas e esquecidas em alguma gaveta de Brasília.

Por isso, palco prioritário para a luta política dos movimentos sociais são as ruas, nelas as lutas sociais acumulam forças para conquistas e mudanças mais profundas, expressam sem limitações temáticas e regimentais os anseios do povo, dão maior publicidade às manifestações sociais e disciplinam as massas para a luta. Resumidamente, as conferências são agendas de governos com a sociedade civil, tem contribuído com os avanços sociais na medida em que abre para sociedade a possibilidade de aperfeiçoar as políticas públicas, mas não substituem o principal espaço para organização autônoma da luta popular: as ruas.

Desenvolvimento e a luta contra a desigualdade e o racismo

O tema da III CONAPIR: “Democracia e Desenvolvimento sem Racismo: por um Brasil Afirmativo”, está adequado ao estágio da luta política contra o racismo e pela promoção social da população negra no Brasil, considerando que os últimos anos foram de ininterrupta defesa das políticas de ações afirmativas e que lograram importantes êxitos, destacadamente quando o Estado e não somente o governo incorporou essa dimensão nas políticas públicas através da legitimidade conferida pelo STF, a mais Alta Corte Judiciária da Nação, pela aprovação da Lei 10.639/03, do Estatuto da Igualdade Racial e da Lei das Cotas nas universidades públicas federais.

O debate sobre democracia e desenvolvimento significará um importante salto de qualidade ao tema da igualdade racial, colocará novos desafios ao movimento negro brasileiro. A partir da III CONAPIR o movimento terá que pensar no modelo de desenvolvimento que defende para o Brasil, diagnosticar e propor medidas que superem os principais gargalhos que obliteram a democracia brasileira, para isso, terá que pensar como maioria populacional, ter mais ambição política e ousadia, definir corretamente os inimigos, estabelecer alianças políticas com os setores progressistas da sociedade, sob pena de projetar um grande gueto para alocar a população negra. Será necessário sair da zona de conforto mental e pensar num projeto de nação que incorpora o povo com equidade.
Apesar de as conferências serem instrumentos de consulta e seus resultados não imporem obrigatoriedade, compreendo que o governo não tem pretensão deliberada de desconsiderar seus resultados, por isso a SEPPIR e o CNPIR merecem efusivas saudações pela coragem de chamar a população negra para discutir economia (desenvolvimento) e presença de negros nos espaços de poder (democracia) numa conferência oficial, assim o movimento negro tem oportunidade de sair do lugar comum que tem o distanciado do debate sobre os reais impasses que aprisionam a população negra na marginalidade e apresentar uma plataforma incômoda a aqueles que se beneficiam com as coisas como estão.

Além do modelo econômico brasileiro, as políticas econômicas equivocadas decididas pelos governos e a hegemonia de uma minúscula elite na definição dos rumos da economia nacional são agravantes para situação dos negros brasileiros, nesse sentido, o movimento negro não poderá escapar ao debate sobre o papel do Estado na economia. A III CONAPIR permitirá a discussão sobre o destino dos investimentos de importantes instituições financeiras públicas (BNDES, CEF e BB) e debater a divisão das riquezas nacionais (como o pré-sal e mineração). Terá que opinar sobre a política macroeconômica e debater o saldo do desenvolvimento do país nos últimos 10 anos para população negra.

Considero que o produto mínimo que poderá sair desse debate será a aquisição pelo movimento negro de uma profunda convicção que os principais pontos de sua pauta serão equacionados com aporte de recursos financeiros, ou seja, sem dinheiro não se promove justiça social para populações economicamente marginalizadas. Tenho total segurança que o movimento negro não cairá no economicismo, o racismo tem forte dimensão histórica, cultural, moral, psicológica que não permite saídas exclusivamente econômicas, no entanto, o Brasil não pode continuar sendo a sétima potência econômica do mundo e no IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) ocupar a 85ª posição no ranking mundial, quando a classificação atinge somente a população negra a posição vai para o 104º lugar, essa profunda desigualdade denuncia a perversidade do racismo brasileiro e matricializa inúmeras formas de opressões, discriminações e preconceitos.

Democracia e a luta contra o racismo

Democracia não é um conceito vazio para a luta política do negro brasileiro, mas um elemento fundamental para avançar nas conquistas, pois democracia é antítese de racismo. Quanto mais democrática, menos racista será uma sociedade, de modo que envolver a III CONAPIR nesse debate é um salto expressivo para o aperfeiçoamento da conferência como instrumento de dialogo democrático entre poder público e sociedade civil. A população negra tem uma longa pauta de reivindicação no campo da democratização do país, a começar pela acentuada ausência de negros e negras nos espaços de poder.

Os negros compõem mais da metade da população brasileira, maior concentração negra fora do continente africano, estão no Brasil desde as primeiras décadas da colonização, construíram com as mãos a grandeza da nação, porém, são 02 dos 81 membros do Senado Federal; 43 dos 513 deputados federais; uma ministra nos 39 ministérios, considerando que a única ministra negra de Dilma ocupa a pasta da igualdade racial; há assembleias legislativas e câmaras de vereadores em capitais sem representação negra; das 50 maiores estatais brasileiras somente a Bahiagás é presidida por negro. Esses dados são uma eloquente denúncia da defeituosa democracia brasileira que envergonha o país. O Brasil precisa corrigir essa distorção para mitigar tensões no seio do povo, inerente em sociedades racistas e desiguais, e criar um ambiente favorável a um desenvolvimento justo com unidade nacional.  

Nos últimos 30 anos o povo brasileiro atingiu avanços extraordinários, derrotou a onda reacionária representada pelos governos militares; tirou de cena a opção neoliberal representada por Fernando Collor e FHC que entregaram de forma criminosa quase toda riqueza nacional; elegeu um operário e uma mulher vinculados com as lutas sociais e comprometidos com uma agenda popular e democrática. Apesar dessas mudanças, o Estado mantém o mesmo arcabouço legal, as mesmas estruturas burocráticas, em outras palavras, a institucionalidade do Estado brasileiro continua antidemocrática, excludente, racista e voltada para o benefício dos mais ricos e poderosos. De modo que as reformas populares tem que ser inserida com mais força na pauta democrática, as lideranças do movimento negro estão desafiadas a politizar o debate sobre a democracia no Brasil assumindo a bandeira da reforma política, comunicação, agrária, tributária, urbana e educação.

Como mensionado acima, essa conferência permitirá quebras de paradigmas e foi dito também que devemos delinear com maior precisão nossos objetivos para obter melhores retornos. Assim considero que a III CONAPIR deva focar dois objetivos para sociedade civil. Primeiro apresentar a posição do movimento negro sobre a reforma política, defendendo lista partidária com equidade de gênero e raça, financiamento público exclusivo de campanha, com vista a acabar com a influência do poder econômico nos resultados eleitorais, combater a corrupção e aumentar a representação popular nos legislativos e executivos municipais, estaduais e federais. Esse posicionamento legitimará a disputa sobre a reforma política na sociedade, nos partidos e no Congresso Nacional, além de inserir com força o movimento negro numa importante agenda nacional. 

Outro objetivo que devemos priorizar é a realização de um censo, nos âmbitos dos governos estaduais e federal, sobre a presença de negros na gestão pública, precisamos saber quantos somos e onde estamos na gestão pública, precisamos de um diagnóstico preciso sobre a desigualdade nos espaços de poder para podermos combatê-la. Não é possível falar em democracia num país onde a maioria não está em espaços de representação em decorrência de discriminações, preconceito, racismo e outras formas de opressão e intolerância.

Por fim, devemos ter um olhar estratégico para essa conferência, há um refluxo nas mobilizações de massas pelos movimentos sociais brasileiros, as conferências tem assumido o protagonismo das mobilizações. No movimento negro o refluxo beira a crise de mobilização, as conferências de igualdade racial hoje é o polo que mais atrai e aglutina a base social do movimento negro. Não podemos perder a oportunidade para construir consensos e avançar na luta.

Considero que a principal lacuna para aumentar a eficácia da luta contra o racismo é a ausência de caminhos que fortaleça o movimento negro e o constitua num segmento político social capaz de pautar a nação e obter vitórias políticas que tire a população negra da marginalidade, distribua riqueza e mude a vida das pessoas. A conferência não pode se transformar num espaço para repetição de propostas conhecidas, o que o movimento negro precisa é de força política para tirar do papel e garantir a consecução da plataforma de combate ao racismo no Brasil.

Para não me alongar muito nesse texto abordarei os dois principais subtemas da III CONAPIR: avaliação dos 10 anos de política de igualdade racial e Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial – SINAPIR para outro momento, considerando que essa conferência exigirá muito mais reflexões.

Edson França
Presidente da UNEGRO

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